Conquista

MST conta agora com 50 novos Médicos Veterinários formados no país

Os Sem Terra da terceira Turma Especial conquistaram o diploma na última sexta-feira, dia 01, em Pelotas, no Rio Grande do Sul
Novos Médicos Veterinários do MST são oriundos de áreas da Reforma Agrária de 14 estados brasileiros. Foto: Maiara Rauber

Por Maiara Rauber
Da Página do MST

“Somos todos sonhadores e protagonistas dessa história. Esse é um momento de muita alegria e comemoração, mas também é um momento de reafirmar nossa luta enquanto Turma Especial de Medicina Veterinária”, narra Vanessa Alves Pires, agora Médica Veterinária, no discurso da Turma Kênia Ferreira. Na última sexta-feira, dia 01 de julho, 50 estudantes Sem Terra, oriundos de acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária de 14 estados brasileiros conquistaram seu diploma de Médicos Veterinários. 

A formatura da terceira turma ocorreu no Auditório da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM), no Campus Capão do Leão em Pelotas. Agora qualificados, os Médicos Veterinários se comprometem em contribuir com o desenvolvimento do campo e da produção das famílias assentadas e acampadas. 

Participaram da cerimônia pais, familiares e amigos de diversos estados dos formandos: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Tocantins, Bahia e Maranhão. Além disso, também estavam representantes da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reitores, vice-reitores e docentes de quatro universidades do Uruguai e da Argentina, a Universidade Uruguaia da República, a Universidad de Rosario, a Universidad de La Plata e a Universidad de Río Cuarto. 

Para Cátia Gonçalves, da coordenação pedagógica do curso, é extremamente importante garantir que os Sem Terra conquistem esses espaços. “Formamos 50 educandos e serão eles que acompanharão o projeto de desenvolvimento da Reforma Agrária Popular, e contribuirão com as áreas de acampamentos e assentamentos, bem como na organização social da classe trabalhadora”, pontua a educadora. 

“Um simples obrigado é insuficiente para expressar o tamanho da nossa gratidão a todos que nos ajudaram a chegar no encerramento deste ciclo. Somos eternamente gratos aos nossos pais, professores, colegas, e aos movimentos sociais, em especial o MST”, fala Ezequiel Gonçalves, Médico Veterinário, durante a colação. 

De acordo com Cátia Gonçalves, o curso formou três turmas. “Já formamos 44 educandos na primeira turma, a turma Adão Pretto, 46 na segunda turma, a turma Hugo Chaves e 50 na terceira Turma, a turma Kênia Ferreira”, ressalta. Ela também falou sobre a quarta turma, que está no sexto semestre, e a confirmação da nova turma Especial de Medicina Veterinária. “Já foi aprovada pela Ufpel [Universidade Federal de Pelotas] a quinta turma via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). O intuito é lançar o edital no segundo semestre deste ano”, revela. 

Para além da graduação de Medicina Veterinária, via Pronera, as famílias Sem Terra de todo o país também contam com outros cursos superiores ofertados pelo programa. No Rio Grande do Sul, já foram formadas e seguem em formação turmas de graduação de Agronomia, pela Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), em Pontão; e de História, pelo Instituto de Educação Josué de Castro, em Viamão. São cursos que ajudam a transformar os espaços da Reforma Agrária Popular no Brasil.

Orgulho para a família Sem Terra 

“Nossas diferenças nos enriquecem, nos tornam mais fortes, centrados, melhores, e mais humanos!” (Turma Especial Kênia Ferreira)

A formatura destes 50 educandos é fruto da luta das famílias do MST, e de outros movimentos sociais do campo, portanto é uma conquista para o conjunto da agricultura camponesa. “Para nós é um motivo de alegria e orgulho. Sem dúvida esses novos Médicos Veterinários vão trazer muito desenvolvimento para nossas áreas e também para o conjunto da agricultura familiar”, assinalou Ildo Pereira, Dirigente Nacional do MST pelo Rio Grande do Sul. 

Sem Terra da terceira Turma Especial conquistaram o diploma no dia 01 de julho, em Pelotas (RS). Foto: Divulgação MST

Ainda segundo Pereira a luta por educação de qualidade no campo é uma das principais bandeiras do MST. Por isso, para ele e para o conjunto das famílias Sem Terra, formar mais uma turma especial de Medicina Veterinária é uma vitória grandiosa do Movimento. “Espero que cada jovem que se formou na Ufpel, pelo Pronera, volte para nossos acampamentos, assentamentos e ajude na qualificação das nossas produções, principalmente na área do leite que é um produto tão perecível onde exige uma qualidade para que chegue no consumidor”, destacou o assentado.  

Para Alan Bruno Ferreira, Médico Veterinário, formado na terceira turma especial, trabalhar na área da produção de leite será um prazer, pois essa é a área que mais se identificou no curso. O objetivo do Sem Terra é retornar para a terra de sua família, que fica no Assentamento 8 de Abril, município de Jardim Alegre, no Paraná e contribuir com a produção animal, principalmente com o leite nutricional.

“Eu quero trabalhar essa questão de reprodução e nutrição voltada para produção de leite. Quero melhorar e ajudar a produzir em alta escala e com qualidade o leite das propriedades da minha região” destacou. Segundo ele, estará à disposição do seu assentamento e da sua cidade, para as demandas de clínica e pets, além da produção animal. 

Rosicléia Santos, do assentamento 14 de Agosto, que fica localizado no município de Ariquemes no estado de Rondônia, também conquistou seu diploma de Médica Veterinária. Da mesma forma que seu colega, ela busca trabalhar com bovinos leiteiros, voltada para qualidade do leite, clínica, e também na área da saúde pública. “Sempre tive vontade de fazer veterinária, e poder contribuir mais na sustentabilidade e no avanço da produção do grupo coletivo onde moro e nas áreas de assentamento. Por lá há muitas demandas e pouca assistência dessa parte”, assinala a educanda. 

Por isso as famílias Sem Terra seguem na luta para permanecer nesses espaços. Obter o diploma tanto de Medicina Veterinária, quanto nas diversas áreas, levam esses educandos a contribuírem nos assentamentos e acampamentos, gerando qualidade de vida e oferecendo avanços para as produções do MST. 

Educação do campo

Neste ano as famílias camponesas comemoraram os 24 anos da criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), ocorrida em 1998, resultado das reivindicações e pressão dos movimentos sociais populares do campo. Foi por meio da Portaria Nº. 10/98, do extinto Ministério Extraordinário de Política Fundiária, e  posteriormente instituído como política pública pela Lei 11.947, de 16 de junho de 2009 e regulamentado pelo Decreto 7.352/2010. O Pronera traz em suas raízes, sangue, lutas, marchas, sofrimentos, conquistas e muitos sonhos realizados.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre os anos de 1998 e 2018, o Programa ofertou 499 cursos em parceria com 94 instituições de ensino, atendendo 186.734 beneficiários, desde a Educação de Jovens e Adultos (EJA) até programas de pós-graduação. Demonstrando que o Pronera tem contribuído diretamente na democratização da educação para as populações do campo, justificando a necessidade de continuidade e fortalecimento de suas ações.

“Nós, enquanto MST, conseguimos mostrar que a luta não é só pela terra, lutamos por todo um projeto de humanização à esse povo que vai ser assentado, seja com estrutura básica de treinamento, seja por políticas públicas de produção, também para colocar os Sem Terra nas escolas, e em Universidades Públicas para acessar o ensino superior”, afirma o Médico Veterinário formado, Alan Bruno Ferreira. 

A educação básica e o ensino superior pertencem ao povo, reitera Rosicléia. ”É de grande importância para mim como mulher, negra e Sem Terra, ocupar um espaço em uma universidade federal, e ainda mais, em um curso de veterinária que é bastante elitizado. Pois reafirmar que as lutas que foram feitas pelos movimentos sociais do campo e vem sendo feitas, tem sim resultados”, alega a filha de assentados. 

No entanto, por maiores que foram as conquistas da agricultura familiar em relação a esse programa, o Pronera vem sofrendo diversas investidas contra sua continuidade desde o golpe de 2016.

Depois dos diversos cortes feitos na educação brasileira, principalmente a partir do Governo Bolsonaro, as turmas beneficiadas pelo Pronera sofreram drásticas reduções orçamentárias. “As maiores dificuldades que enfrentamos foi com a entrada de Bolsonaro, que consequentemente gerou corte de verbas para as turmas do Pronera; com o enfrentamento do negacionismo das turmas especiais da Medicina Veterinária dentro da universidade; e a pandemia também gerou dificuldade com atraso do curso e danos psicológicos”, relembra Rosicléia Santos.

Além disso, Alan Bruno destaca que a problemática enfrentada pelos Sem Terra na graduação também ocorreu por parte dos docentes do curso de Veterinária. Cerca de 30 professores do quadro acadêmico fizeram um abaixo assinado destacando que os mesmos não concordavam com a inserção dos educandos, filhos de assentados e agricultores, via Pronera. “Não dá para admitir que só uma minoria consiga acessar a universidade. Nós sabemos que há uma desigualdade muito grande para se acessar uma universidade pública”, reforça. 

Ainda de acordo com ele existe uma diferença muito grande no ensino básico entre educandos do campo, da periferia, da classe média e alta, o que influencia na hora de acessar um curso superior via vestibulares e  Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “O Pronera me proporcionou disputar uma vaga na universidade com pessoas que saíram do mesmo local que eu, então houve uma igualdade. Deveria existir um programa que abrangesse essas diferentes realidades, como favelas, comunidades, escolas do campo e tantas outras, para que o acesso à educação superior seja igualitário”, justificou Ferreira. 

De acordo com ele muitos dos professores, e parte da sociedade conservadora, encaram o acesso à universidade via Pronera uma regalia dos filhos de Sem Terra, dos assentados do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ele ainda reforça, que isso não é a realidade. “Essa é uma política pública de democratização do ensino público que deveria ser copiada e repetida em todos os cantos do Brasil”, declara Alan Bruno.

Apesar de todas essas dificuldades enfrentadas pela turma, algo que marcou os educandos foi a união e organização herdada pelo MST. A terceira Turma Especial de Medicina Veterinária teve a menor taxa de reprovação no curso. “O que mais marcou para mim na realização da graduação foi o grande esforço, o companheirismo da turma e a organização do curso para fazer com que todos pudessem conseguir chegar até o fim. Acho incrível como todos se ajudaram”, relata a educanda Rosicléia.

Para Alan Bruno, essa capacidade de organização que a turma desenvolveu durante a faculdade vem do trabalho de base realizado pelo MST. No dia a dia do movimento, a estrutura seguida pelos assentados e acampados levou à criação de núcleos de base, grupos de estudos, grupos de produção e certificação orgânica entre tantas outras coisas.

“Esses pontos são fundamentais para a gente avançar e conquistar novos espaços dentro da universidade e tentar mudar a opinião de alguns professores, e da sociedade em relação aos Sem Terra”, pontua o Médico Veterinário.

Por fim, Alan Bruno reafirma a importância da organização e da luta pelos direitos do povo. “Essa tem que ser uma pauta da classe trabalhadora. Todos temos o direito de acessar educação de qualidade e ele está sendo negado. É uma obrigação do Estado garantir o acesso à educação igualitário para todos e todas”, concluiu.

*Editado por Solange Engelmann