Análise

“Quando eu tiver a terra”: 200 anos em busca da Reforma Agrária

30 anos após a fundação da Via Campesina internacional, o líder e economista João Pedro Stedile revisa algumas das principais experiências de Reforma Agrária na região e no mundo
Foto: divulgação ALAI

Por João Pedro Stedile*
Da ALAI**

Em 17 de abril de 1996, 21 camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST) foram assassinados no município de Eldorado do Carajás, no sul do estado do Pará. O incidente ocorreu durante uma manifestação pacífica organizada para exigir a desapropriação de terras ociosas de proprietários locais. Até hoje, a luta camponesa secular pela reforma agrária continua sendo perseguida e criminalizada, em uma das regiões com os maiores índices de concentração fundiária do mundo.

Vinte e seis anos depois daquele triste dia, e por ocasião do 30º aniversário da fundação da Via Campesina internacional, compartilhamos um texto de João Pedro Stedile – líder histórico do MST, economista e especialista no assunto – que sistematiza algumas das principais experiências históricas de reforma agrária; do anticolonial ao radical, do popular ao moderado, dos ligados aos processos de libertação nacional, aos de cunho mais claramente socialista. O artigo em questão faz parte do livro “Experiências históricas de reforma agrária no mundo”, primeiro volume de um programa de pesquisa inédito no gênero, publicado em português pela Expressão Popular e em espanhol pela Batalha de Ideias.

João Pedro Stedile. Foto: Rafael Stedile, Acervo MST

A Reforma Agrária pode ser caracterizada como um programa de governo que busca democratizar a propriedade da terra na sociedade para garantir seu acesso, distribuindo-a para quem deseja produzi-la ou utilizá-la.

Para atingir esse objetivo, o principal instrumento jurídico utilizado em praticamente todas as experiências existentes é a desapropriação, pelo Estado, de latifúndios, latifúndios e sua redistribuição entre camponeses sem terra, pequenos agricultores com pouca terra e assalariados rurais em geral.

Existem, no entanto, várias formas de obtenção da terra pelo Estado para eliminar a grande concentração. Dentre estes, o primeiro —e mais utilizado— é o instrumento de desapropriação. Estabelecidos os critérios de classificação do latifúndio e/ou das grandes propriedades que devem ser distribuídas, o governo emite um decreto desapropriando, ou seja, transferindo a propriedade privada daquela área do fazendeiro/proprietário capitalista para o Estado. Para que essa transferência de propriedade ocorra, o governo indeniza o ex-proprietário por meio de critérios de valor definidos pelas leis de cada país.

Esses valores podem ser simbólicos ou podem ser os mesmos preços praticados no mercado. Uma vez transferida a propriedade da terra para o Estado, este organiza um projeto de distribuição daquela terra para as famílias de agricultores sem-terra da região que a reivindicam.

O segundo instrumento é a expropriação ou confisco. É quando a propriedade dos grandes latifundiários é transferida para o Estado sem qualquer compensação ou pagamento de valores. Esta situação depende da legislação existente em cada país e é uma punição por irregularidades praticadas pelo proprietário.

Há casos intermediários em que o governo não paga pela terra, mas compensa o proprietário pelos bens contidos na propriedade, como casas, galpões e cercas. No Brasil, há casos desse tipo quando fazendeiros entram em terras públicas, sem ter direitos legais sobre elas; o governo então os remove das terras públicas, mas os compensa com os ativos existentes.

No caso brasileiro, a desapropriação ocorre por meio de decreto que transfere compulsoriamente a propriedade da terra ao Estado, mediante indenização. Existe ainda a modalidade de compra negociada com o proprietário (Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992), em que os valores indenizatórios são negociados sem a necessidade de decreto de desapropriação. A possibilidade de apreensão, que não prevê pagamentos, ocorre no Brasil no caso de fazendas utilizadas para contrabando, atividades ligadas ao tráfico de drogas ou ao cultivo de substâncias psicoativas como a maconha, por exemplo.

Há dez anos, a Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001, já aprovada no Senado, aguarda votação na Câmara dos Deputados, que imporia a desapropriação ou confisco de todas as terras em que regimes de trabalho análogo ao escravo são encontrados. A bancada parlamentar ligada ao latifúndio impediu a votação deste projeto.

Após a obtenção da terra do latifúndio, o Estado, em nome da sociedade, realiza a distribuição da terra. Nas experiências históricas, como veremos ao longo dos textos, houve múltiplas formas de organização dessas unidades produtivas. Na maioria dos casos, a distribuição às famílias camponesas em unidades familiares foi mantida, em outros essa forma foi atrelada à localização de moradias em agrovilas, aldeias, comunidades, com pequena parcela de terra para pomar e criação de animais domésticos. Existem organizações de associações coletivas, cooperativas de produção ou cooperativas para comercialização da produção e organização individual do trabalho, empresas sociais, empresas estatais, etc. Essas diferentes formas poderiam se complementar no mesmo processo de reforma agrária em um país ou algumas eram predominantes, dependendo do país. As formas de produção da terra e a organização da produção não dependem de leis, mas sim da correlação de forças das classes da sociedade, do desenvolvimento das forças produtivas no campo e também da vocação agrícola-territorial de cada região.

Da mesma forma, o status legal das terras pós-reforma agrária varia de país para país. Há casos de distribuição a camponeses e de transformação em proprietários privados da terra, que depois de um certo tempo histórico podiam até comprar e vender lotes de terra. Há casos de concessão de uso pelo Estado, com direito à herança, mas sem direito de compra e venda. Há casos de propriedade coletiva de famílias. E casos em que a terra permanece propriedade de toda a Nação e o Estado mal administra a concessão de uso para cooperativas, famílias, etc.

Tipos de Reforma Agrária

O termo “reforma agrária” foi adotado durante o século XX como uma síntese de programas ou propostas para a democratização do acesso à terra em cada país. No passado, mesmo em modos de produção anteriores (como na Ásia ou mesmo na fase mercantil do capitalismo) houve experiências históricas de democratização do acesso à terra em várias sociedades, mas sem usar o termo “reforma agrária”. Essas experiências estavam mais ligadas à noção de direito ao trabalho na terra. Há referências nos textos bíblicos sobre as leis vigentes naquelas cidades quanto à redistribuição periódica de terras e também há referências na literatura de processos semelhantes aplicados na civilização persa.

Ao longo dos séculos XIX e XX, na chamada história moderna, mas principalmente a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, muitos países e governos implementaram programas de reforma agrária. Esses programas, surgidos no século XIX, tinham a intenção de garantir o direito à terra e construir sociedades mais democráticas, procedendo a uma distribuição mais justa de um bem da natureza que, a rigor, deveria ser para toda a população que vive naquele território.

As características e a natureza dos processos de distribuição e desapropriação de terras variam muito de um país para outro, dependendo das circunstâncias históricas de cada país e das condições geográficas e climáticas. Portanto, com base nas diversas experiências de reforma agrária que ocorreram em todo o mundo, podemos uni-las e classificá-las em diferentes tipos de reforma agrária: a) clássica; b) anticolonial; c) radical; d) populares; e) parcial ou moderada; f) libertação nacional; g) socialista. Além desses, o debate também inclui políticas de assentamento rural e projetos de colonização.

Reforma Agrária Clássica

Assim são considerados os programas governamentais de expropriação e distribuição massiva de terras ocorridos durante o processo de industrialização considerado “clássico”. Esse tipo de reforma agrária foi a primeira realizada pelo Estado burguês. Sua principal característica é que essas reformas foram feitas com a legislação aplicada pelos governos da burguesia industrial. O principal objetivo destes governos era aplicar o direito republicano e democrático para garantir a todos os cidadãos o acesso à terra e também desenvolver o mercado interno da indústria, com a distribuição da terra e da renda aos camponeses até então desprovidos de bens.

Em geral, todas as experiências da reforma agrária clássica foram massivas e extensas. Em outras palavras, eles estabeleceram um limite máximo de tamanho para a propriedade rural e desapropriaram todas as terras acima desse limite. Por outro lado, procuravam distribuir e atender as famílias camponesas que queriam trabalhar na terra. Esse tipo de reforma agrária também se caracteriza por sua rápida implementação em um determinado período de tempo, geralmente de três a cinco anos. Do ponto de vista político, sua aplicação representou uma aliança entre a burguesia industrial e comercial e os camponeses contra os interesses da oligarquia rural, que concentrava a propriedade da terra.

As reformas agrárias clássicas começaram nos países industrializados da Europa Ocidental em meados do século XIX e duraram até depois da Segunda Guerra Mundial. A Lei de Terras do governo de Abraham Lincoln, promulgada em plena Guerra Civil em 1862, também pode ser considerada uma reforma agrária clássica. Esta lei garante a todos os cidadãos que vivem nos Estados Unidos o direito de acesso a 100 acres de terra (o equivalente a cerca de 80 hectares). Nem mais nem menos. E isso foi aplicado pelos próprios cidadãos. O objetivo era quebrar o poder econômico das propriedades escravistas do sul e buscar uma distribuição equitativa das terras na fronteira agrícola ocidental, expropriadas dos povos indígenas por meio de sua eliminação ou confinamento em reservas. Apesar de sua origem, essa lei beneficiou mais de 6 milhões de famílias agricultoras de 1862 a 1910. Ela distribuiu mais de 300 milhões de hectares de terra.

Livro Reforma Agrária

Entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, cerca de vinte países do Leste Europeu aplicaram leis de reforma agrária por meio de governos burgueses locais que distribuíram terras aos camponeses. Nesse caso, suspeita-se que a principal motivação não tenha sido o desenvolvimento do mercado interno, por se tratar de países com baixa industrialização, mas o medo de que a Revolução Russa de 1917 se espalhasse para os países vizinhos.

Foto: divulgação do livro “Experiências históricas da Reforma Agrária no Mundo”, da editora Expressão Popular

Após a Segunda Guerra Mundial, as forças militares intervencionistas dos EUA promoveram leis de reforma agrária em alguns países asiáticos que invadiram e controlaram durante a guerra. E assim, sob manu militari, amplas reformas agrárias foram realizadas no Japão, nas Filipinas e na província de Taiwan da China, que, sendo uma ilha, foi protegida pelos militares dos EUA da revolução popular maoísta. Após 1956, a reforma agrária também foi realizada na Coreia do Sul.

Reforma Agrária Anticolonial

Durante os processos de independência política das colônias latino-americanas também ocorreram algumas experiências de reforma agrária. Eles foram promovidos no contexto de uma nova ordem política com vocação nacionalista que tentava expropriar as terras dos latifundiários subordinados das metrópoles, distribuindo-as entre os camponeses sem-terra locais. A maior de todas as experiências desse tipo foi o Haiti, que começou em 1804. Foi muito importante para a população haitiana, pois combinou a libertação da escravidão do jugo político francês com o estabelecimento da república e a distribuição massiva de terras para a aldeia aos camponeses e ex-escravos.

No Paraguai, durante o governo republicano de José Gaspar Rodríguez de Francia, houve também uma tentativa de Reforma Agrária, com a distribuição de terras a camponeses de origem Guarani, mas de forma limitada.

No Uruguai, durante o governo de José Artigas, a partir de 1815 houve também uma tentativa, ainda mais limitada, de distribuir terras a camponeses crioulos em terras de fazendeiros espanhóis.

Reformas Agrárias Radicais

Caracteriza-se pela tentativa de erradicar os latifúndios e distribuir a terra pelos próprios camponeses. Esses processos excluíram a necessidade de o Estado burguês criar leis de reforma agrária, que ocorrem em meio a revoltas populares mais amplas.

O primeiro exemplo histórico de reforma agrária radical é o da Revolução Mexicana, que ocorreu de 1910 a 1920, quando os camponeses, liderados por “Pancho” Villa no norte e Emiliano Zapata no sul, se armaram e sob o lema ” Terra para quem a trabalha» distribuíram a terra entre si, expulsando ou fuzilando os latifundiários. Mesmo com a Revolução Mexicana derrotada e seus líderes assassinados, a burguesia nacional que finalmente assumiu o poder teve que respeitar a distribuição da terra que havia sido feita sem lei e sem governo estadual.

A segunda experiência é a Revolução Popular na Bolívia, entre 1952 e 1954, ao repetir o caso mexicano, os camponeses se levantaram em armas e marcharam sobre a capital, La Paz, impuseram um governo revolucionário e ao longo desse processo expropriaram todas as grandes propriedades e os distribuíram entre si, sem lei e sem poder estatal. Neste caso, a história se repetiu. A revolução foi derrotada, os camponeses voltaram para suas comunidades, mas o novo poder respeitou a distribuição de terras feita durante o processo.

Reforma Agrária Popular

Consiste na distribuição massiva de terras aos camponeses no contexto dos processos de mudança de poder em que se formou uma aliança entre os governos popular, nacionalista e camponês. Esses processos resultaram em leis de reforma agrária progressista e popular, aplicadas combinando a ação estatal com a colaboração dos movimentos camponeses.

Onde ocorreu esse tipo de reforma agrária, não necessariamente afetou o sistema capitalista e sua extensão esteve relacionada aos processos de mudança social, econômica e política de cada país. Algumas dessas reformas tiveram resultados que perduram até hoje, outras foram derrotadas e os proprietários desapropriados recuperaram suas terras.

Há muitos exemplos desse tipo de reforma agrária. Aqui citamos apenas os casos mais notórios ou mais influentes em outros países e governos. A experiência mais importante de reforma agrária popular foi a que ocorreu durante o processo da Revolução Chinesa de 1930 a 1950. À medida que o Exército Vermelho e o Partido Comunista liberavam territórios, também eram aplicados processos de distribuição de terras, que uniam o poder  revolucionário ao governo popular com os camponeses, que também estavam envolvidos no Exército Vermelho. O objetivo principal era garantir a terra para todos os camponeses que viviam nas aldeias rurais, base da organização social no interior da China, e através dela eliminar as rendas pagas aos proprietários e criar condições para a produção de alimentos para todos.

Nos anos 1950 houve experiências de reforma agrária popular às margens do Nilo, durante o governo Nasser no Egito; e no norte do Vietnã, nas áreas libertadas dos franceses. Houve também uma tentativa de reforma agrária na Guatemala no curto prazo do governo de Jacobo Arbenz (1951-1954).

Então, na década de 1960, tivemos as experiências mais conhecidas de Cuba, que ao longo de sua história realizou três Reformas Agrárias de natureza e alcance diferentes, mas a primeira, logo após a Revolução de 1959, foi essencialmente de cunho popular. A outra experiência mais recente foi a da Revolução Sandinista na Nicarágua entre 1979 e 1989, que também desenvolveu um processo de reforma agrária popular.

Reforma Agrária Parcial ou Moderada

Imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial, com a efervescência da luta de classes e  o ressurgimento dos movimentos revolucionários em vários países da América Latina, África e Ásia, os governos locais de natureza burguesa e aliados imperialistas se viram obrigados a implementar políticas de reforma agrária. No entanto, estes geralmente não eram de natureza massiva e ampla, pois esses governos também eram compostos por oligarquias rurais.

A administração Kennedy nos Estados Unidos, durante a década de 1960, chegou a pressionar seus aliados conservadores a implementar políticas de reforma agrária como forma de conter o impulso de mudança no continente. Seu governo propôs a necessidade de uma reforma agrária clássica em uma famosa conferência realizada em Punta del Este, Uruguai, em 1961, pois achava que, sendo a maioria da população rural, uma reforma agrária poderia produzir reformas que evitariam mudanças mais radicais , como havia acontecido recentemente em Cuba.

Nessa conferência, foi criado o Instituto Interamericano de Ciências Agrárias (IICA), com sede na Costa Rica, para apoiar esses processos. Assim, houve algumas tentativas de reforma agrária em alguns países, mas parciais, sem atingir a maioria dos proprietários, e poucas famílias camponesas beneficiadas.

Vários casos de Reforma Agrária ocorridos na América Latina no período 1964-1970 podem ser incluídos nessas experiências, como no Chile durante o governo de Eduardo Frei (1964-1970), no Peru durante o governo militar de Velasco Alvarado (1968 – 1975) e no Equador (1963-1966) e em Honduras (1963-1980), governados pela junta militar. A reforma agrária mexicana realizada durante o governo do general Lázaro Cárdenas (1934-1940) teve um certo alcance; era dirigido pelo governo progressista, mas era incapaz de atender a todas as famílias camponesas sem terra.

Reforma Agrária de Libertação Nacional

Experiências que ocorreram basicamente em países africanos, desde a década de 1960, durante o processo de luta pela independência e descolonização. No contexto dessas vitórias, a maioria dos governos apreendeu terras usadas “de propriedade” de colonos europeus, geralmente fazendeiros capitalistas brancos. Essas terras foram distribuídas de várias maneiras para as comunidades e líderes tribais. Em alguns casos, seguiram-se critérios mais democráticos, buscando satisfazer todos os camponeses que desejavam a terra.

Os casos mais significativos foram os processos de libertação Os casos mais significativos foram os processos de libertação nacional e distribuição de terras na Tanzânia, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Congo, Líbia e Argélia. No entanto, também houve processos de libertação nacional onde, após a independência, os novos governantes fizeram acordos com fazendeiros capitalistas brancos e não distribuíram terras aos camponeses, como aconteceu no Quênia, Zimbábue e África do Sul.

Reforma Agrária Socialista

Realizado em diversos países no contexto de processos revolucionários que buscavam também a superação do capitalismo e a construção de um modo de produção socialista.

As reformas agrárias socialistas baseiam-se no princípio de que a terra pertence a toda a nação. Portanto, não pode haver propriedade privada da terra, nem compra ou venda de terra. E o Estado organiza as diversas formas de uso da terra e propriedade social. As formas sociais de uso e propriedade mais adotadas foram as associações de base em pequenos grupos familiares, empresas sociais autogeridas, cooperativas de produção e empresas estatais. Cada país, de acordo com suas condições objetivas e subjetivas, teve a predominância de uma ou outra forma de propriedade social.

Nos processos de reforma agrária socialista, a produção era planejada pelo Estado de acordo com as necessidades de toda a sociedade e induzida a ser aplicada pelas diferentes formas de produção e organização da terra.

Os casos mais conhecidos desse tipo de reforma agrária foram as experiências na Rússia, especialmente sob o governo de Josef Stalin (1924-1953), mas também houve experiências na Iugoslávia, Coréia do Norte, Alemanha Oriental, Ucrânia e outros países do -chamado «bloco soviético».

A China tentou a reforma agrária socialista durante o período da Revolução Cultural da década de 1960, mas não teve sucesso; depois, na década de 1980, o país voltou às origens com a reforma agrária popular. Cuba também tentou avançar para uma reforma agrária socialista desde 1975, estimulando novas forças coletivas de produção e aumentando o peso das empresas estatais no campo, especialmente na produção de cana-de-açúcar; porém, após a crise de 1989, voltou aos processos anteriores de reforma agrária popular.

Política de Assentamento Rural

São aqueles programas governamentais que buscam distribuir terras para famílias camponesas, utilizando a desapropriação ou compra de terras de agricultores. No entanto, eles são limitados em escopo e não afetam a estrutura da propriedade da terra. São políticas parciais que atendem aos camponeses, mas não são massivas, por isso trabalham mais para resolver problemas sociais localizados ou para atender demandas de populações mobilizadas que pressionam politicamente o governo.

O governo dos Estados Unidos, em particular, tem incentivado essa política em muitos países por meio de ações e recursos do Banco Mundial, que ajudam a financiar a compra de terras por agricultores. Os programas do Banco Mundial ficaram conhecidos como crédito fundiário, Banco de Terras etc., e têm sido aplicados em países com maior tensão nas disputas de terras, como Brasil, Filipinas, África do Sul, Guatemala, Colômbia e Indonésia.

Projetos de Colonização

Em vários países escassamente povoados e onde existem grandes áreas disponíveis que ainda são de domínio público ou propriedade do Estado, foram estabelecidos programas para distribuir essas terras para uso dos agricultores. As terras são públicas, ainda não há propriedade privada, estão desabitadas ou muitas vezes são apropriadas por governos de populações nativas, povos indígenas que ali vivem desde tempos imemoriais. Foi o que aconteceu, por exemplo, na distribuição de terras no oeste dos Estados Unidos entre 1862 e 1910, e o que acontece no Brasil até hoje, com a distribuição de terras públicas na Amazônia Legal, em projetos de colonização.

Muitos governos estabeleceram programas para distribuir essas áreas de terra ainda improdutivas aos agricultores, transformando-os em proprietários privados e colonos de regiões agrícolas de fronteira. A distribuição dessas terras constitui projetos de colonização, que não afetam o latifúndio e a estrutura fundiária. Os programas de reforma agrária implicam na democratização do acesso à terra e na eliminação do latifúndio.

*Economista brasileiro, membro fundador da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Via Campesina e da Frente Brasil Popular. Ele é um dos mais conhecidos defensores e lutadores por uma reforma agrária para o Brasil. É autor e coautor de vários livros sobre a questão agrária.

** Texto publicado originalmente na Agencia Latinoamericana de Información (ALAI), baseado no livro “Experiências históricas da Reforma Agrária no Mundo”, editado en português pela editora Expressão Popular e em espanhol por Batalla de Ideas