Agroecologia
Como a seca no Rio Grande do Sul atingiu a maior produção de arroz orgânico da América Latina?
Por Anelize Moreira
Do Brasil de Fato*
A seca que atinge estados do Sul do país, em especial o Rio Grande do Sul, é considerada a maior em pelo menos 70 anos. Com os problemas climáticos que se estendem desde o fim do ano passado, o arroz orgânico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se tornou conhecido por ser o maior produtor da América Latina, sofreu queda na produtividade. É o que explica Marildo Mulinari, da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap).
Com recuo das compras públicas e seca, produtores resistem para manter a produtividade.”
“Nesse momento estamos em torno de 40% da área total do grupo gestor do arroz colhido e estamos percebendo que não estamos atingindo a mesma produtividade do ano passado. Atribuímos esta queda na produção em função dos fatores climáticos. Um dos motivos é o superaquecimento acima de 40 graus na floração do arroz e de forma geral tivemos poucos problemas de falta de água”.
As famílias camponesas do Rio Grande do Sul estimam colher na safra 2021/2022 mais de 15 mil toneladas, cerca de 310 mil sacas de 50 quilos do produto, em aproximadamente 3 mil hectares de terra. No ano passado foram 12 mil toneladas, o que equivale a 248 mil sacas de arroz.
O título de maior produtor latino-americano de arroz orgânico se dá, porque no estado são cinco mil hectares de área com cultivo de arroz no sistema agroecológico, sendo que quatro mil hectares estão em áreas de assentamentos da Reforma Agrária.
Em todo o estado, a produção do alimento é feita por 296 famílias, em 14 assentamentos, que se dividem em 11 municípios gaúchos.
O arroz orgânico Terra Livre é plantado com base na agroecologia na qual as culturas são sem sementes transgênicas, sem o uso de adubo químico e agrotóxicos.
Segundo o agrônomo Edson Cadore o sistema agroecológico pode ser favorável para enfrentar eventos climáticos extremos como a seca deste início de ano no sul do Brasil.
“Os sistemas produtivos de base ecológica estão mais próximos das leis da natureza e seguem princípios com maior sustentabilidade em períodos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Esses sistemas estão mais de acordo com o ciclo das águas e a manutenção da fertilidade do solo”, explica.
O agrônomo pontua que a principal diferença entre o arroz convencional e o orgânico é que esse último devolve à sociedade um alimento saudável, além dos benefícios sociais, ambientais e econômicos. Ele também relata que os assentados investem em pesquisas para melhoria no manejo do arroz agroecológico com parcerias com entidades e universidades.
“A agroecologia já apresenta na sua matriz tecnológica a produtividade e o manejo necessários para a produção de alimentos de qualidade que precisam ser estudados e pesquisados cada vez mais para aumentar a escala de oferta.”
Os assentados do Rio Grande do Sul produzem arroz orgânico há mais de vinte anos. Com o fim das políticas para a agricultura familiar, os desafios da comercialização também aumentaram.
“Com o fim do programa da aquisição de alimentos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e também o fim dos programas PNAE e PAA, o que tem restado é comercializar no mercado normal, feiras livres e nos Armazéns do Campo. E neste último período algumas prefeituras que estão voltando às atividades estão voltando a adquirir os alimentos para merenda escolar. Porém tudo isso tem impedido de comercializar grande parte da produção do nosso arroz orgânico”, explica o agricultor.
O cultivo principal é de arroz orgânico nas variedades agulhinha e cateto, principal item da cesta básica dos brasileiros. Segundo ele, a alta dos insumos orgânicos têm acompanhado a inflação e subiu 300% também, o que tem prejudicado os agricultores.
Solidariedade e cooperativismo
Nascido e criado na roça, Mulinari tem 58 anos e planta arroz no assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul. Ele acompanha a produção do grão desde 1989 e compõe o grupo gestor do arroz agroecológico através da cooperativa. O modelo agroecológico, segundo Mulinari, é antagônico ao do agronegócio.
“O MST e a Reforma Agrária Popular ela anda na contramão da prática perversa do agronegócio. Enquanto o agronegócio envenena as pessoas e agride a natureza, o MST anda na contramão com esse projeto alternativo onde as pessoas, a vida, o meio ambiente está acima do lucro.
Enquanto os preços dos alimentos dispararam durante a pandemia, o MST comercializou o arroz a preço justo e realizou ações solidárias para que o alimento chegasse em quem mais precisava dele.
“Esta prática da solidariedade onde nossos produtos têm chegado em grandes partes em grande volume das periferias da cidade é onde o povo está desolado e tem voltado o mapa da fome e da miséria, temos dado esse suporte com o nosso produto limpo de veneno”, comemora Mulinari.
*Edição: Douglas Matos