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A política mineral e energética no Brasil e as tragédias anunciadas das barragens no Brasil

Artigo relembra os 3 anos do rompimento da barragem de rejeito de Brumadinho e 7 anos do rompimento da barragem de Mariana neste Dia Internacional de Luta Contra as Barragens
acampamentos do MST são afetados pelo rompimento da barragem de Brumadinho
Acampamento Pátria Livre, em MG. Foto: Acervo MST

Por Pablo Neri e Evaldo Gomes do Pará
Da Página do MST

O ano de 2022 marca os 3 anos do rompimento da barragem de rejeito de Brumadinho e 7 anos do rompimento da barragem de Mariana. Iniciar este texto com a lembrança daquelas tragédias é lembrar que o sinal vermelho e a sirene de aviso seguem ligados e as barragens permanecem como ameaças à vida no país. Segundo dados da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada para averiguar barragens de rejeitos, pela Assembleia Legislativa do estado do Pará, o Brasil é um país com 24 mil barragens registradas, sendo 790 delas são aparatos de contenção de rejeitos de mineração.

A responsável pelos crimes cometidos em Minas Gerais, a empresa VALE S.A tem se empenhado em demonstrar capacidade de gestão dos impactos ambientais e sociais. A empresa utiliza propagandas mistificadoras e os poucos (e pontuais) investimentos sociais para construir a ideia de que uma vida pode ser mensurada em números e cifras. Há, no setor mineral, a falsa narrativa que não há “tragédia” que não seja possível gestionar. Mas as tragédias ocasionadas pela mineração no Brasil são frequentes e promovem violências contra populações, desterritorialização e inviabilização da reprodução material e espiritual ainda que comunidades tradicionais e originárias permaneçam no entorno dos projetos.

Em um cenário de expansão da indústria mineral, as barragens de rejeito se tornam monumentos da esterilidade da economia tóxica e aprofundam a insegurança, o medo e prejudicam diretamente as condições de vida em comunidades e da floresta (animais e plantas). A lógica de alinhamento permanente ao comércio internacional faz com que a mineração brasileira responda a seus ciclos, e não a políticas institucionais internas de expansão da quantidade explorada e de determinação de preços e retorno à sociedade nacional.

A aprovação de requerimento de urgência, na Câmara Federal, para permitir mineração em áreas indígenas desnuda que os interesses da maioria dos dirigentes políticos brasileiros estão mais alinhados aos interesses externos que pela soberania do país. Segundo informações do Observatório da mineração, a Frente Parlamentar que defende os interesses de pequenos (garimpos) e grandes mineradores é composta por nada menos que 250 políticos do Congresso Nacional.

Em termos econômicos a companhia Vale S.A. permanece gerando alta lucratividade e praticamente não tem restrições para operar em nenhum território do país. Em 2021 a empresa atingiu um lucro de R$ 121,2 bilhões. Só em setembro de 2021, segundo dados da própria empresa, foram distribuídos mais de R$ 40 bilhões em dividendos para acionistas. As tragédias provocadas pela empresa não reduzem o interesse por suas ações, dada a certeza de crescimento de seu lucro operacional, seja por meio do aumento dos preços internacionais seja por meio do aumento da quantidade extraída de minério. Por exemplo, quando a barragem de Mariana estourou, grandes acionistas da VALE seguraram papéis no mercado financeiro, pois o crime acelerou a transposição das atividades da empresa para os campos ainda não explorados em Carajás. A tragédia se transformou em oportunidade de ganhos especulativos.

Brumadinho. Foto: Maria Júlia Andrade

Não é de hoje que crimes são cometidos na construção e manutenção de barragens no Brasil. A centralização do parque elétrico nacional foi uma das frentes de expansão da infraestrutura definidos pela Ditadura Militar. E junto a eles ocorreram uma série de violações de direitos sobre territórios e comunidades, além da forma desestabilizadora que trabalhadores foram convocados ao trabalho, gerando excedentes migratórios significativos em vários territórios e inúmeros crimes trabalhistas.

Grandes usinas hidrelétricas (UHE) alteraram a paisagem social e ambiental de muitas regiões brasileiras. Itaipu foi responsável pelo desaparecimento das Sete quedas. Quando o lago da UHE de Tucuruí foi formado, Payaré Akrãtikatejê presenciou o lago da UHE de Tucuruí engolir as terras de seu povo. No Estreito, o início da operação das turbinas foi responsável pela morte de toneladas de peixes. A tragédia de Capitólio em 2021 ocorre num cenário de alteração ambiental provocada pela UHE de Furnas.

Nada distinto do sentido histórico determinado pelas elites nacionais de utilização da força de trabalho rebaixando seu valor a níveis que muitas vezes limita sua capacidade de reprodução material, além da espoliação a níveis extremos da natureza que de igual modo impede seu manejo de maneira a permitir sua reprodução. Somente quando frações da classe trabalhadora se organizam em torno da denúncia a estas práticas históricas que o Estado se mobiliza. Em Belo Monte a previsão não era construir o modelo de fio d’água, que reduz o tamanho do lago artificial. É possível que se a exigência de consulta livre, prévia e informada conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Comércio (OIT) fosse respeitada, nenhum empreendimento de barragem em leitos ou de rejeitos seria autorizada no Brasil. Ou ao menos não haveria tantos desmandos na operação em torno destas construções.

Enquanto que já são contabilizadas vítimas das barragens de rejeitos no estado de Minas Gerais, a mineração no Pará avança em meio à apreensão de territórios que estão em seus entornos. A indústria da mineração é a que mais arrecada financeiramente no estado, sendo a principal fonte de composição do PIB paraense (57 bilhões de reais em 2019). Na contramão disso, os municípios que arcam com todos os conflitos gerados pela exploração mineral, arrecadaram apenas 1.294 bilhões (2019).

A comissão parlamentar de representação com finalidade de fiscalizar e vistoriar a situação das barragens e bacias de rejeitos da mineração existentes no estado do Pará, riscos e impactos ambientais apontou “Nos dias atuais, inexistem no estado do Pará condições objetivas de controlar, fiscalizar e informar a população das condições e riscos decorrentes do processo minerário”. Ainda nestes dias de março Ministério Público do Trabalho, segundo reportagem de Vinícius Soares ao portal Debate Carajás, ingressou com uma ação civil pública exigindo que a Vale S.A retire com urgência 1.806 funcionários que trabalham em instalações localizadas abaixo da barragem Mirim, na mina Salobo, em Marabá, no sudeste do Pará.

Enquanto não se debater nacionalmente no país que um projeto nacional envolve não só a modernização da infraestrutura mas também que se estabeleça projeto e infraestrutura existindo a favor do povo brasileiro e de seu desenvolvimento civilizatório nunca permitido. Enquanto isso, barragens de rejeitos e em leitos de rios continuarão integradas por um único objetivo: exportar recursos naturais minerais e vegetais. Nada mais elucidativo que a relação da UHE de Tucuruí com as barragens de rejeitos das minas do Salobo e do Sossego no Sudeste do Pará.

*Editado por Fernanda Alcântara