Reforma Agrária Popular

Para Stedile, programa de titulação de Bolsonaro subverte o sentido público da Reforma Agrária

Em entrevista, o dirigente nacional do MST explica que o Movimento defende a titulação de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), que protege os direitos das famílias assentadas e aponta para o reascenso das lutas no campo
“Os problemas sociais vão se avolumando e haverá um reascenso da luta no campo em defesa da Reforma Agrária Popular”, defende Stédile. Créditos: Comunicação MST Pontal do Paranapanema (SP)

Da Página do MST

Diante do desmonte das políticas públicas para a agricultura familiar e camponesa e dos órgãos públicos voltados à Reforma Agrária por parte do governo Bolsonaro no Brasil, em entrevista o dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile comenta sobre o programa “Titula Brasil”, criado pelo ex-capitão, que tem como foco a privatização das terras dos assentamentos de Reforma Agrária para colocar esses territórios à disposição do capital.

Stedile aponta que o MST não é contra a titulação, mas defende a titulação via Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), “que protege os direitos das famílias assentadas como beneficiárias de um conjunto de políticas públicas que são dever do Estado.”

Ele também avalia que com o aumento da pobreza e do desemprego no país haverá um avanço na luta de massa no campo pela Reforma Agrária. “As ocupações voltarão com força, especialmente com a situação de pobreza, desemprego, subemprego e a informalidade do nosso povo. Os problemas sociais vão se avolumando e haverá um reascenso da luta no campo em defesa da Reforma Agrária Popular, que é a nossa proposta para desenvolver o campo, gerar empregos, garantir educação e produzir alimentos saudáveis.”

.A entrevista foi realizada por Simone Iglesias, da Agência Bloomberg News – Latin America.

Confira:

Como você avalia a política do governo Bolsonaro de titulação de terras, com foco nos assentados?

O governo Bolsonaro representa o maior retrocesso para a política fundiária e para a Reforma Agrária no Brasil desde o fim da ditadura militar. O latifúndio improdutivo, setor mais atrasado da agricultura brasileira, retomou o poder que vinham perdendo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). A política de titulação não passa de uma cortina de fumaça para os bolsonaristas entrarem nos assentamentos e fazerem propaganda do governo do latifúndio atrasado.

A titulação não é uma política agrária ou fundiária, mas a formalização de um direito que as famílias assentadas já conquistaram com a luta e a entrada no programa de Reforma Agrária. 

João Pedro Stedile. Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Por que houve uma redução das ocupações de terras pelo MST especialmente de 2019 para cá?

No governo Lula, cresceu a mobilização com a expectativa de avançar na Reforma Agrária, o que garantiu conquistas. Ao mesmo tempo, o modelo do agronegócio se expandiu de forma acelerada, avançou sobre as terras e os recursos do Estado. Nos últimos dez anos, houve um refluxo na política de assentamentos das famílias sem-terra no país.

Com o golpe de 2016 e a eleição do Bolsonaro, o clima político é desfavorável para a luta dos trabalhadores rurais. Seu governo é a expressão dos setores mais atrasados da sociedade, como o latifúndio improdutivo, as milícias armadas do campo e os setores mais violentos das polícias. E as famílias de trabalhadores rurais pobres sabem que, diante desse governo fascista, a margem de conquistas a partir das ocupações de terra é menor. Acabou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está sob o comando de um integrante da União Democrática Ruralista (UDR).

Diante disso, houve um debate no MST sobre a necessidade de preservar as famílias acampadas, avançar na produção nos assentamentos já conquistados e ampliar o debate na sociedade sobre a necessidade da Reforma Agrária para a produção de alimentos de qualidade, sem agrotóxicos. Hoje, são mais de 90 mil famílias acampadas, resistindo para conquistar terra, casa e trabalho. Mas, as ocupações voltarão com força, especialmente com a situação de pobreza, desemprego, subemprego e a informalidade do nosso povo. Os problemas sociais vão se avolumando e haverá um reascenso da luta no campo em defesa da Reforma Agrária Popular, que é a nossa proposta para desenvolver o campo, gerar empregos, garantir educação e produzir alimentos saudáveis.

Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária de 2022 contou com marcha, ocupações e ações de solidariedade pelo país. Foto: Rariele Rodrigues/MST na BA

O MST considera essa política de titulação uma Reforma Agrária?
Uma política de Reforma Agrária requer o combate ao latifúndio, a desconcentração da propriedade rural e o assentamento das famílias de trabalhadores rurais. A partir do governo de Michel Temer, houve um desmonte dos instrumentos de obtenção de terras, a desregulamentação da legislação da Reforma Agrária, o esvaziamento das políticas de produção e comercialização para a agricultura camponesa familiar e a paralisia da política de assentamentos.

Em contrapartida, foi lançado esse programa de concessão de títulos, com a transferência da atribuição de regularização fundiária do governo federal para as prefeituras. Assim, o governo quer lavar as mãos e abandonar os assentados à própria sorte.

Entrega títulos CDRU no assentamento Jaelson dos Santos, no Piauí. Foto: MST no PI

A pretensa titulação do lote subverte o sentido público da Reforma Agrária. A titulação que defendemos é via Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), que protege os direitos das famílias assentadas como beneficiárias de um conjunto de políticas públicas que são dever do Estado.

*Editado por Solange Engelmann