Direitos Humanos
Comissão Arns visita o acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP), após ataques
Por Guilherme Henrique Guilherme
Da Página do MST
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns visa contribuir para dar visibilidade e acompanhamento jurídico, em instâncias nacionais e internacionais, a casos de graves violações dos direitos humanos. Seu nome é uma homenagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (1921 – 2016) que, nos momentos mais difíceis do regime ditatorial instaurado em 1964, foi capaz de juntar forças em favor dos direitos humanos e na denúncia das torturas praticadas pelos militares.
O objetivo da visita foi ouvir dos acampados os relatos sobre a situação de violência enfrentada pelo acampamento Marielle Vive, especialmente os atentados a tiro praticados recentemente, quando disparos foram realizados contra a portaria do acampamento. A Comissão se comprometeu a acompanhar o caso e a cobrar providências das autoridades.
Paulo Vanucchi, um dos integrantes da Comissão Arns, que já integrou também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), além de ter sido Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, disse que o objetivo da visita foi “trazer solidariedade, ouvir muito e nos dispor a ajudar.”
Para Vanucchi, o direito à terra é também um direito humano. “A nossa Constituição Federal, mesmo quando fala da propriedade privada, a relaciona à sua função social. A propriedade da especulação imobiliária não pode ser colocada acima das necessidades das pessoas, para que as pessoas não morram de fome, nem morram ao relento. É por isso que a Comissão Arns está aqui, para ampliar a voz da luta que incorpora aos direitos humanos a luta pela terra, pela produção de alimentos e por uma reforma agrária justa.”
A situação do acampamento Marielle Vive é grave, por isso a importância de que uma organização como a Comissão Arns possa acompanhar e denunciar o caso. Conforme descreve Julia, da Coordenação da Produção do acampamento, os disparos foram “Um atentado contra a vida das famílias que estavam na portaria e também as famílias do acampamento todo, já que poderiam atingir qualquer pessoa ou até o barraco de alguém dormindo.” Isso reflete na sensação de insegurança e medo dos moradores: “Todos os dias pensamos: será que irão nos atacar novamente? O que será que irá acontecer?”
Ketley, do Setor de Saúde do acampamento, narra como os ataques refletem inclusive na saúde dos acampados. “Depois do atentado o atendimento ao psicólogo e ao psicanalista aumentou. As mães questionam se é confiável elas ficarem aqui no Acampamento com os filhos ou ir embora, porque não sentem mais a segurança que sentiam antes.” O Setor de Saúde tem se desdobrado para reforçar o atendimento às famílias afetadas junto a grupos de médicos e trabalhadores da saúde aliados da reforma agrária popular: “Os aliados, de clínico geral a psicológicos, psicanalistas, pediatras, ginecologistas e o atendimento à roda de conversa com mulheres estão conosco lutando e ajudando muito na saúde mental de cada um”.
Os casos dos impactos da violência contra o acampamento são os mais variados. Embora seja um espaço de moradia, estudo, convívio e produção de alimentos saudáveis, o acampamento é vítima do ódio infundado de grupos da direita, que gera consequências inclusive nas crianças e adolescentes que encontraram um lugar para viver junto de seus familiares no Marielle Vive. Josefa, uma das coordenadoras de núcleo de base, relata o caso de um adolescente de 15 anos que agora tem medo de ficar sozinho em seu barraco e medo do que possa acontecer com a sua mãe.
Lairton, também um dos coordenadores de núcleo de base, mostra a sua indignação com o descaso das autoridades contra a violência cometida contra as famílias que lutam por seus direitos: “Queremos respostas. A justiça de Valinhos não se importa conosco, a prefeita não quer nos ouvir nem nos proteger. Cadê nossos direitos?”
Os advogados que acompanham o caso do Marielle Vive reforçam o descaso encontrado quando das denúncias da violência. “A delegacia atendeu nossa ligação mas não enviou polícia ao local. Tivemos que reunir as pessoas que estavam na portaria no momento dos disparos e levar todos até a delegacia. Fizemos Boletim de Ocorrência e estamos exigindo investigação. É possível chegar ao suspeito, pois existem câmeras nos condomínios vizinhos que gravaram o carro utilizado no atentado.”
Diante de flagrante descaso, quando atiradores podem, sem qualquer consequência, atacar o povo que luta por seus direitos, é fundamental e extremamente necessária a mobilização popular e a pressão popular para exigir punição a esse tipo de ataque. Disparos contra o Marielle Vive, se passarem impunes, são disparos contra todo o povo que busca se organizar para melhorar suas condições de vida. Esse ataque não pode ser normalizado. O apoio da Comissão Arns é central para a solução do caso e para evitar que outros similares ocorrem.
Conforme Manoela Carneiro da Cunha, membro fundadora da Comissão Arns e professora titular aposentada de Antropologia na Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Chicago, a intenção da visita foi a de pensar os próximos passos para a elucidação do caso e evitar que outros como esse ocorram: “Viemos para ouvir, antes de mais nada, os relatos e tentar pensar o que podemos fazer na Comissão para ajudar contra essa grande quantidade de violência, repressão e invisibilidade sofrida pelo acampamento.”
Muitas manifestações de solidariedade foram recebidas pelo acampamento Marielle Vive perante todos os ataques recebidos. Atos, apresentações musicais, culturais, peças de teatro, mobilizações pela cidade. O Marielle Vive segue produzindo de maneira agroecológica, respeitando o solo, a água, os trabalhadores e quem se alimenta de seus alimentos.
*Editado por Fernanda Alcântara