Reparação

Encontro de Atingidos reivindica Bacia do Rio Doce vivo, justo e sem fome em Minas Gerais 

Lutando por justiça, reparação integral e por outro modelo de desenvolvimento para o campo e a cidade, lideranças populares se reuniram no Centro de Formação Francisca Veras, em Governador Valadares
Encontro Popular de Lideranças da Bacia do Rio Doce, reuniu pessoas atingidas de MG e ES. Foto: Mônica Coelho

Por Agatha Azevedo e Kênia Marcília
Da Página do MST

Entre os dias 26 e 27 de março de 2022, o Centro de Formação Francisca Veras, localizado em Governador Valadares, recebeu cerca de 350 pessoas para participar do Encontro Popular de Lideranças da Bacia do Rio Doce. Pessoas de diversos municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo atingidas pelo crime, se reuniram para pensar a resistência e a reparação a partir do mote “Por um Rio Doce vivo, justo e sem fome”.

A atividade foi realizada pelo MST, Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Espírito Santo, Cáritas Brasileira Regional de Minas Gerais e Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce e Comissões de Atingidos e Atingidas. 

Mais de seis anos após o rompimento da barragem em Mariana (MG), as pessoas atingidas ainda lutam por reparação dos danos cometidos pelas mineradoras. Nesse cenário de descaso, o processo de repactuação do caso da Samarco (Vale e BHP) começou em junho de 2021, com a assinatura da Carta de Premissas entre os governos de Minas Gerais, Espírito Santo e a União, junto às instituições de Justiça. O início dessas tratativas se deu após o acordo estabelecido com o estado de Minas Gerais e a Vale em relação ao rompimento da barragem em Brumadinho (MG). Desde o começo, a reparação ao crime foi debatida sem a participação das pessoas que sofreram suas consequências.   

As comissões de atingidos e atingidas, movimentos e pastorais sociais discutiram o acordo de repactuação do Rio Doce que está sendo debatido entre órgãos de justiça, governos estaduais e mineradoras responsáveis pelo crime do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A partir do Encontro, os participantes irão apresentar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o Plano Popular por um Rio Doce vivo, justo e sem fome, um documento com as pautas relevantes para o processo de repactuação na ótica das pessoas atingidas.

Justiça e Reparação

Diversos foram os relatos de tristeza e indignação quanto ao impacto e consequências ainda vivenciadas pelas pessoas atingidas pelas barragens. Nas falas, a unanimidade em relação à insuficiência de ações de reparação integral da Bacia do Rio Doce e pedidos por justiça como a penalização dos responsáveis pelos crimes de rompimento das Barragens de Fundão e Brumadinho.

Muitas dessas famílias que ainda não foram indenizadas e mesmo às poucas indenizadas, veem nessa ação uma medida paliativa que não minimiza e consequentemente não “repara” à destruição ambiental, assim como o impacto econômico (já que tiravam seu sustento da pesca, do plantio, do turismo) e também a saúde física e emocional.

“Essa luta de um só não resolve, eles tão querendo usar o individual pra passar batido, mas nós não aceitamos! Nós precisamos de justiça, essa justiça é fazendo que a água volte ao normal como era e a alimentação normal, como nós tínhamos”, aponta Pedro Lourenço, atingido do Assentamento Terra Prometida.

Foto: Agatha Azevedo

Para os atingidos, assim como para as organizações que os representam, é impossível pensar a repactuação sem a escuta permanente e participativa de quem ainda sofre os impactos diretos e indiretos dos maiores crimes ambientais e trabalhistas da história do país. 

“Nada indeniza a perda que tivemos. A perda da nossa água doce assim a gente tem toda a perda de toda a produção alimentar”, aponta Maria da Glória dos Santos Costa, atingida do Assentamento Ulisses Oliveira.

Assim como o senhor Paulo e a senhora Glória, os demais atingidos trouxeram no Encontro a importância de considerar como mantinham para além da subsistência, uma relação afetiva com o Rio Doce e com os rios e mares atingidos pelo minério, e como é urgente o reforço de um objetivo coletivo comum: a reparação integral. “A justiça seria o rio limpo de novo, pra gente ‘banhá’, pescar… isso vai demorar muito”, explica Maria da Glória dos Santos Costa, atingida do Assentamento Ulisses Oliveira.

É importante lembrar que em fevereiro a Vale e o Governo de Minas Gerais assinaram um acordo bilionário com a prerrogativa de reparação das consequências do crime de Brumadinho, dentro desse pacto, ações previstas como a construção do Rodoanel e melhorias no metrô de Belo Horizonte, tendo destinado às esses o valor de 4,95 bilhões.

Foto: Mônica Coelho

Muitas são as dúvidas e repúdio a esse pacto, já que para os atingidos e organizações de defesa ambiental e movimentos sociais, essas ações não são alinhadas ao que deveria: ser destinado à reparação integral, considerando um novo modelo de desenvolvimento para o campo. 

“Nossa força é coletiva, por isso eles combatem, por isso eles querem individualizar e não permitir que haja uma pauta comum do mar até o gualacho começo do Rio Doce. Não é só um risco de nós termos uma conquista imediata, mas é um risco da gente construir outro projeto de desenvolvimento para a região. Com o Rio Doce morto, a linha de trem não pode ficar viva”, contextualiza Silvio Netto, da direção nacional do MST.

Silvio Netto, da direção nacional do MST, chama atenção para importância da luta coletiva entre as famílias atingidas. Foto: Mônica Coelho

Minas Gerais vem sofrendo há séculos com o processo exploratório da mineração que nesse modelo considera o lucro às custas da vida. Somente o Estado mineiro tem 44 barragens e nesse montante, 31 barragens apresentam algum nível de emergência, algumas delas em nível 3 (quando há risco iminente de rompimento e moradores são obrigados a sair de suas casas). 

Já compreendendo e combatendo esse modelo predatório lucrativo, os movimentos sociais ligados à preservação do meio ambiente e da vida como um todo, historicamente vêm resistindo à essa cultura opressiva. “Os prejuízos não foram apenas individuais, existem perdas que são econômicas, sociais e culturais coletivos. Perdas de bens que pertencem à humanidade como água em geral, água potável e toda biodiversidade”, Matilde Oliveira de Araújo Lima, direção estadual do Setor de Educação do MST.

Na Região da Bacia do Rio Doce o MST desenvolve o Programa Agroecológico da Bacia do Rio Doce, atuando diretamente na construção da retomada de atividades nos assentamentos do Vale do Rio Doce, impactados pelo crime da SAMARCO. 

O programa prevê e já executa atividades de Restauração Florestal e Desenvolvimento Rural, atendimento individual e coletivo ao agricultor para eventos de troca de saberes e a implantação de Sistemas Agroflorestais, assim como um plano de ação em educação territorial, que objetiva construir conhecimento combinando Educação e Agroecologia. “É preciso uma nova consciência em relação à reparação: a todo momento o Estado e a empresa vem impondo essa questão como se fosse apenas uma questão individual, e isso muitas vezes encontra eco no individualismo incentivado pelo sistema”, reforça Matilde.

Para o MST essas ações precisam ser exigidas dos responsáveis e cumpridas, pensando não apenas na recuperação pontual e presente desse impacto, mas considerando um avanço na consciência frente à exploração que visa o lucro. Olhar para o passado como uma lição e através da luta coletiva, exigirmos um novo modelo de desenvolvimento para o campo, que garanta o futuro de um Rio Doce vivo, justo e sem fome.

*Editado por Solange Engelmann