Mulheres Lutadoras
Louise Michel e as mulheres da Comuna de Paris
Por Capire
Louise Michel foi uma mulher rebelde e internacionalista, feminista e anarquista conhecida por sua participação na Comuna de Paris. Nascida em 29 de maio de 1830, viveu uma vida dedicada à revolução: foi professora, escritora, poeta e, sobretudo, militante libertária.
“Sí, bárbara como fui, amaba el cañon, el olor de la pólvora y la metralla en el aire, pero por encima de todo, estaba enamorada de la revolución” escreveu em suas Memórias [Mémoires], publicadas em 1886.
Entre 18 de março e 28 de maio de 1871, a Comuna de Paris demonstrou as possibilidades revolucionárias da classe trabalhadora. Neste curto período de tempo, mais do que tomar o poder e gerir um Estado estabelecido, os decretos da Comuna de Paris transformaram o aparato estatal. Por exemplo, separaram o Estado e a Igreja e, no processo de afirmação da orientação socialista da Comuna, decretaram a possibilidade de formação de cooperativas para auto-organizar o trabalho e a produção de fábricas abandonadas.
Durante a Comuna, Louise Michel contribuiu para a organização da educação infantil, para a mobilização e organização das mulheres e para a incorporação das mulheres em situação de prostituição como trabalhadoras de hospitais de campanha. As mulheres organizadas em associações locais criaram cooperativas de trabalho e atuaram em todas as frentes da Comuna. Louise Michel integrou Comitês de Vigilância, debateu ombro a ombro com os homens as estratégias e rumos da Comuna.
Louise Michel foi presa muitas vezes. Em todas elas, assumiu a responsabilidade e autonomia sobre seus atos e desafiou os homens que a julgavam. Após a Comuna de Paris, foi deportada para a Nova Caledônia, território colonizado pela França e, lá, se somou à resistência dos Kanakas contra a expropriação de suas terras pela colonização. “Os Kanakas buscam a mesma liberdade pela qual lutávamos na Comuna”. Foi nesse período que também conheceu e se somou a luta anticolonial do povo argelino. No retorno à França e até o fim de sua vida (1905), militou na construção internacionalista da revolução. “Sentíamos viver mais plenamente, com a sensação de estar em seu próprio elemento, em meio à intensa luta por liberdade”.
Conhecer a história da Comuna de Paris pelas ações e registros da comuneira Louise Michel é reconhecer a participação ativa de milhares de mulheres organizadas que “barraram os canhões com seus corpos”. Com esse sentido político, traduzimos abaixo extratos de seu livro “A comuna” [La Commune], publicado pela primeira vez em 1898, em francês.
As mulheres de 1870¹
Entre os lutadores mais implacáveis que combateram durante a invasão e defenderam a República como o alvorecer da liberdade, as mulheres são numerosas.
Quiseram fazer das mulheres uma figura casta, e sob a força que as esmaga através dos acontecimentos, a seleção foi feita; não fomos consultadas para isso e não temos que consultar ninguém. O novo mundo nos unirá à humanidade livre em que cada ser terá seu lugar.
[…]
Todas as sociedades de mulheres, pensando apenas no momento terrível em que estávamos, se uniram à sociedade em socorro às vítimas da guerra. Foram heroicas as burguesas cujos maridos, membros da Defesa Nacional, pouco fizeram pela luta.
Digo isso sem qualquer sentimento de sectarismo, já que eu estava mais frequentemente no comitê de vigilância do que no comitê de socorro às vítimas da guerra, mas o espírito era generoso e amplo; os socorros foram prestados, até mesmo pulverizados, a fim de aliviar um pouco toda a angústia, e também para encorajar as pessoas a não se renderem.
Se alguém falasse de rendição diante do comitê de socorro, essa pessoa seria expulsa, e de forma tão enérgica como nos clubes de Belleville ou Montmartre. Éramos mulheres de Paris assim como somos nos subúrbios, assim como me lembro ser na Sociedade de Instrução Elementar[2] onde, à direita da escrivaninha, em um pequeno armário, eu tinha meu espaço na caixa do esqueleto; no grupo de socorro, meu lugar era em um banquinho aos pés da senhora Goodchaux, que parecia, sob seus cabelos brancos, uma antiga marquise que, às vezes, sorrindo, jogava uma pequena gota de água fria sobre meus sonhos.
Por que eu era uma mulher privilegiada? Não sei dizer. É certo que, talvez, as mulheres gostem das revoltas. Nós não valemos mais do que os homens, mas o poder ainda não nos corrompeu.
E o fato é que elas gostavam de mim e eu delas. Quando, depois de 31 de outubro, fui feita prisioneira pelo senhor Cresson, não por participar de uma manifestação, mas por dizer “Eu só estava lá para partilhar dos perigos das mulheres, não reconhecendo o governo!”, senhora Meurice, em nome da sociedade pelas vítimas da guerra, veio reivindicar minha liberdade, assim como Ferré, Avronsart e Christ vieram em nome dos clubes.
Quantas coisas as mulheres tentaram em 1871[3]! Todas, e por toda parte! Havíamos inicialmente instalado hospitais de campanha nos fortes. Como tínhamos, contra o costume, encontrado a Defesa Nacional disposta a nos acolher, já começávamos a acreditar que os governantes estavam bem-dispostos para o combate, quando eles também enviaram para os fortes uma multidão de jovens absolutamente inúteis, ignorantes e de mente pequena, que gritavam seus medos enquanto os corajosos procuravam sobreviver. Todas nós nos apressamos a pedir demissão, procurando encontrar trabalhos mais úteis. Encontrei, no ano passado, uma dessas corajosas socorristas, a senhora Gaspard.
Os hospitais de campanha, os comitês de vigilância, as oficinas das prefeituras, onde, especialmente em Montmartre, as senhoras Poirier, Escoffons, Blin, Jarry encontravam uma maneira para que todas tivessem um salário igual.
A marmita revolucionária com a qual, durante todo o cerco, a senhora Lemel, da câmara sindical de encadernações, impediu, não sei como, que tantas pessoas morressem de fome, foi uma verdadeira façanha de devoção e inteligência.
As mulheres não se perguntavam se algo era possível, mas, sim, se era útil, e assim conseguíamos realizar o que fosse.
Um dia, concluiu-se que Montmartre não tinha hospitais de campanha suficientes. Então, com uma amiga da Sociedade de Instrução Elementar, muito jovem na época, decidimos criar uma. Era Jeanne A., que mais tarde se tornou senhora B. Não tínhamos um tostão, mas tínhamos uma ideia para conseguir os fundos.
Levamos conosco um membro da guarda nacional, alto, com a fisionomia de uma gravura de 93, marchando em frente com a baioneta em seu fuzil. Nós três, com grandes cinturões vermelhos, segurando nas mãos bolsas feitas para a ocasião, partimos para as casas de pessoas ricas com a figura sombria. — Começamos pelas igrejas, o guarda caminhando pelo corredor e batendo com seu fuzil nas pilastras; nós, cada uma ocupando um lado da nave, pedimos ajuda, começando pelos sacerdotes do altar.
Depois passamos aos devotos que, pálidos de medo, despejaram suas moedas em nossas bolsas — alguns doavam de bom grado, todos os padres contribuíram; então foi a vez de alguns financiadores judeus ou cristãos, depois a boa gente; um farmacêutico da Butte ofereceu o material. O hospital de campanha foi fundado. Riram muito na câmara municipal de Montmartre dessa expedição que ninguém teria encorajado se tivéssemos contado do plano antes de sermos bem-sucedidas.
O dia em que as senhoras Poirier, Blin, Excoffons vieram me encontrar em minha sala de aula para dar início ao Comitê de Vigilância das Mulheres ficou gravado em minha memória.
Era noite, depois da aula, elas estavam sentadas perto da parede, Excoffons com seus cabelos loiros desgrenhados; a senhora Blin, já velha, vestindo uma capelina de tricô; senhora Poirier com um capuz vermelho. Sem cumprimentos, sem hesitação elas simplesmente me disseram: “Você precisa vir conosco”, e eu respondi: “Estou indo”.
[…] As pessoas falam com frequência de ciúmes entre professoras, mas eu não enfrentei isso; antes da guerra, eu trocava aulas com minha vizinha mais próxima, a senhorita Potin, que dava aulas de desenho em minha casa, e eu dava aulas de música na dela. Às vezes levávamos um ou outro de nossos alunos mais velhos para as aulas na rua Hautefeuille. Durante o cerco ela deu aula em meu lugar, enquanto eu estava na prisão.
O exército da Comuna – As mulheres de 1871
[…]
Como formas oníricas, assim passam os batalhões da Comuna, orgulhosos com seu livre ar de revolta, os vingadores de Flourens; os zuavos da Comuna, os batedores federados semelhantes aos guerrilheiros espanhóis, prontos para ousadas empreitadas. As crianças perdidas, que com enorme vivacidade saltavam de trincheira em trincheira e seguiam adiante. Os turcos da Comuna, os lascares de Montmartre com Gensoule e outros.
Todas aquelas pessoas corajosas e ternas, que Versalhes chamava de bandidos, tiveram suas cinzas lançadas aos quatro ventos, seus ossos foram corroídos por cal viva. Elas são a Comuna, elas são o espectro de maio!
Os exércitos da Comuna também tinham mulheres cantineiras, socorristas, soldados, que estavam junto dos outros. Apenas algumas delas ficaram conhecidas: Lachaise, a cantineira do 66º, Victorine Rouchy dos turcos da Comuna, a cantineira das crianças perdidas, as socorristas da Comuna: Mariani, Danguet, Fernandez, Malvina Poulain, Cartier. As mulheres do comitê de vigilância: Poirier, Excoffons, Blin.
As da Cordoaria e das escolas: Lemel, Dmitrieff, Leloup. As que organizavam a instrução enquanto aguardavam a luta de Paris, onde foram heroicas: senhoras André e Léo, Jaclar, Périer, Reclus, Sapia. Todas podem ser contadas como parte do exército da Comuna e também são, elas mesmas, legiões.
Notas:
[1] No original, ‘Les femmes de 70’. Optamos nesta edição por datar também o século, não apenas a década, para facilitar a compreensão da leitora no século 21.
[2] Maior e mais antiga associação laica de ensino primário, criada no dia 17 de junho de 1815, ou seja, na véspera da Batalha de Waterloo.
[3] Ano conforme indicado no original, apesar de estar no trecho do livro sobre o ano de 1870, pré-Comuna de Paris.