Olimpíada Escolar
Assentada do MST de 9 anos ganha medalha de bronze na Olimpíada de Astronomia e Astronáutica
Por Ivan Longo
Da Revista Fórum
O Assentamento 9 de Novembro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Água Doce (SC), está em festa. A jovem Ana Gabriela Kochem dos Anjos, que mora no local, conquistou a medalha de bronze na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA), evento realizado pela Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), anualmente, desde 1998, com alunos de escolas previamente cadastradas de todo o país. A premiação será em outubro.
Filha e neta de assentados, Ana Gabriela tem 9 anos e cursa o 4º ano do Ensino Fundamental I no Centro Educacional Municipal Cultivando o Saber. Trata-se de uma escola de campo dentro do assentamento inaugurada em 2019 após décadas de luta dos sem-terra. A unidade de ensino, inclusive, tem como diretor Adílio da Silva Paz, militante do MST e que coordena o setor de educação do movimento em Santa Catarina.
A mãe de Ana Gabriela, Marisete Kochem, é professora na escola e já chegou a dar aulas para a própria filha. “O orgulho é dobrado. Orgulho como mãe e como educadora da escola”, disse Marise, que vive no assentamento 9 de Novembro há 29 anos, em entrevista à Fórum. No local, os assentados produzem milho e feijão, além de outros alimentos para consumo próprio, como batatas e mandiocas.
Para a mãe orgulhosa, a conquista de Ana Gabriela traz visibilidade para a escola rural e ajuda a quebrar preconceitos que algumas pessoas ainda têm contra assentados e o MST. “Ainda existem muitos preconceitos, e isso [a medalha conquistada por sua filha] vem para provar que escola boa é aquela em que a criança é incentivada a correr atrás dos seus sonhos, seus objetivos. É uma quebra de preconceito, mostra que independente de lugar, de classe social, todo mundo, tendo oportunidade, tem chance de ser bom”, atesta Marisete.
Futura astrônoma?
Ana Gabriela, apesar da timidez, também conversou com reportagem da Fórum. Extremamente estudiosa, ela diz que está muito feliz por ter ganhado a medalha de bronze na Olimpíada de Astronomia e Astronáutica e já pensa em ser astrônoma quando crescer.
Perguntada sobre de onde veio seu interesse por astronomia, a “sem terrinha” disse que “só queria aprender um pouco sobre as coisas”. “Eu leio um pouco”, declarou de forma modesta.
Sobre ser astrônoma quando crescer, Ana Gabriela confirma que sim, tem esse interesse, mas deixa aberto todo um mundo – ou melhor, universo – de oportunidades. “Eu quero ser [astrônoma]. Mas talvez…”.
Educação transformadora
Atualmente, há mais de 2 mil escolas em acampamentos de sem-terra e assentamentos em todo o país. Essas escolas são equipamentos públicos vinculados a estados e municípios. Não são, portanto, escolas do MST, mas em muitas delas o movimento desenvolve trabalho educacional e pedagógico – para além do fato de que foi o movimento social que lutou pela existência desses espaços de ensino.
O Centro Educacional Municipal Cultivando o Saber, escola de Ana Gabriela e que fica no Assentamento 9 de Novembro, especificamente, tem como diretor Adílio da Silva Paz, do setor de educação do MST.
À Fórum, Adílio afirmou que a conquista de Ana Gabriela é importante para a escola e “gratificante para a luta do movimento”. Ele conta que muitas pessoas em Água Doce sequer sabem da existência da unidade de ensino e do trabalho que é desenvolvido no local, e que, por ser uma região de fazendeiros, há preconceito com o MST. “O trabalho pedagógico que procuramos desenvolver é voltado não para conseguir prêmios, mas por uma educação transformadora”, declara.
Segundo o diretor, apesar da escola ser do município de Água Doce, no local são desenvolvidas tarefas “dentro das propostas do MST”. “Queremos que todos tenham conhecimento, todas as crianças. A nossa forma de fazer é diferente”, diz.
Para Adílio, o fato de Ana Gabriela ganhar uma medalha na Olimpíada de Astronomia quebra paradigmas sobre o MST. “Como de que nós doutrinamos crianças, essa coisa toda… É para mostrar que estamos aqui fazendo um trabalho sério, que o movimento faz um trabalho sério e quer contribuir na formação de pessoas conscientes e capazes de lutar por uma sociedade mais justa, mais digna”, considera.
“Muitas vezes não podemos bater tão de frente com esse governo, mas dentro de nossa proposta pedagógica estamos lutando pra construir um pais mais justo”, finaliza o diretor.