Comemoração Histórica
Luta do MST completa 37 anos no RS
Por Maiara Rauber
Da Página do MST
“Ser sujeito Sem Terra, quando se escreve com letra maiúscula, é alguém que luta pela Reforma Agrária, luta para que a terra seja repartida, para quem quiser viver no campo e possa ter as condições de viver ali. Ser Sem Terra, com letra maiúscula, também é saber produzir alimento saudável, é saber cuidar da terra, da natureza e valorizar a educação, uma educação libertadora. É zelar pela saúde para que todos possamos ter uma vida digna, uma vida justa, uma vida saudável. Portanto eu sou uma Sem Terra com muito orgulho e digo ‘Sou Sem Terra, sou Sem Terra eu sei, essa identidade tão bonita eu conquistei’”, declara Salete Campigotto, da coordenação pedagógica do Instituto Educar.
Salete Campigotto foi uma das companheiras que esteve presente, juntamente com 1.500 famílias camponesas, na madrugada de 29 de outubro de 1985, sob a coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e ocupou a Fazenda Annoni, na região norte do Rio Grande do Sul.
Para a Sem Terra relembrar os primórdios do movimento é muito emocionante, ainda se relacionado à educação. “Eu fiz parte do primeiro grupo de educadores que começou a pensar sobre a importância da educação na luta pela terra, isso foi lá nos anos 1982, onde nós tivemos a equipe do Paulo Freire que foi nos ajudando a iluminar essa caminhada”, relembra Salete.
Segundo a educadora, a educação nos acampamentos e assentamentos passou por várias etapas. Inicialmente se pensava muito na alfabetização de adultos e na formação de crianças para que ninguém ficasse fora da escola, no entanto foi uma tarefa desafiadora e com muitas dificuldades.
Além do acesso à educação, as famílias Sem Terra do acampamento e posteriormente do assentamento da fazenda Annoni, de acordo com o assentado, e Doutor em educação, Munir Lauer, encontraram uma diversidade de obstáculos. Segundo ele, os camponeses enfrentam dificuldades principalmente em quatro pontos. “Uma é quanto a inserção social dos assentamentos, a produção e consequentemente da comercialização dos produtos dos alimentos, a questão do trabalho e renda e por fim da educação”, destaca Lauer.
Logo após a criação dos assentamentos na região Norte, havia um grande preconceito contra as famílias, o que dificultou a inserção dos mesmos na comunidade local. “Perdurou por muitos anos até romper aquele estereótipo do Sem Terra, como um sujeito de segunda categoria. Esses camponeses eram vistos como quem não gostava de trabalhar, como um vagabundo e ladrão”, relembra o educador Munir. Ele ainda afirma que para superar essa barreira histórica as famílias tiveram uma longa luta contra essa descriminação.
Outro ponto destacado foi em relação à produção e a comercialização de alimentos. Um dos principais intuitos da luta pela terra, além da conquista pela moradia, era trabalhar com a terra e produzir. Segundo o assentado Lauer naquela época os solos da fazenda Annoni estavam bastante degradados, ou seja, as famílias Sem Terra necessitavam investir para recuperar o solo. No entanto, o crédito agrícola só foi conquistado após várias lutas.
O terceiro elemento abordado por Munir Lauer tem relação com o trabalho e a renda, mais especificamente do jovem daquela época. “No início do assentamento faltava muita oportunidade, não existia muito esse entendimento, essa visão de futuro, ou seja, no começo a produção que se dava era basicamente de subsistência. Então não havia um retorno financeiro para as famílias”, salienta.
Portanto, muitos jovens não permaneceram no assentamento, eles se viram obrigados a sair. “Não havia uma visão de futuro, não se visualizava nem no assentamento nem na região uma expectativa de trabalho e renda, então muitos dos filhos de assentados estão em São Paulo, Rio de Janeiro, e principalmente na região da Serra Gaúcha”, comenta o Sem Terra.
Por fim, o último ponto apresentado pelo educador, foram as dificuldades e a questão da educação. “Não havia a oportunidade de possuir escolas no assentamento e também havia um grau de dificuldade muito grande para acessar as escolas nos municípios da volta, porque não haviam estradas asfaltadas para o deslocamento”, explica. Munir relembra que na época foi um dos poucos filhos de assentados que teve a oportunidade de estudar.
Principais conquistas dos Sem Terra
Durante os 37 anos de MST na região Norte, apesar das dificuldades, muito foi conquistado pelas famílias assentadas. Para Munir Lauer, o que os Sem Terra realizaram no assentamento da fazenda Annoni foi revolucionário. Uma primeira observação apontada sobre isso, é o fato de um município ser emancipado a partir da luta por terra naquele local, ou seja, Pontão se tornou município em 1992, ano em que os assentamentos foram conquistados.
“Um segundo aspecto muito importante foram as conquistas que hoje são as cooperativas e as agroindústrias, e isso tem um grau de expansão muito forte porque elas estão possibilitando a permanência dos jovens do campo, contrariando aquela ideia de antigamente que não existia trabalho e renda no assentamento”, salienta.
Atualmente, em muitos assentamentos do MST, o jovem tem a oportunidade de estudar e trabalhar nesses espaços. “Na região Norte hoje possuímos transporte universitário dentro dos assentamentos. Você pode embarcar na porta da tua casa e ir estudar em outros municípios, mas também no próprio assentamento”, alega Munir.
Onde há agroindústrias e cooperativas há vida, pontua o Sem Terra. “Essa ideia das cooperativas, agroindústrias, escolas consolidadas e comunidades fortes são aspectos realmente interessantes e ao meu ver são as maiores conquistas, pois são justamente elas que mantêm as pessoas no campo, nas áreas de assentamento principalmente, aqui da fazenda Annoni” enfatiza Lauer. Para ele, a constituição das escolas do movimento, principalmente do Instituto Educar consolida uma das principais conquistas de ensino para as famílias camponesas.
Hoje uma das principais conquistas destacadas pelo Sem Terra é a educação, em seus diversos estágios, o cuidado com a saúde, lazer, moradia digna, produção e comercialização. “Tudo isso resulta no plano de fundo da qualidade de vida nos assentamentos”, afirma.
Essa luta por vida digna no campo se traduz na identidade Sem Terra, em que a exemplo do legado de lutas e conquistas da Fazenda Annoni, o movimento por mudanças sociais e econômicas no campo é constante e busca abranger o maior número de camponeses e camponesas na consolidação de direitos. Os 37 anos de conquista do MST na defesa do projeto de Reforma Agrária Popular segue sua prática para garantir a produção de vida, alimentação saudável e solidariedade de trabalhador/a para trabalhador/a.
*Editado por Solange Engelmann