Internacionalismo
Dia da Mulher Africana: comemorar é um ato de resistência e afirmação da liberdade
Por Brigada Internacionalista Samora Machel
Da Página do MST
O dia amanheceu com sol, diariamente acordamos com cinco horas a mais do Brasil e verdade seja dita, estávamos um pouco cansadas porque na noite anterior nos alongamos nos preparativos, mas a mística para comemorar o dia da mulher africana com as zambianas estava intacto. Ao chegar no local onde a atividade se realizaria, elas já nos esperavam, algumas inclusive vestidas com seus trajes típicos de chitengue.
Os tambores, os cantos e a dança marcaram o início da atividade ao mesmo tempo em que reafirmou o quanto nós mulheres temos em nossa história inúmeras marcas e cicatrizes que fizeram de nosso corpo território de resistência, mas também nos possibilita uma nova escrita, uma afirmação da necessária liberdade. O corpo da mulher negra é a encruzilhada não somente da luta e resistência pelos sonhos derrubados, como também, da fertilidade para defendermos nossa alegria como uma trincheira e semear-nos de novo sempre que nossos corações e esperanças precisem encontrar novos lugares para continuar a crescer.
É nesse território fértil que o 31 de julho foi instituído em 1962 durante a conferência das Mulheres Africanas. Nesta mesma data se criou também a Organização Pan-africana das Mulheres. De lá para cá, muitas são as mudanças ocorridas no continente Africano, assim como também são muitas as mulheres que se comprometeram com a luta pelo desenvolvimento sustentável em África, que acreditaram e continuam lutando por um mundo mais justo, solidário e igualitário.
Mulheres cujos corpos são compostos pela integralidade da vida, que sangraram nos campos de batalhas africanos pela liberdade, mas que também construíram verdadeiras trincheiras de apoio e cuidados entre os seus. Aqui podemos citar algumas dessas mulheres que ocuparam importantes espaços públicos, como Ellen Johnson, presidente da Libéria e Joyce Banda presidente do Malawi. A liberiana Leymah Gbowee e Tawakkol Karma do Yemén, que receberam o prémio Nobel da paz em companhia de Ellen Johnson. Não podemos deixar de lado Nadine Gordimer, escritora sul-africana, Nobel da literatura em 1991.
A importância das mulheres para o desenvolvimento da África
Comemorar o dia da mulher africana na Zâmbia, juntamente com mulheres que tem construído em seu cotidiano esse lugar da encruzilhada da luta e da resistência, do afeto e da liberdade, nos demonstra um processo de reorientação histórica delas que acompanham os desafios e possibilidades da denúncia e da crítica social em seus territórios, mas sem perder a valoração da humanização dos seus corpos tão violentados e deslocados pelo sistema colonial escravagista, seja pela dança, pelo canto, pela tradição oral que herdaram de suas ancestrais.
E não há como negar que nesse processo de reorientação as mulheres africanas estão no centro desse movimento há séculos, sobretudo, desempenhando papéis ativos nas batalhas pela libertação do continente. Podemos citar como exemplo, a Tenente-Coronel Rose Kabuye que lutou na Frente Patriótica de Ruanda, Josina Machel que foi a força motriz para a criação do Destacamento Feminino na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em 1967, Joice Mujuru que foi uma das primeiras mulheres comandantes do Exército Africano de Libertação Nacional do Zimbábue a Albertina Sisulu ou ‘Mãe da Nação’ que foi uma ativista política e enfermeira e uma das líderes mais importantes da resistência anti-Apartheid na África do Sul.
Nos preocuparmos em trazer a discussão sobre o papel da mulher africana na atualidade é buscar, sobretudo, abordar a complexidade que envolve a luta multifacetada na qual historicamente elas estão envolvidas, inclusive antes mesmo da colonização, cujos traços das estruturas de poder e opressão ganharam outros moldes no contexto colonial e que desafiam a construção a luta por igualdade no pós colonialismo.
Esse movimento de centralidade dessas mulheres ocorre mesmo antes de suas comunidades serem escravizadas, onde diversas mulheres lideram politicamente seu povo e cumpriram um importante papel de estrategistas na luta contra a opressão colonial e na construção das nações no continente. Entre as tantas, podemos citar a Rainha Nanny dos Barlaventos Maroons, líder política, estrategista militar e mulher Obeah nascida em Ghana, mas que lutou pela libertação jamaicana. A Yaa Asantewa, Rainha Mãe dos Ejisuhene, que liderou os Ashanti em uma guerra contra a colonização britânica entre 1900 e 1901. A feminista Funmilayo Kuti foi pioneira no ativista social, educadora e combatente da liberdade anticolonial. Ela fundou a União das Mulheres da Nigéria, que se tornou a Federação das Sociedades de Mulheres da Nigéria em 1953 e organizou greves fiscais contra políticas econômicas que afetavam negativamente as mulheres, organizou-se contra a exploração de mulheres nos negócios e pediu o fim do domínio colonial.
Outra importante ativista do continente conhecida como Mama África, foi Miriam Makeba, uma artista que participou intensamente do movimento anti-Apartheid e Pan-Africano. E por fim, a famosa ambientalista queniana, a professora Wangari Maathai, que foi ativista pelos direitos das mulheres na África. Ganhadora do Prêmio Nobel em 1977 ela fundou o Movimento Cinturão Verde, conhecido então como Conselho Nacional de Mulheres do Quênia.
Portanto, além de reafirmar o legado das nossas ancestrais que movimentaram o passado para promover mudanças que reverberam em nossa atualidade, as mulheres africanas representam atualmente um outro futuro para o continente. Isso porque o desenvolvimento socioeconômico das nações africanas perpassa, sobretudo, pela necessidade de romper com os pilares patriarcais que consolidam as desigualdades das relações de gênero.
Foi sobre essas referências e a importância de seguirmos unidas em luta que o encontro de comemoração do dia da mulher africana se desenvolveu. Ouvimos de uma companheira que ser mulher africana é difícil e bonito. É difícil porque não podemos descansar enquanto não houver igualdade e bonito porque somos essa potência na encruzilhada da consciência pelo reconhecimento da dignidade das mulheres, esse corpo que dança, canta e pronuncia sobre as mudanças que quer no mundo em que vivemos.
Confira o vídeo da experiências das mulheres zambianas em conjunto com a brigada do MST
*Editado por Lays Furtado