Bioinsumos

Bioinsumos na agricultura: um novo pacote ou autonomia?

Os bioinsumos são uma revolução para a agricultura. A questão é se poderão seguir sendo usados pelos agricultores ou serão apropriados por transnacionais
Foto: Magda Cruciol/ Reprodução

Por José Luis Rodrigues e Mauricio Piccin*
Da Página do MST

Nas últimas duas décadas a produção de grãos foi amplamente dominada pelas empresas  proprietárias das sementes, dos fertilizantes e dos agrotóxicos. O crescimento do cultivo  de milho e soja foi acompanhado pela dependência de, pelo menos, uma destas empresas  que ao final se apropriam de parte significativa da renda dos agricultores seja ele pequeno,  médio ou grande. 

A prática da agricultura produtora de grãos está tão conectada às empresas que até mesmo  os agricultores não se vêm fora dela. Totalmente envolvidos nessa relação de  dependência, desde o preparo do solo, as sementes e os fertilizantes já estão previamente  “receitados” por técnicos e agrônomos que foram treinados, na maioria das vezes, como  bons vendedores de produtos. Esse modelo de agricultura, agora então parte do chamado  “agronegócio”, transformou a relação social do/a agricultor/a em apenas um local onde  se segue uma receita de aplicação de insumos, onde as empresas já sabem previamente a  taxa de lucro que terá nessa relação. Isso tudo, independente das consequências ao bioma  do solo e da natureza como um todo. 

Atualmente há um movimento de transformação da agricultura brasileira em curso. É a  transformação biológica. Poderíamos até chamar de uma nova revolução na agricultura  brasileira. 

Esse movimento ocorre devido a confluência de vários fatores, a saber: a) a grave crise  ambiental com as consequências do efeito estufa ficando cada vez mais frequentes e a  pressão internacional para as adequações ambientais em todas as áreas; b) a exigência  crescente do mercado consumidor por alimentos saudáveis e livre de agrotóxicos; c) a  evolução da ciência oficial agora comprovando e aceitando os ensinamentos da saudosa  Dra. Ana Maria Primavesi e as pautas do movimento agroecológico; e) a falência  ambiental e agronômica do pacote da revolução verde, com o agravamento de pragas e  doenças e a degradação biológica dos solos; f) o surgimento de novas tecnologias  biológicas de posse direta dos agricultores. 

É neste contexto que todas as grandes transacionais do ramo dos agroquímicos já  disponibilizam em sua lista de produtos, insumos biológicos e já estão reorientando a sua  linha de produção para esse novo mercado que está crescendo a passos largos no Brasil.  Aqui está a grande mudança que já ocorre e que deverá ser acelerada nos próximos anos.

É nesse cenário que se proliferam discussões sobre aquilo que aqui vamos denominar “Insumos Biológicos”. Esse assunto é bastante complexo mas é de amplo conhecimento  que as plantas se tornam produtivas e sadias na medida que o ambiente (solo, água, sol e  ar) onde elas estiverem inserida esteja sadio.  

Se tivermos um solo diverso biologicamente (bactérias, fungos, nematoides, protozoários,  micro artrópodes, dentre outros) o processo de solubilização dos nutrientes presentes no  solo – até então indisponíveis – tornam-se disponíveis. Sendo assim, as plantas passam a  absorverem conforme a sua necessidade e se tornarem produtivas, capazes de produzir  alimentos de forma abundante para a humanidade de forma saudável. 

Então, são os micro-organismos os atores principais da relação solo – planta que há  milhares de anos mantiveram e ainda mantém a agricultura ativa, apesar de toda a  agressão com fungicidas, inseticidas, herbicidas e adubos solúveis, muitas vezes a base  de cloro que esteriliza o solo e compromete a sua saúde. 

A pesquisa científica evoluiu muito nos últimos anos e percebeu que o solo é rico em  vida. Sugere-se que em uma grama de solo temos mais micro-organismos que habitantes  no planeta terra. 

Geralmente esses micro-organismos (bactérias, fungos e outros) de presença e  multiplicação livres na natureza podem ser coletadas, isolados, multiplicados e  devolvidas ao solo, potencializando a atividade biológica.  

Podemos fazer esse processo de multiplicação de micro-organismos de duas formas,  basicamente. A multiplicação desses micro-organismos isolados (apenas um de cada vez)  ou em comunidade, onde se multiplica um conjunto de micro-organismos juntos. Um  bom exemplo de multiplicação de micro-organismos de comunidade é o método “Soil  Food Web” ou a Rede Alimentar do Solo. 

Para exemplificar a questão, vamos a prática. Para fabricarmos um insumo biológico na  própria propriedade/lote, podemos adquirir 500 ml de um inóculo (a “semente” do micro organismo) da bactéria Bacillus thurigiensis, por exemplo, e colocá-la num tambor de  100 litros de água contando com 500 gramas de um meio de cultivo (alimento) e uma  bomba de 0,5 hp que permita a circulação e aeração da água por 48 horas, podemos ter  ao final 100 litros de um inseticida biológico capaz de controlar a população de lagartas 

em 50 hectares de soja ou de milho a um custo de dois a cinco reais o litro (depende da  origem dos insumos que se utilizará). Nas mesmas condições descritas acima podemos  utilizar 500 gramas da bactéria Azospirillum brasiliense como inóculo e ao final de 24  horas produziremos material suficiente pra contribuir consideravelmente com a demanda  de nitrogênio para 20 hectares de trigo, 5 hectares de tomate, 25 hectares de milho. 

A multiplicação de microrganismos pode ocorrer em pequena, média e grande escala de  acordo com a necessidade. Nos últimos tempos as grandes empresas estão dedicando  enormes esforços para se estabelecerem nesse mercado que pode ser gigantesco. Ao  mesmo tempo, um novo setor econômico tem se formado em torno da produção de  equipamentos e insumos para a multiplicação de micro-organismos nas propriedades  rurais, a chamada multiplicação “on farm”. 

No Brasil ainda não temos uma regulamentação clara sobre essa questão. Está em debate  no Congresso Nacional dois projetos de Lei. Um na Câmara dos Deputados, outro no  Senado Federal. Nesse debate regulatório, o excesso de regulação favorece centralmente  as grandes empresas transnacionais, pois os agricultores terão mais dificuldades  (principalmente os pequenos e médios) em realizar a multiplicação nas propriedades  rurais e o (caminho ficará livre apenas para os bioinsumos comerciais). 

A grande questão a ser colocada será quem poderá realizar a multiplicação de micro organismos para uso na agricultura. Serão grandes empresas nacionais ou transacionais?  Serão agricultores que multiplicarão em suas propriedades pequenas, médias e grandes? Serão pequenos agricultores que, além da multiplicação na propriedade, poderão realizá la através de grupos de OCS, associações e cooperativas? Ou todos poderão coexistir  dentro de um marco regulatório equilibrado e adaptado a distintas realidades e condições  econômicas?  

Apenas para exemplificar o debate, um pequeno agricultor ao multiplicar uma bactéria  para seu uso avalia sua eficiência pelo resultado prático ao realizar o controle e aplicação  na lavoura. Esta unidade de multiplicação “on farm”, devido ao pequeno volume a ser  multiplicado requer uma estrutura muito mais simples, desde que observados os mínimos  critérios de higiene e limpeza do ambiente. A geração de resíduos será praticamente nula,  sendo uma atividade de baixíssimo risco. 

Por fim, o que está em jogo é se essas tecnologias de produção de bioinsumos “on farm”  poderão seguir sendo usadas pelos agricultores, e ainda mais democratizadas com 

políticas públicas de fomento, ou se as grandes transnacionais irão se apropriar dessas  tecnologias para turbinar os seus lucros nesse novo modelo de agricultura que está se  desenhando. 

Está em jogo, se os agricultores poderão conquistar uma maior autonomia no processo  produtivo ou serão condenados a apenas substituir o pacote tecnológico do químico para  o biológico. No atual momento é necessário e urgente discutir essa temática.  

* José Luis Rodrigues (Patrola) é agricultor orgânico assentado em Viamao/RS; Mauricio Piccin  é agricultor em General Camara/RS e veterinário