MST por Despejo Zero
Mais de 142 mil famílias são beneficiadas com prorrogação da proibição de despejo
Por Francisco Barbosa
Do Brasil de Fato
No dia 30 de junho seria o último dia da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspende os despejos e as desocupações em áreas urbanas e rurais em razão da pandemia da Covid-19. As famílias que vivem em ocupações tiveram que esperar até o último momento a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, mas elas obtiveram mais uma conquista, pois o ministro prorrogou até 31 de outubro a suspensão de despejos e desocupações, em razão da pandemia de covid-19, de acordo com os critérios previstos na Lei 14.216/2021.
De acordo com levantamento feito pela Campanha Despejo Zero, mais de 142.385 famílias estão ameaçadas de remoção no Brasil. Por enquanto, essas famílias têm assegurado do direito à moradia, mas mesmo com essa vitória, como será o desfecho dessa luta a partir do dia 31 de outubro? O que representa essa ameaça de despejo para essas famílias? Gene Santos, da Direção Nacional do MST, falou com o Brasil de Fato sobre as consequências do fim da ADPF 828. A entrevista a seguir foi feita antes da decisão do Supremo Tribunal Federal. Confira.
Queria começar nossa conversa perguntando quais são os impactos do fim da ADPF 828?
Já é de conhecimento de muitos que no próximo dia 30 de junho chega ao fim essa ADPF 828, que trata em relação da suspensão dos despejos e desocupações de terras, tanto rurais como também urbanas, ocasionada por causa da pandemia. Com certeza essa ADPF que está chegando ao fim trará um impacto muito grande, não só para o campo, mas também para a cidade. É uma ADPF que suspendeu as reintegrações de posse nesse período da pandemia.
São mais são mais de 100 mil famílias em todo o Brasil que vivem nesse momento em ocupações em algum local do Brasil, e essa ADPF 828 impediu esses despejos nesse período da pandemia.
Os impactos são muito grandes, porque você imagine, hoje são quase um milhão de pessoas vivendo nesses acampamentos, em grande parte mulheres, crianças e idosos. O pessoal vai ocupar uma terra, uma área, não é simplesmente porque acham bom ocupar, elas vão pela necessidade do momento, e com a pandemia aumentou mais a necessidade, aumentou mais a fome, aumentou mais a miséria, as pessoas não tendo mais condições de pagar aluguel, o desemprego aumentou no Brasil, a fome aumento no Brasil.
Portanto, o fim dessa ADPF, a partir do dia 30 de junho, trará um impacto muito grande. Serão quase um milhão de pessoas despejadas nesse país.
O fim dessa ADPF trará muito impacto para o campo, mas também para a cidade, para os acampamentos, para as famílias. São famílias inteiras, são milhares de crianças que estão morando nesses acampamentos. Nós estamos vivendo um momento difícil, não só por conta da pandemia, mas pelo aumento da pobreza, da miséria, da fome. Imagine só, o Brasil volta ao mapa da fome.
Uma grande parte dos acampamentos rurais são áreas que as pessoas conseguem produzir alimentos de qualidade para elas e para doar para outros. As famílias vivem bem, e será um desastre muito grande, será um ato de violência muito forte.
Praticar o despejo em uma pandemia que estamos vivendo é um crime. Não podemos aceitar um crime como esse, tirar milhares de famílias que vão estar na rua sem saber o que fazer, sem ter casa, sem ter alimento, sem ter emprego, sem ter condições de sobreviver, portanto, temos que lutar muito para manter a suspensão dos despejos no Brasil.
O governo do estado do Ceará voltou a recomendar o uso de máscaras em locais fechados como forma de conter o aumento do número de casos positivos de Covid-19. Tendo em vista esse aumento do número de casos, será que esse é o momento adequado para o fim da ADPF 828?
Olhando para o estado do Ceará, está claro já, inclusive em decreto recente que o Governo do Estado, a governadora, Izolda Cela, orientou mais uma vez o uso de máscara em locais fechados para conter o aumento de casos positivos da Covid-19 no Ceará.
Fica bem claro que há um aumento da Covid no Ceará e no Brasil, portanto, esse momento, além da miséria que estamos vivendo, da fome, de diversos problemas que agravam a nossa população, ainda estamos vivendo esse momento crescente de Covid-19. Portanto, é um momento muito inadequado para que se coloque fim na ADPF 828.
Você imagina esse monte de família que irão para as ruas, sem ter onde morar, sem ter condições nenhuma de construir a sua sobrevivência. No Ceará, esse novo decreto traz preocupação em relação ao aumento da Covid. Portanto, fica muito claro que não é momento, na verdade, não é momento algum de fazer despejo de famílias acampadas, mas no Ceará, neste momento a gente percebe essa gravidade em relação a essa tentativa de despejo.
Existe a possibilidade dessa decisão ter um outro desfecho?
Olhando para o cenário brasileiro, olhando para a nossa situação, nossa realidade, nós podemos ter outros desfechos para a situação. Há possibilidade dessa decisão da ADPF ter outro desfecho que não seja, a suspensão, que seja pela manutenção da proibição de despejo no Brasil.
Nós do MST, dos movimentos populares acreditamos que sim, tem possibilidade de manter a proibição de despejo no Brasil. Então a gente acha que é uma situação muito delicada você colocar tantas famílias na rua nesse período, período que não tem emprego, período que as famílias não têm muita possibilidade de encontrar saídas para poder superar esse momento de dificuldade.
O ato de despejo, reintegração de posse, é um ato muito violento. É um ato de muita violência. É um ato que acaba abalando a vida das pessoas psicologicamente e fisicamente. Quem passa pelo processo de reintegração de posse e despejo forçado pela polícia, usando todo um aparato de violência possível, nunca mais terá uma vida normal como era antes.
Nós acreditamos existirem outras possibilidades, outros desfechos a respeito dessa decisão, e nós acreditamos que esse desfecho deve ser o fim, a proibição, na verdade, de qualquer despejo no Brasil.
Recentemente o Acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, realizou a doação de mais de duas toneladas de alimentos. Vale lembrar que as famílias de lá também sofrem com essa ameaça de despejo. O que representa o fim dessa ADPF para essas famílias que vivem da terra?
O acampamento Zé Maria do Tomé é um acampamento em terras da União onde mais de cem famílias vem, desde o seu início, produzindo alimentos para saciar as famílias que ali vivem, mas também vem, produzindo para doar para famílias necessitadas daquela região. O Acampamento tem feito diversas doações para hospitais, para casas de acolhimento de menores naquela região. Se trata de um acampamento que tem tido ações muito importantes na área da solidariedade nesse período de aumento da fome.
Portanto, se prevalecer a autorização do judiciário para fazer reintegração de posse, famílias como essas, do Acampamento Zé Maria do Tomé, no Ceará, serão afetadas violentamente, diretamente pela força do Estado brasileiro, além de interromper esse ciclo de organização, de produção das famílias que estão naquela área, produzindo, uma área que inclusive é uma área pública, é uma área do DNOCS, que pertence ao governo federal.
Assim como o acampamento Zé Maria do Tomé, o MST possui outros acampamentos que estão sofrendo risco de despejo?
O Zé Maria do Tomé é um acampamento que o MST tem no município de Limoeiro do Norte, mas o MST tem outros acampamentos aqui no estado do Ceará. Nós temos acampamentos em Sobral, Santa Quitéria, Mauriti, temos acampamentos em diversas regiões do Ceará. Nós temos acampamento no município de Ipueiras. Então são muitos acampamentos espalhado por todo o Ceará, e esta ação, se o despejo for realmente homologado, confirmado pela justiça, ele irá atingir não só um acampamento, não só uma região, mas todo o estado do Ceará.
O que está sendo feito e pensado para tentar barrar essa ADPF?
Nesse momento, nós do MST como outros movimentos populares, estamos discutindo, pensando o que fazer para barrar esse processo das reintegrações de posse a partir do dia 30 de junho. Então os movimentos populares têm se reunido e estão se reunindo com juristas, há uma campanha sendo feita, inclusive internacionalmente contra os despejos de famílias aqui no Brasil.
O Despejo Zero no Brasil, é uma campanha que vem ganhando corpo já há algum tempo, acreditamos que terá várias mobilizações em todo o Brasil nesse período de junho e julho, para garantir que o Supremo brasileiro, que a justiça brasileira não cometa essa atrocidade de entregar, de jogar milhares de famílias nas ruas do Brasil sem ter nenhuma perspectiva.
Como a população pode contribuir com essa luta por moradia e por terra?
É importante destacar que a luta pela terra, essa luta nossa pela terra, pela moradia não deve ser uma luta apenas dos camponeses, dos trabalhadores urbanos, essa luta tem que ser de toda a população. É muito importante que as populações, os trabalhadores possam se unir no sentido de contribuir com as diversas lutas que nós estamos vivendo.
A luta pela reforma agrária deve ser defendida pelos trabalhadores e trabalhadoras da cidade, assim como a luta por habitação, por saneamento, por outros direitos dos trabalhadores da cidade tem que ser a luta defendida também pelos camponeses. Essa unidade entre campo e cidade é fundamental para que os trabalhadores possam avançar em defesa dos seus direitos.
Então a população brasileira, a população cearense pode contribuir muito nesta luta pela terra e na luta por moradia, no sentido de divulgar de forma positiva as diversas lutas que têm sido travadas em todo o estado do Ceará e também a nível nacional, defendendo os movimentos populares, fortalecendo os trabalhadores e ajudando na reafirmação de que essa luta por terra, que essa luta por moradia, que essa luta por dignidade é uma luta justa.
Organizações populares querem renovação da proteção do STF contra despejos / Divulgação/Campanha Despejo Zero
E no meio urbano, nas cidades? Você consegue nos dar um Panorama de como está essa situação no Ceará?
Vale ressaltar que essa situação dos acampamentos não é só algo rural, está muito presente na área urbana. Inclusive, os acampamentos urbanos têm mais famílias do que os acampamentos rurais. A situação se agravou muito, principalmente com a população urbana nos últimos períodos.
Se for olhar para Fortaleza, nós tínhamos aqui, por exemplo, no viaduto da base aérea em Fortaleza, um viaduto que há mais ou menos um ano atrás tinha uma família morando embaixo, hoje são 150 famílias que com a pandemia, afetadas pela pandemia e pela falta de condição de viver e sobreviver, foram ocupando aquele espaço e hoje no acampamento tem mais de 150 famílias.
Em Fortaleza, a gente consegue perceber uma crescente dessa presença de famílias acampadas em diversos locais, acampados em canteiro no meio das ruas, realizando ocupações em praças, como outros locais também. A ocupação está muito presente na zona urbana, portanto, essa ação trará várias consequências, não só para a população rural.
Edição: Camila Garcia/ Brasil de Fato