LGBT Sem Terra
“A revolução é um ato de amor em defesa da vida”
Por Wesley Lima
Da Página do MST
Reunidas e reunidos desde a última quinta-feira (17), no Centro de Formação Frei Humberto, em Fortaleza (CE), o Coletivo LGBT do MST tem discutido as tarefas, o planejamento e a organização das lutas pelo Fora Bolsonaro, contra a fome, os despejos e pela vida das LGBTQIA+. Neste sábado (19), último dia da atividade, foi debatida a conjuntura política e os principais desafios para construção das lutas políticas na atualidade.
Para contribuir com esse debate, o Coletivo contou com a participação do dirigente nacional do MST, Zé Ricardo, da presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABGLT), Symmy Larrat, e a integrante da Rede Afro LGBT e secretária nacional LGBT do PT, Janaína Oliveira.
De maneira geral, as principais questões que apareceram na discussão, tiveram como ponto de partida a necessidade de ampliar a luta contra o conservadorismo, a barbárie, as fake news e o neofascismo.
Zé Ricardo abordou as principais questões que mediam as relações sociais e políticas no capitalismo. “O capitalismo é uma guerra cultural pelo domínio da vida cotidiana. Ele se apresenta de maneira onipresente, onipotente e universal. E isso, inclusive, se reproduz nas propagandas do agro, em que o agro é tec, é pop, é tudo. É claro, que por trás de tudo isso ele precisa se expressa a lógica de exploração e dominação dos trabalhadores e das trabalhadoras”, introduz.
“O capitalismo é uma totalidade. É uma sociedade sistêmica. E essa mesma lógica tem como objetivo destruir os pensamentos e ideias revolucionárias. Por isso, é inerente ao capital toda forma de opressão. O capitalismo não pode ser diferente disso. Não existe capitalismo remendado, adaptável, parceiro, companheiro. Capitalismo é guerra. É luta de classes.”
Nesse sentido, ele explicou que o “capitalismo precisa exterminar” e exemplifica: “a fome não é uma consequência natural. É um projeto político”.
Barbárie X Socialismo
Segundo Zé Ricardo a barbárie se estabelece, a partir da incapacidade de “mediação social” e é através da violência que esse modelo de produção estabelece o “controle sobre os nossos corpos e vidas”.
Pensando nisso, ele aponta também que a retirada de direitos e as estratégias militarizadas construídas no âmbito do Estado são fundamentais para o aprofundamento dessas questões. Por isso, destacou: “o neofascismo é expressão da ala subordinada do projeto de exploração do capital, mas também é expressão da burguesia brasileira. E para isso atuam através da força das armas, com a força do poder econômico, a força fundamentalista e há um apoio ‘popular’ que sustentam esse modelo”.
Sobre o Socialismo, posicionado no debate numa perspectiva revolucionária, de mudanças estruturais, Zé Ricardo afirmou que é preciso apresentá-lo como uma alternativa radical aos dilemas da humanidade.
“Por ser radical, ele precisa ser mais ambicioso do que nós o conhecemos, posicionando a luta anti-imperialista como uma ação imprescindível. Porém, o Socialismo precisa de organização e por isso, precisamos criar e recriar o seu conceito, alimentando-o como uma práxis revolucionária e, para isso, a utopia da emancipação humana nos move para pensar a revolução como um ato de amor em defesa da vida. Sem práticas socialistas não há futuro socialista”, finalizou.
Conservadorismo e o bolsonarismo
Symmy Larrat, que além de presidenta da ABGLT é amiga do MST, entende que para a construção de um projeto político emancipador é necessário enfrentar de frente o conservadorismo e o bolsonarismo. “Precisamos ter claro, que derrubar o Bolsonaro, não é derrubar o bolsonarismo e nem tão pouco o conservadorismo”, alertou.
Larrat explicou também que existem alguns desafios e limites encontrados na construção e na pauta em torno das políticas LGBTQIA+. “Nossas conquistas, que são poucas, não chegam nas pontas. Porque os operadores são pessoas e tem assumindo o discurso conservador, reafirmando uma prática LGBTfóbica institucional”, declarou.
“Eles [a direita] estão se elegendo em cima das violências, de nossas mortes. E hoje existe uma institucionalização do desmonte. Há um não aprofundamento do direito e isso vai ser a campanha da Damares para o Senado, por exemplo. Eles trazem a gente à tona, e de uma forma, como se fossemos uma grande ameaçada, e eles comemoram e vibram quando os projetos conservadores são aprovados. E nós [movimentos e organizações de esquerda] não nos pronunciamos.”
“Não há solidariedade entre nós. A que preço nós vamos eleger o Lula?”, questiona Larrat, quando falou da necessidade de inserir o tema da diversidade sexual e de gênero na construção das candidaturas de esquerda, com o objetivo e posicionar a pauta nos programas de governo dos candidatos e das candidatas que se posicionam a partir da construção da luta dos movimentos e organizações populares.
E continua: “disputar esse lugar, com candidaturas é importante, mas precisamos disputar com pautas também. A eleição não é só voto, é debate político. Quando é que a gente discute os problemas da nossa cidade? É nas eleições. Por isso, precisamos ter os votos para tirar o Bolsonaro, mas também para fazer o debate com a sociedade”.
Um dos grandes desafios apresentados por ela é o de “esvaziar o discurso do medo” construído pelo conservadorismo. “Precisamos disputar todos esses campos e esses lugares, porque derrubar o Bolsonaro não derruba os nossos problemas.”
“A luta contra LGBTQIA+fobia não é só nossa”
Cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIA+, de acordo com a ABGLT. Cerca de 92,5% dessas pessoas relataram o aumento da violência contra a população LGBTQIA+, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford.
Ainda segundo a pesquisa, esses dados estão atrelados à última eleição presidencial do Brasil, em 2018. De lá pra cá, 51% das pessoas LGBTQIA+ relataram ter sofrido algum tipo de violência motivada pela sua orientação sexual ou identidade de gênero. Destas, 94% sofreram violência verbal. Em 13% das ocorrências as pessoas sofreram também violência física.
A pesquisa revela ainda que, em comparação com os Estados Unidos, por exemplo, as trans brasileiras correm um risco 12 vezes maior de sofrer morte violenta do que as estadunidenses. Esse é apenas um dos levantamentos que apontam o Brasil como o país que mais mata pessoas trans.
O Relatório Mundial da Transgender Europe mostra que, de 325 assassinatos de transgêneros registrados em 71 países nos anos de 2016 e 2017, um total de 52% – ou 171 casos – ocorreram no Brasil.
Janaína Oliveira, apontou que é impossível desassociar os números da violência com a “legitimação do conservadorismo”. “A história, seja do Feliciano ou da bala, sempre tiveram atuações individuais e coletivas com o discurso da moral e dos ditos bons costumes. O Bolsonaro conseguiu agregar o que há de pior. Eles conseguiram posicionar o que há de pior na estrutura e na pauta conservadora”, explicou.
Pensando nisso, ela afirmou também: “nós não vamos vencer a LGBTQIA+fobia sozinhos, essa luta não é só nossa. E nossas direções precisam subir nos espaços e levantar a nossa bandeira. Por mais que a gente derrube o Bolsonaro, nós não vamos derrubar o neofascismo se nossas organizações não assumirem esse debate. Se nossos dirigentes não assumirem esse debate”, desafiou.
Esse e outros desafios apareceram com força na fala da Janaína, como a necessidade de ocupação dos espaços de lideranças pelas pessoas LGBTQIA+, do MST posicionar a pauta agrária na construção das lutas do Movimento LGBTQIA+, de contribuir na construção das políticas públicas, de seguir no fortalecimento do Conselho Nacional Popular LGBTI+, entre outros.
O debate da conjuntura, como parte da Reunião do Coletivo Nacional LGBT do MST, inseriu na leitura política o tema da diversidade sexual e gênero não como uma “citação”, mas como um elemento constitutivo para se pensar as relações econômicas e políticas na atualidade.
*Editado por Gustavo Marinho