Solidariedade Sem Terra
MST doa alimentos para pastoral de Pe. Julio Lancelloti em dia marcado por dados sobre a fome
Da Página do MST
Enquanto o agronegócio avança e busca hegemonizar e a cultura das commodities no Brasil, por outro lado, as famílias dos assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) vem produzindo uma diversidade de alimentos e doando parte dessa produção para a população mais vulnerável do país. No dia em que uma pesquisa revela que 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome, o MST mostra que a solidariedade acompanha a rotina e a vida das comunidades camponesas, sempre como princípio da luta do Movimento.
As informações sobre o aumento da fome são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). A pesquisa mostra que Brasil regrediu para um patamar de insegurança alimentar equivalente ao da década de 1990.
Na manhã desta quarta-feira (08/06), várias famílias do MST no Paraná partilharam aproximadamente 20 mil espigas de milho verde (6 toneladas) para projetos sociais do Padre Julio Lancellotti, de São Paulo. A iniciativa partiu de famílias assentadas da região noroeste do estado, por meio da Cooperativa de Reforma Agrária Coana, localizada em Querência do Norte. Também foram doadas 30 caixas de batata (7,6 toneladas) e 900 kg quilos de arroz.
A colheita do milho foi feita em um mutirão formado por mais de 80 pessoas, com famílias das comunidades de assentados da região e Coletivo de Juventude do MST, como parte da 13ª Jornada Nacional da Juventude Sem Terra. A ação se soma à campanha de solidariedade organizada pelo MST em todo o Brasil desde o início da pandemia, em apoio a quem sofre os efeitos da crise social e econômica pela qual o Brasil atravessa.
Segundo o Movimento, a situação de falta de alimento em um país tão rico, com tanta terra, é marca da gestão de Bolsonaro. As doações, de fonte agroecológicas e produzidas sem veneno, vieram da produção de famílias assentadas da região noroeste do Paraná, nos municípios de Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo.
Casa de Oração do Povo de Rua
Os alimentos foram entregues à cozinha comunitária da Casa de Oração do Povo da Rua, coordenada pela Pastoral do Povo da Rua Rua da Arquidiocese de São Paulo, da qual Padre Julio Lancellotti é vigário episcopal.
O espaço social fica no bairro da Luz e atende pessoas em situação de rua de toda a região central da cidade de São Paulo. Segundo Ana Maria da Silva Alexandre, coordenadora da Casa de Oração, a entidade distribui cerca de 1.200 pães e 1.000 marmitas por dia, entre café da manhã e almoço. Durante o inverno, o grupo também garante a distribuição de sopa durante à noite.
Parte das refeições oferecidas são preparadas durante oficinas profissionalizantes de panificação e ajudante de cozinha oferecidas para as pessoas que vivem nas ruas. “Aqui também é um espaço de organização social e política das pessoas em situação de rua, com realização de reuniões, rodas de conversa para que consigam se fortalecer para reivindicar direitos”, explica a coordenadora da Casa.
Com a chegada da grande quantidade de milho verde, os planos da Casa de Oração são a preparação de diferentes tipos de pratos quentes, sopa, e milho cozinho no café da manhã. Segundo a Pastoral do Povo da Rua, a doação “vai ajudar muitas pessoas que realmente precisam; vai a sopa que vamos entregar para os nossos irmãos em situação de rua, vai ser dividido entre outras pastorais de rua que também fazem esse tipo de ação. Partilhar o pão, partilhar o alimento, tudo isso é vida, e um grande exemplo que o MST no Paraná oferece ao Brasil”.
Solidariedade permanente
Só no Paraná, desde o início da pandemia da Covid-19, as famílias de acampamentos e assentamentos do MST no estado já partilharam mais de 960 toneladas de alimentos da Reforma Agrária. Em Curitiba, cerca de 130 mil refeições foram doadas a pessoas em situação de vulnerabilidade, a partir da ação do Coletivo Marmitas da Terra, coordenado pelo MST.
O camponês Adão da Silva é assentado em Querência do Norte e fez parte do mutirão de colheita do milho. “O MST está fazendo esse tipo de solidariedade faz tempo, com a alimentação que a gente planta aqui na agricultura familiar e partilhando com as famílias. A gente viu essa necessidade, temos o lugar de produzir a alimentação, e muita gente na cidade está passando muita dificuldade, então, porque não partilhar a nossa alimentação com essas pessoas?”.
Jaime Dutra Coelho, integrante da direção estadual do MST e um dos coordenadores da ação na região, conta que a doação ao projeto do Padre Julio Lancelotti começou a ser planejada em janeiro deste ano, com a ampliação da lavoura de milho. “O MST, desde o começo da pandemia, tem feito essas doações de alimento como forma de solidariedade, em função do desemprego e da fome. A gente faz isso também por conta do governo do Bolsonaro, que não dá chance a ninguém e dificulta cada vez mais a vida do brasileiro”, garantiu Coelho, assentado na região.
As ações ocorrem em um contexto de aprofundamento da fome no país, fruto da pandemia e também da ausência de políticas públicas do governo Bolsonaro para enfrentar o desemprego e a estagnação econômica. Em contraste com a alta na produção agrícola do agronegócio, mais brasileiros e brasileiras enfrentam a falta de comida na mesa.
Os dados divulgados hoje pela Rede Penssan mostram um aumento de 70% no número de pessoas em insegurança alimentar grave desde 2020. Segundo a pesquisa, são 14 milhões a mais de pessoas com fome em comparação com o último inquérito, e desde que foi criada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), entre 2003 e 2004, jamais o país atingiu esse patamar de pessoas vivendo em algum dos três graus de insegurança.
A pesquisa aponta ainda que a fome é desproporcionalmente maior entre mulheres, pessoas negras, habitantes de zonas rurais e moradores das regiões Norte e Nordeste. Um em cada cinco domicílios chefiados por mulheres está em estado de insegurança alimentar – um aumento de oito pontos percentuais em relação a 2020 – contra um em cada dez domicílios chefiados por homens.
A falta de políticas públicas de combate à fome é uma das razões para o aumento dos índices de insegurança alimentar observado nos últimos anos. As zonas rurais também são mais afetadas pela fome, onde o índice geral de insegurança alimentar chega a 60%, sendo que 18% passam fome.
Uma das alternativas trazidas desde 2020 pelos movimentos populares seria a implementação da Lei Assis Carvalho, que prevê auxílio de R$ 2,5 mil aos agricultores por unidade familiar, e R$ 3 mil para unidades familiares chefiadas por agricultoras. A medida também prevê fomento via o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), linha de crédito sem juros, renegociação de dívidas e do Benefício Garantia-Safra, entre outras providências de apoio à produção da agricultura familiar.
Outro agravamento deste quadro seria o fim da vigência da ADPF, instituída até junho de 2022, que permitiria o despejo de pelo menos meio milhão de pessoas no campo e cidade. Diante deste cenário onde a fome, o desemprego, a falta de renda e o aumento da inflação, o MST se levanta por Despejo Zero na luta pela dignidade humana e no combate à fome produzindo alimentos saudáveis.
Confira abaixo as fotos da ação desde a colheita até a entrega dos alimentos:
*Editado por Solange Engelmann