Disputa pela Terra
10 anos do Golpe em Paraguai: o agronegócio brasileiro contra Lugo
Por Júlia Giménez
Da Página do MST
É possível contar a historia do Paraguai sem mencionar a interferência da burguesia verde-amarelo? Indo desde a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870) até o nosso presente, a história evidencia que os interesses do capital brasileiro, a invasão e o avanço da fronteira agrícola tem sido chave na interrupção de processos de desenvolvimento nacional e justiça social, e na destruição do país vizinho.
A dez anos do impeachment que derrubou o presidente Fernando Lugo, em 22 de junho 2012, o informe especial realizado pelo portal do coletivo De Olho no Ruralista, mostra a expressiva participação do agronegócio brasileiro e os chamados brasiguaios (colonos oriundos do Sul do Brasil), que concentram, pelo menos 14% das terras no Paraguai.
Inscrito no ciclo de governos progressistas que caracterizou a primeira década século XXI na América Latina, o processo de desestabilização do presidente Lugo e o avanço da violência no campo, iniciou-se poucos meses após a vitória eleitoral da Alianza Patriótica para el Cambio (APC), em 2008, quando as entidades patronais do agronegócio fecharem as principais rodovias da Região Oriental do Paraguai a partir do “tractorazo” [fechamento das estradas com tratores], que se tornaria um dos principais repertórios golpistas nos anos seguintes.
Como explica o informe, o motivo principal dessas ações era o compromisso assumido pela APC de promover a reforma agrária e regulamentar a Lei de Segurança Fronteiriça, que proibia a posse de terra por estrangeiros até 50 quilômetros de distância da fronteira, colocando freio a expansão agropecuária brasileira em histórica conivência com Estado paraguaio.
Estima-se que entre 1970 e 1985, durante a ditadura de Alfredo Stroeesner (1954-1989), mais de 400 mil brasileiros tenham se estabelecido no Paraguai, consolidando a modernização conservadora da agricultura a partir do enclave sojeiro ao leste do Paraguai, que não parou de se expandir. Foi neste contexto que o ditador paraguaio entregou 6 milhões de hectares para aliados, que venderam suas propriedades a colonos e latifundiários brasileiros, dando origem aos conflitos atuais entre brasileiros e camponeses paraguaios por terras apropriadas irregularmente, segundo indicou a Comisión de Verdad y Justicia, criada em 2005 para investigar as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura.
Transcorridas mais de três décadas, a pressão de camponeses pelo acesso à terra e, do outro lado, do poder econômico das associações patronais do agro (como a Central Nacional de Cooperativas, a Unicoop, que congrega principalmente latifundiários brasileiros no Paraguai) ameaçando paralisar o país, acabaram por tencionar o governo da APC. As tentativas de golpe foram muitas, mas o estopim que sentenciou a queda de Lugo foi a Massacre de Curuguaty (localidade situada a 85 quilômetros da fronteira com Paranhos/MS), quando no dia 15 de junho de 2012, 324 policiais do Grupo Especial de Operações (GEO) abriram fogo contra a ocupação Marina Kue, deixando um saldo de 11 camponeses e 6 policiais mortos, dezenas de pessoas feridas e 11 camponeses presos.
Diante do critico panorama, a aparente insegurança no campo, acusações de xenofobia contra proprietários brasileiros e o suposto “estímulo” do governo às ocupações de terra, formaram parte das justificativas que sustentou o impeachment express do presidente Lugo, efetivado em apenas 48 horas.
Assim como no impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, o agronegócio nacional e estrangeiro, e sua representação de parlamentares cumpriram um papel fundamental no Golpe. Após da destituição de Lugo e o governo interino de Federico Franco, Horacio Cartes (2013-2018) recolocou o Partido Colorado no Poder Executivo paraguaio, retrocedendo nas políticas de reforma agrária, cedendo ao lobby do agronegócio, designando o promotor do caso Curuguaty, Jalil Rachid, como vice-ministro de Segurança e favorecendo os proprietários brasileiros para que “usem e abusem do Paraguai”, segundo uma célebre frase expressada pelo próprio Carter e adotada ao pé da letra pelo agro brasileiro.
Diante desse novo cenário, o país testemunhou uma explosão de conflitos fundiários, que se estende de ambos os lados da fronteira. Como expressa o informe, duas metades de uma mesma invasão e apropriação irregular de territórios, baseada no ataque a povos indígenas, no envenenamento por agrotóxicos, no desmatamento no Chaco, no tráfico, na grilagem, na contratação de milícias e na repressão contra movimentos de luta pela terra.
Confira o informe completo com 36 reportagens intitulado De Olho no Paraguai, no site do coletivo De Olho nos Ruralistas.
*Editado por Solange Engelmann