Direitos Indígenas
Garimpo ilegal traz fome, doença e exploração sexual para território Yanomami, diz estudo
Por Murilo Pajolla
Do Brasil de Fato
O garimpo ilegal na terra indígena Yanomami (RR) cresceu 3.350% entre 2016 e 2021. A consequência direta é o crescimento da malária, da desnutrição infantil, da contaminação por mercúrio e da exploração sexual.
O cenário aterrador é detalhado no relatório “Yanomami Sob Ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo“, divulgado nesta segunda-feira (11) pela associação Hutukara, que representa o povo Yanomami.
Os efeitos são sentidos por 16 mil moradores de 273 comunidades, o equivalente a 56% da população total. Com o tamanho de Portugal, o território Yanomami tem 29 mil habitantes em 350 aldeias.
Mas o ouro e a cassiterita extraídos ilegalmente não bastam. Os garimpeiros usam a fome e bebidas alcoólicas para explorar sexualmente crianças e mulheres. As vítimas vivem um clima permanente de terror e angústia. Leia mais abaixo depoimentos que relatam como ocorrem os abusos.
Imagens aéreas feitas pelos Yanomami em janeiro deste ano mostram que a atividade se aproxima cada vez mais das comunidades, desmatando a floresta e poluindo os rios. Também há flagrantes de aeroportos e helicópteros utilizados para o transporte para regiões de difícil acesso.
“Bolsonaro, busque seus filhos garimpeiros”
Para os Yanomami, a invasão garimpeira é fruto, principalmente, das escolhas de Jair Bolsonaro (PL). Segundo o documento, a “política do atual governo” é de “incentivo e apoio à atividade, apesar do seu caráter ilegal, produzindo assim a expectativa de regularização da prática”.
“Os garimpeiros destruíram nossa floresta. Nós, lideranças, não queremos seus garimpeiros! Nossos animais de caça já acabaram! As crianças já estão sofrendo com doenças de pele e diarreias! Nossos filhos já estão doentes! Bolsonaro, busque seus filhos garimpeiros e os leve de volta!”, diz uma liderança indígena, em trecho da fala destacado no relatório.
Os Yanomami observam ainda que as operações policiais de combate ao garimpo realizadas em 2021 foram insuficientes para garantir a segurança da população e pedem a expulsão definitiva dos invasores. E ressaltam que elas só foram executadas sob ordens judiciais e após a divulgação de denúncias na imprensa.
Relatos de exploração sexual
No rio Apiaú, moradores relataram que um minerador ofereceu drogas e bebidas aos indígenas. Quando todos já estavam bêbados e impossibilitados de reagir, estuprou uma das crianças da comunidade.
Em outra denúncia, um garimpeiro ofereceu mercadorias para se “casar” com um adolescente, mas nunca entregou os produtos. Trechos de depoimentos colhidos por pesquisadores evidenciam como se dão os abusos.
Leia trechos de relatos de exploração sexual registrados por pesquisadores:
“Após os Yanomami solicitarem comida, os garimpeiros rebatem sempre. (…) ‘Vocês não peçam nossa comida à toa! É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!’.
‘Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!’.
Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida.
Os garimpeiros têm relação somente com as mulheres que tomaram cachaça. Os garimpeiros não conseguem com as mulheres que não tomaram cachaça.”
“Quando as pessoas disseram que eles se aproximavam, eu fiquei com medo. Por isso, desde que ouço falar dos garimpeiros, eu vivo com angústia.
Agora, as mulheres estão acabando, por causa da letalidade dessa doença [sexualmente transmissível]. É tanto assim que, em 2020, três moças, que tinham apenas por volta de 13 anos, morreram.
Elas eram novas, tendo apenas tido a primeira menstruação. Após os garimpeiros terem provocado a morte dessas moças, os Yanomami protestaram contra os garimpeiros, que se afastaram um pouco. As lideranças disseram para eles que estando tão próximos, se comportam muito mal”.
Garimpo engole saúde indígena
Conforme a Hutukara, o domínio dos garimpeiros sobre o território cresceu principalmente a partir do segundo semestre de 2020, justamente em um dos piores momentos da pandemia de covid-19. Segundo o relatório, a mineração ilegal teve crescimento de 30% em 2020 e de 46% em 2021.
Nem as unidades de saúde são poupadas. Dos 37 polos de atendimento, 18 possuem registro de desmatamento relacionado ao garimpo. Um exemplo é a Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) de Homoxi, que está sendo engolida por uma cratera aberta por garimpeiros.
Enquanto isso, a malária adoece a população. No rio Arathau, casos da doença saltaram 1127% de 2018 a 2020. Em 2020, a região do Palimiu registrou 1,8 mil casos, o dobro da população total, de 900 pessoas. Ou seja, uma média de quase duas contaminações por indivíduo.
Fragilizada pela malária, indígenas perdem as forças para plantar a comida que garantiria a segurança alimentar. As comunidades do Arathau são as que apresentam os maiores índices de desnutrição infantil de toda a Terra Indígena. Quase 80% das crianças de até cinco anos da região possuem peso baixo ou muito baixo.
O relatório lembra que a atividade garimpeira está diretamente associada à contaminação de mercúrio, com danos irreversíveis à sua saúde das pessoas das comunidades afetadas.
“Há notícias de uma maior incidência de doenças neurológicas entre recém-nascidos nas comunidades Yanomami, mas estas não passaram por um diagnóstico de contaminação de mercúrio apesar de haver orientação normativa nesse sentido”, diz o documento.
Falta de emprego impulsiona mineração ilegal
O documento reúne as causas apontadas pelos indígenas para o crescimento do garimpo. São elas: o aumento do preço do ouro no mercado internacional; falta de transparência, falhas regulatórias e fraudes na cadeia produtiva do ouro que permitem ocultar a origem ilegal da substância; e o desmonte da política de proteção dos povos indígenas conduzidas pelo governo Bolsonaro.
A crise econômica e a falta de emprego, diz a Hutukara, produzem uma “massa de mão de obra barata” que se submete ao garimpo em condições de alta precariedade e periculosidade. A extração ilegal de ouro também é facilidada pelos avanços tecnológicos, que agilizam a comunicação e a locomoção.
“O governo precisa avaliar suas ações, pois muitas operações de combate ao garimpo não surtiram efeitos. Esse documento mostra a realidade que estamos vivendo e suas consequências, de muita violência e vulnerabilidade. O meu povo está sofrendo. Pedimos o apoio da população para se unir ao nosso grito de socorro para a retirada imediata dos garimpeiros do nosso território”, convocou Dario Kopenawa.
Edição: Rodrigo Durão Coelho/ Brasil de Fato