Mulheres Sem Terra
Em Jornada, Mulheres reivindicam Reforma Agrária Popular contra o agronegócio
Da Página do MST
Neste primeiro de março, iniciamos mais um mês em que as mulheres Sem Terra lembram e reafirmam suas lutas e resistência, voltadas aos preparativos da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra 2023. Com o lema “O agronegócio lucra com a fome e a violência. Por Terra e democracia, mulheres em resistência!”, as Sem Terra tem a expectativa de promover atividades que vão desde ações de formação, lutas massivas, até ações de plantio de árvores e solidariedade contra a fome que assola o país.
O novo governo do presidente Lula traz desafios e esperanças para esta jornada, que prevê negociações com o governo federal e estaduais sobre as demandas das mulheres Sem Terra para o próximo período. Lula recebeu mais votos femininos que masculinos, e onze dos 37 ministros são mulheres, um recorde no país.
Mas as lutas massivas de denúncia contra o agronegócio e a promoção de um projeto para agricultura familiar camponesa também são pontos essenciais para esta jornada. Confira abaixo a entrevista com Lucineia Freitas, da direção nacional do setor de gênero do MST, sobre as perspectivas e temáticas da Jornada deste ano:
Este ano, a Jornada das Mulheres Sem Terra denuncia as violências do agronegócio. Como a luta pela Reforma Agrária Popular está inserida nesta denúncia?
O agronegócio, apesar de toda campanha publicitária na construção de uma imagem de “pop”, “sustentável” e “desenvolvido” – expressão do progresso nos rincões do Brasil-, ele se estrutura sobre relações de violências contra a natureza, no uso de agrotóxicos, na expansão sobre os biomas, na supressão de vegetação nativa; mas, também atua sobre os seres humanos, seja pelos conflitos no campo, que aumentou nos últimos anos impactando a vida de milhares de trabalhadora e trabalhadores, povos e comunidades do campo, das florestas e das águas. Seja na ocorrência do trabalho escravizado, como as recentes denuncias sobre a escravização na produção da uva, seja na violência contra as mulheres que também tem aumentado com o crescimento da violência social e da fome.
Assim, a efetivação da reforma agrária é necessariamente um enfrentamento ao agronegócio, e esses problemas só são possíveis de serem enfrentados com a sua realização. Dessa forma, quando as mulheres denunciam essa violência do agro-golpe-tóxico-negócio, elas pautam a necessidade de um modelo de desenvolvimento do campo diferente, que possibilite a produção de alimentos saudáveis pela agroecologia, que enfrente a violência contra a natureza e as questões ambientais, e que projete territórios livres de violência através de relações sociais e humanas emancipadas.
O combate à fome e à insegurança alimentar atinge, em grande parte, as mulheres do país e é a linha de frente colocada por este novo Governo Lula. Como o MST está inserido nesta batalha contra a fome?
É importante destacar que a fome tem rosto e gênero – é feminina e preta, pois as pessoas mais afetadas pela fome são as mulheres negras e suas famílias, tanto que se fala na feminização da pobreza.
A fome tem múltiplos fatores, como a desestruturação do mundo do trabalho e a questão agrária, que mantém imensos latifúndios para a produção de commodities, como observamos no ultimo período. Quanto mais aumentava os lucros das exportações, maiores os dados da fome e da insegurança alimentar.
O enfrentamento da fome deve necessariamente passar por políticas públicas emergenciais, como a reconstrução dos programas de distribuição de renda, de acesso a alimentos (como os restaurantes públicos), o Programa Nacional de Alimentação Escolar [PNAE], o acesso à moradia.
No entanto, é essencial que o Estado implemente políticas estruturais que vão desde a reestruturação das leis trabalhistas, de forma a garantir direitos às trabalhadoras/es, mas também ações que reestruturem o campo e a produção agropecuária. Essas ações vão desde a demarcação dos territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhas etc, mas também com realização de assentamentos de reforma agrária.
É importante destacar ainda que essas ações de acesso à terra devem estar vinculadas com ações de apoio produtivo, desde os fomentos, créditos para produção, agroindustrialização, políticas de transporte e comercialização; de abastecimento de água e produção de energia, somados à políticas públicas de saúde, educação, cultura. Ou seja, ações que contemplem os direitos das pessoas.
Assim, o MST está inserido nessa luta contra a fome a partir da construção da luta contra o agronegócio, pelo acesso à terra, e pela construção da Reforma Agrária Popular. A terra como elemento essencial para a produção de alimentos saudáveis e enfrentamento à fome, e temos demonstrado isso com as sucessivas Jornadas de Solidariedade Sem Terra. Mas é a terra também como possibilidade de proporcionar vida digna às pessoas, assentando-as e garantindo a produção. A terra como geradora de vida.
O agronegócio está associado também à violência de gênero, quando falamos em trabalho escravo e uso exacerbado de agrotóxicos, por exemplo. Quais ações serão trazidas com o objetivo de reforçar o direito das mulheres hoje?
O agronegócio está vinculado a diversos processo de violências na questão ambiental. A agropecuária provocou 97% do desmatamento de vegetação nativa do país, principalmente nos biomas Amazônico, do Cerrado e da Caatinga. Também é responsável por manter o país com uma das mais altas taxas de uso de agrotóxicos, sendo esses detectados, além dos próprios alimentos e na água que abastece as casas nas cidades, também em amostras de sangue e do leite materno. Os mesmos agrotóxicos estão vinculados a diversos processos de adoecimento, como a má formação fetal, formação, cânceres, distúrbios hormonais, dentre outros.
Esse modelo de produção também está vinculado ao trabalho escravo contemporâneo, sendo que, no ano de 2022, mesmo com a justiça do trabalho sucateada, foram resgatados 2.575 trabalhadoras/es em condições análogas à escravidão; dentre eles 35 eram crianças e adolescentes, e 85% em atividades rurais.
Quando olhamos os dados da violência de gênero e da violência racial, temos que entender como as relações sociais desse modelo de produção constroem uma sociedade fraturada, que normaliza a violência nas relações humanas. E mais do que normalizar, potencializa os lucros em cima disso.
Por isso a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra terá ações em dois campos: um de denúncia do agronegócio, com ações de formação, mobilização, panfletagem; e outro de anúncio da agroecologia e da Reforma Agrária Popular, com plantio de árvores, ações de solidariedade, distribuição de alimentos preparados e de cesta, feiras e de doações de sangue, diálogos em praças e outros espaços públicos. Além disso, a jornada apresentará ao governo federal e aos governos estaduais a pauta de luta para a garantia de vida digna no campo.
Por fim, a defesa da democracia foi um tema importante nos últimos meses e também está presente no lema desta jornada. Como a dimensão política está colocada nesta jornada?
A defesa da democracia está colocada em todas as ações que serão desenvolvidas, em especial na denúncia do agronegócio, porque compreendemos que existe um “agrogolpismo”, que lucra com as políticas de retirada de direitos e de desregulamentação social, trabalhista e ambiental. Por isso, houve uma expressiva atuação dos ruralista no golpe contra a presidente Dilma, e por isso também estes seguiram atuando na defesa do governo genocida de Bolsonaro e estão sendo investigados pelos atos antidemocrático.
E democracia também nas ações de anúncio da agroecologia e da Reforma Agrária Popular, pois só com o aprofundamento da democracia pode-se efetivamente enfrentar a fome, as violências no campo, de gênero, raciais, e construir possibilidade de vida digna para todos.
Em cada ação de solidariedade, em cada panfletaço, faixaço, em cada gota de sangue doada, a defesa da democracia tem e terá centralidade em nosso diálogo.
*Editado por Solange Engelmann