Luta pela Terra
Entrevista: Stedile fala sobre significado para o MST da Exposição Terra, há 25 anos
Da Página do MST*
O dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile comenta em entrevista sobre a importância, o significado e o marco histórico para o MST da Exposição Terra, lançada em 17 de abril de 1997 em todos os estados do Brasil, há 25 anos.
A exposição contou com fotos do fotógrafo Sebastião Salgado sobre a luta pela terra. Na ocasião também foi lançado o livro Terra, com as fotos da exposição e apresentação do escritor português José Saramago, e um CD de músicas do compositor e cantor brasileiro Chico Buarque, que acompanha o livro.
A entrevista com Stedile teve fragmentos publicados pelo jornal Folha de São Paulo, no último dia 18 de abril.
Confira a entrevista:
O lançamento do livro Terra faz 25 anos, realizado um ano após o Massacre em Eldorado do Carajás (PA), qual era o contexto que o MST vivia naquela época?
O contexto geral era de que havia uma enorme crise econômica e social, muito desemprego, provocado pelas politicas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Um contingente muito grande de trabalhadores(as) rurais sem-terra, em todo território nacional. Muita disposição de luta pela terra para resolver o problema da sobrevivência buscando terra para trabalhar como perspectiva de vida. E por outro lado, havia muita repressão aos movimentos do campo, seja pelas políticas (PMs), a mando do latifúndio e de governos estaduais conservadores e/ou de pistoleiros, a mando de fazendeiros articulados na União Democrática Ruralista (UDR). Tudo isso levava a uma situação de conflitos sociais permanentes, em todo pais.
Na época do lançamento, Salgado disse que via o livro como “uma pequena contribuição na expansão do conhecimento do que é o MST”. Você acha que a obra conseguiu expandir essa ideia sobre o que é o MST? Qual o retorno do Movimento por parte da população em geral?
O livro, as fotos distribuídas na forma de cartazes, os eventos realizados em todo pais e em diversas capitais do mundo, contribuíram enormemente para difusão da luta do MST e também lhe deu uma certa proteção de apoio da opinião publica.
Em nível nacional a opinião pública brasileira e em especial a grande imprensa se deu conta de que o MST era um movimento justo e necessário para combater o atraso das forças produtivas no campo, gerar emprego e futuro para milhões de brasileiros olvidados (esquecidos).
No contexto internacional, eles permitiram que o MST passasse a ser conhecido em todo mundo. Seremos sempre gratos ao Sebastião Salgado, ao Chico Buarque e ao José Saramago pela solidariedade que até hoje nos emociona.
Você esteve presente nos eventos com Salgado, Saramago e Chico Buarque? Como foram esses debates?
Juntar esses três personagens da cultura mundial num evento foi histórico e único. Estive no lançamento internacional da exposição que fizemos num teatro da rua Augusta de São Paulo, e havia mais de 500 jornalistas de veículos de comunicação e de dezenas de países. Nunca mais esqueceremos.
Depois se reproduziram debates também fantásticos, que pela agenda dos três, as vezes eram apenas com o Sebastião, outras vezes com o Chico. E o Samarago que participou também uma vez na Cia de Letras no Brasil, em Portugal e na Espanha.
O Chico aproveitou uma temporada musical aonde ele cantava as duas músicas que fez para o MST e que acompanhavam num CD junto com o livro. E ele comentava no show a razão daquelas músicas. Foi muito legal.
O clima em todos os debates era de denúncia do latifúndio e da violência contra os Sem Terra. E de solidariedade à nossa luta. De animo. Por isso também serviram de escudo da sociedade frente aos truculentos fazendeiros da UDR e aos governos estaduais estúpidos.
Tive o privilegio de acompanhar o Sebastião, numa de nossas ocupações no Paraná, que foi a maior de toda nossa historia. E foi emocionante, ver como ele trabalhava, anônimo, discreto, com sua perspicácia de grande profissional que é. Nós do MST não tínhamos a mínima noção da grandiosidade e repercussão do seu trabalho, quando acompanhávamos nas coberturas.
Na mesma época, estava no ar a novela O Rei do Gado (Rede Globo), que mostrava a luta dos sem-terra. Ela também teve um impacto na forma como o país percebia o MST?
A novela tem lá seu estilo de dramaturgia, meio fantasioso, ainda que o Benedito Barbosa consultava professores e estudiosos amigos sobre o MST. Parece que na época a GLOBO proibiu ele de colocar a bandeira do MST em cena. Mas, claro que o fato do tema estar todas as noites na televisão, e tratado com certa coerência com a realidade agrária, ajudou a população a gostar dos sem-terra.
O que mudou de lá para cá na pauta da Reforma Agrária no país? Avançou, retrocedeu?
Nas ultimas décadas, houve no Brasil o enfrentamento de três modelos de agricultura: o latifúndio atrasado que acumula privatizando os bens da natureza, o agronegócio exportador de commodities e a agricultura familiar que produz alimentos pro mercado interno, na qual os assentados da Reforma Agrária fazem parte. Em cada período histórico, em função da conjuntura econômica ou da natureza dos governos, o latifúndio e/ou o agronegócio tiveram mais hegemonia.
Na época dos governos Lula e Dilma, eles combatiam o latifúndio e protegiam o agronegócio e a agricultura familiar e camponesa. Agora, o governo protege o latifúndio e seus crimes ambientais, e o agronegócio está dividido em relação ao governo. Já a agricultura familiar e a Reforma Agraria são combatidas pelo governo atual.
O resultado esta ai, voltou o desemprego, a fome, a inflação dos alimentos, a violência no campo, em especial na fronteira agrícola, aonde o latifúndio avança sobre as terras públicas, as terras indígenas e quilombolas.
Da nossa parte, mudamos também, estamos mais maduros, mais organizados e compreendemos que lutar pela Reforma Agraria não pode ser apenas lutar “pela terra para quem nela trabalha”, que é necessário. Mas, compreendemos que os verdadeiros objetivos agora de uma Reforma Agrária, mais que camponesa, deve ser popular, pois ela tem que atender todo povo e priorizar a produção de alimentos saudáveis para todo povo com a agroecologia. Defender a natureza, as florestas, a água, plantar árvores em todo lugar, implantar agroindústrias e cooperativadas. Além de democratizar o acesso à educação no campo, em todos os níveis e valorizar a culinária e a cultura do povo brasileiro que vive no interior.
Algumas das pessoas que aparecem no livro, até hoje não conseguiram suas terras. Isso teria a ver com a forma como a questão da terra e da Reforma Agrária vem sendo tratada no país?
Infelizmente muitas famílias estão acampadas há muitos anos, sobretudo porque desde a eclosão da crise capitalista em 2014, e depois com o golpe contra a ex-presidenta Dilma [Rousseff], o estado brasileiro e os governos existentes abandonaram a Reforma Agrária e as políticas públicas de apoio ao modelo da agricultura familiar e camponesa.
Assim, como 72 milhões de brasileiros (segundo o Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) foram jogados na sarjeta da vida social, e não tem mais emprego, renda estável, direitos sociais e previdenciários, ou seja, estão desalentados. Esperamos que se organizem e se somem às lutas, para que possamos mudar o país e construir um projeto de uma sociedade mais igualitária e de oportunidades para todos e todas.
Tem alguma foto do livro que o marcou mais, alguma que o você destacaria? Por quê?
Todas são bonitas e foram muito bem selecionadas e editadas entre as milhares que ele tirou, pela companheira Lélia Salgado, que teve um papel muito importante e nem sempre a imprensa a reconhece.
Sempre me emociono vendo as fotos do Massacre de Eldorado do Carajás, aonde perdemos 21 companheiros, e que o Sebastiao conseguiu cobrir. As fotos são o registro da história que nunca mais poderemos esquecer. E felizmente, por conta disso os movimentos camponeses de todo mundo, reunidos na Via campesina internacional declararam o dia 17 de abril, Dia Mundial da Luta Camponesa, somando-se assim ao que já existia dos operários (1 de maio) e das mulheres trabalhadoras (8 de março).
*Com informações publicadas pelo jornal Folha de São Paulo, no último dia 18 de abril.
**Editado por Solange Engelmann