Campo e Cidade
Seminário sobre trabalho de base urbano reúne cerca de 100 militantes na ENFF
Por Ednubia Ghisi
Do Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
O plantio de uma muda de ipê-amarelo, colocada na terra por três crianças filhas de militantes de Curitiba, sintetizou a mística do Seminário Sobre Trabalho de Base Urbano, realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), durante o último sábado e domingo (4 e 5/02). A Plenária Rosa Luxemburgo recebeu os mais de 100 militantes durante os dois dias de programação intensa.
A maioria do público foi de pessoas do Paraná, integrantes do Coletivo Marmitas da Terra, da articulação Despejo Zero de luta por moradia, de entidades sindicais, de Comitês Populares, do Instituto Democracia Popular (IDP), do Movimento Popular por Moradia, entre outros. Na manhã do primeiro dia, estudantes e professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também participaram da formação. O encontro foi realizado pelo MST Paraná e pelo Marmitas da Terra, em conjunto com a ENFF.
A formação teve como objetivo estudar a realidade brasileira no mundo urbano, para a continuidade da organização popular nos territórios de Curitiba e Região Metropolitana. Adriana Oliveira, integrante da coordenação do Coletivo Marmitas da Terra e do MST-PR, explica que a viagem de mais de 480 quilômetros de militantes paranaenses até a Florestan também teve como intenção alimentar a mística da luta, dos valores militantes, do cuidado, da afetividade e da solidariedade como um princípio.
“A Clarinha, o Raul e Sofia com certeza vão poder viver outras relações e um mundo melhor, porque nós estamos trabalhando juntos a partir da solidariedade e da organização popular, e construindo outras possibilidades de relações mais justas e igualitárias”, disse a dirigente, se referindo às três crianças que participaram do plantio e o público participante do encontro.
Estudo e cultivo da utopia na Escola Nacional do MST
Uma visita guiada pela ENFF abriu a programação do encontro e garantiu que todo o grupo pudesse passar por cada parte da escola: desde o Campo de Futebol Sócrates Brasileiro até o espaço Germinal, criado há cerca de um ano, onde estão depositadas as cinzas de companheiros e companheiras de lutas que já faleceram. Quem conduziu a caminhada foram moradores da escola integrantes da brigada Apolônio de Carvalho, participam da Coordenação Político-pedagógica da Florestan.
Cecile Grenier faz parte do coletivo de pessoas que produziu e distribuiu mais de 180 mil refeições toda semana, desde o primeiro ano da pandemia da Covid-19, por meio das Marmitas da Terra. Somado à qualidade da formação ao longo dos dois dias, ela enfatizou o simbolismo da própria escola como espaço formativo e místico:
“A ENFF não se explica, se sente, e esperamos estar todos de coração pulsando para contagiar mais pessoas a lutar. Esse encontro vem alimentar o esperançar. Somos muitos os que queremos ver mudança nesse país”.
As aulas e exposições ficaram por conta de militantes do MST que trouxeram os principais conceitos e teorias de referência para o método de organização do Movimento. João Pedro Stédile, integrante da direção nacional do MST, trouxe a formação sobre os fundamentos, a estrutura e as tendências do capitalismo hoje.
O tema da hegemonia e da batalha das Ideias para a construção do projeto popular para o Brasil foi apresentado por Geraldo Gasparin, integrante da Coordenação Político-Pedagógica da ENFF. Já a companheira Rosana Fernandes, coordenadora da Florestan, tratou sobre a mística e os valores socialista da militância no trabalho de base.
A questão Urbana e as iniciativas: social, popular, pública e política foi o tema trabalhado pela professora Maria Lucia Refinetti, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Ela é membro da coordenação da rede BrCidades, da Frente Brasil Popular, que organizou um projeto para construção de cidades democráticas e inteligentes.
Diversidade para o enraizamento nos territórios
Estiveram presente pessoas de diferentes idades, origens, profissões, locais de atuação e experiências de organização popular. Em meio à diversidade, a marca comum do grupo de participantes do Seminário é serem militantes ativos neste último período da história do Brasil. Roberto Baggio, da direção do MST, elencou as três principais batalhas vitoriosas da conjuntura recente, que contaram com a dedicação direta de muitos destes militantes:
A primeira foi a libertação de Lula, conquistada pela força popular organizada. “Não foi fácil. Usamos um método político inovador e com pauta essencialmente política”, disse, se referindo à organização da Vigília Lula Livre, mantida ao longo dos 580 dias de prisão injusta de Lula, de abril de 2018 a novembro de 2019, em Curitiba.
A segunda ocorreu a partir da pandemia da Covid-19: “Com as ações de solidariedade, vivemos um antagonismo à morte, levando a vida e avançando em organização, com o componente central da partilha dos alimentos”.
No Paraná, foram partilhados mais de mil toneladas de alimentos da Reforma Agrária pelas famílias Sem Terra, e cerca de 180 mil Marmitas da Terra em Curitiba e região. Milhares de outras ações solidárias foram realizadas neste período. “A solidariedade é uma luta anticapitalista, que enfrenta a fome com ações concretas, e que também nos constrói enquanto seres humanos melhores”, reforçou Adriana Oliveira.
A terceira e mais recente batalha listada por Baggio foi a eleitoral, com a eleição de Lula presidente da república. O dirigente reforçou o papel dos Comitês Populares para garantir a organização da campanha para derrotar o projeto neofascista que estava no poder.
Como desafios para o novo momento pelo qual o Brasil atravessa, Baggio, frisou a necessidade de priorizar as ações e o fortalecimento dos territórios, com formação, organização e lutas por demandas concretas da população. Cada participante do seminário recebeu gratuitamente oito livros da Expressão Popular, como incentivo à continuidade do estudo. Nas próximas semanas serão organizados encontros para leitura e diálogo sobre as publicações.
“É preciso inventar o Brasil que a gente quer”
A formação teórica e cultural ganhou um elemento especial na programação do Seminário, com a visita à exposição “Utopia Brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos”, no SESC-SP, em São Paulo. Por meio de vídeos, fotos, objetos pessoais e cartas, a exposição apresenta este antropólogo, educador, romancista e pensador que amou profundamente o Brasil e o seu povo.
Mineiro de nascimento, Darcy Ribeiro defendia a necessidade de o Brasil conhecer profundamente seu povo. Ele morou dez anos com povos indígenas, nos anos de 1940. Grande educador, criou a Universidade de Brasília e outras escolas, e acreditava na educação de qualidade como caminho de transformação. Atuou também no campo institucional como Ministro da Educação e Chefe da Casa Civil do governo João Goulart. Escreveu a primeira lei da reforma agrária do Brasil, que não foi implementada.
A curadora da exposição, Isa Grinspum Ferraz, socióloga, cineasta e documentarista, acompanhou a visita de perto e conversou com o coletivo de militantes. Ela enfatizou a intenção de trazer o pensamento vivo de Darcy, muito atual para os dias de hoje. “É como se ele estivesse mandando um recado pra nós que estamos aqui hoje: ‘Vamos repensar esse país e reinventar o Brasil que a gente quer’, e pra isso é preciso conhecer o Brasil”.
“É uma alegria estar aqui hoje recebendo um grupo de quase 100 pessoas do MST. Isso me emociona enormemente, porque talvez seja a melhor visita que já foi feita aqui nesta exposição”, disse a curadora. Ela e outros integrantes da equipe da exposição foram presenteados pela coordenação do seminário com bonés do MST.
A exposição está no SESC 24 de Maio, Rua 24 de Maio, 109, República (SP). De terça a sábado, das 9h às 21h, e domingos e feriados, das 9h às 18h, com entrada gratuita.
Confira abaixo a poesia do militante Leonardo Henrique, integrante do coletivo Marmitas da Terra e do Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR, produzida durante o Seminário:
“Uma nova terra chamada liberdade
O Brasil que Darcy viu
Idealizado pela utopia
Que potencializamos com agroecologia
Nos inspira ao fazer, não ao faria
O horizonte que se encontra no mar
Reflete os belos sonhos para lutar melhor
Guiam os passos do esperançar
E o coletivo tornar mais forte
Terminar uma etapa não significa o fim
Os ciclos representam uma nova agrofloresta a ser cultivada
Por você e por mim
Com as mãos que tocam o violão e seguram o cabo da enxada
Ainda que os pássaros sempre cantem mais um amanhecer
A morte deve ser chorada
Pois há muitos desafios nessa luta permanente
E leva tempo, que assim como o vento, não dá pra ver mas se sente
Plantar uma árvore significa construir outra realidade
Tornar possível um futuro
Que não haja mais nenhum muro
Para filhas e filhos desta terra viva chamada liberdade”.
*Editado por Solange Engelmann