Alimentos Saudáveis

Cooperativas do campo melhoram condições de vida em assentamentos

Produtos da reforma agrária, como uva, arroz orgânico e leite são livres de trabalho escravo e geram dignidade em cooperativas do campo
Mulher e homem com boné camiseta e calças, em campo de arroz segurando cachos do produto
Arroz Agroecológico no RS é uma das principais cadeias de produção das cooperativas do campo, ligadas ao MST. Foto: Alex Garcia

Por Maiara Rauber e Solange Engelmann
Da Página do MST

No ano passado, o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão no Brasil registrou o maior número, desde 2013, ano em que foram resgatados 2.808 trabalhadores. As informações são do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Realidade bem diferente ocorre nas cooperativas do campo, ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que produzem alimentos da reforma agrária no Rio Grande do Sul.

Fruto da busca pela ampliação dos lucros de alguns empresários e patrões, em detrimento da vida dos trabalhadores/as, em dia 22 de fevereiro deste ano, 207 trabalhadores foram resgatados de um alojamento na cidade de Bento Gonçalves, no RS. No local os trabalhadores eram submetidos a condições degradantes de sobrevivência e trabalho análogo à escravidão durante a colheita da uva.

Em 2022 o país bateu a marca de mais de 60 mil trabalhadores/as resgatados em situação de escravidão desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, em maio de 1995. Os dados levantam novos alertas sobre como o Governo Bolsonaro piorou, as já precárias condições de vida dos trabalhadores/as brasileiros, ampliando a terceirização e a exploração, além de desestruturar os órgãos de fiscalização.

Fonte: Secretaria de Inspeção do Trabalho

A estarrecedora escravidão “moderna” encontrada no Sul do país vai na contramão dos princípios de luta do MST, pela democratização da terra e reforma agrária no país, praticadas em quase 40 anos. O Movimento também tem buscado garantir a produção de alimentos saudáveis, com a criação de associações, cooperativas do campo de produção coletivas e comercialização.

O dirigente do MST no Rio Grande do Sul, Cedenir de Oliveira, explica que o MST ao longo da sua história realiza um debate sobre a cooperação agrícola entre as famílias assentadas, em grupos coletivos, com mutirões, até um processo mais complexo, na formação de diversas associações e cooperativas do campo.

Rosto de homem com boné vermelho e camisa azul, às esquerda.
Cedenir de Oliveira. Foto: Joana Berwanger/Sul21

A cooperativa articula as vendas no mercado convencional e nos mercados institucionais, como é o caso da merenda escolar, o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. Temos um amplo processo de acompanhamento às nossas cooperativas, para elevar a venda desses produtos e trazer melhorias de vida para as famílias que se encontram assentadas”, comenta Cedenir.

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Papel das cooperativas do campo em assentamentos do MST

Atualmente o MST conta com 160 cooperativas do campo, 120 agroindústrias e 1900 associações em todo o Brasil, que atuam no fortalecimento da solidariedade Sem Terra e promovem a melhorias na produção dos assentamentos, além de estabelecer relações de trabalho mais igualitárias e melhorar a renda das famílias assentadas.

Mulher de calça preta, camiseta vermelha e máscara, segurando caixa de leite entre outras caixas de leite e bandeira do MST ao fundo.
O leite é outra linha de produção importante para o MST no Sul, comercializado pela cooperativas do campo. Foto: Joka Madruga

Portanto, além de organizar a comercialização dos assentamentos, Cedenir ressalta que as cooperativas do campo do MST no RS também realizam um trabalho importante na humanização das relações sociais.

“Nossas cooperativas também carregam em si um aspecto social de enfrentamento às contradições que hoje permanecem nas relações de trabalho e na reconstrução de uma sociedade mais justa e mais igualitária”, pontua.

Entre as famílias assentadas que participam das cooperativas do MST, são estabelecidas relações de cooperação, em que as pessoas se tornam sócias das cooperativas do campo e participam dos conselhos administrativos, com poder de decisão.

Dessa forma, as famílias assentadas tem autonomia para questionar, discordar e propor alternativas para melhorar a entidade, construindo relações mais equilibradas entre os assentados e a cooperativa, da qual participam. Já em relação às pessoas que trabalham nas cooperativas como prestadores de serviço, o dirigente relata que se estabelecem contratos a partir das normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

A produção nas cooperativas do campo do MST

Com foco na cooperação e criação de cooperativas com campo com a intenção na melhoria de vida e rendas nos assentamentos, aliado à massificação da agroecologia nessas áreas, o MST no RS tem como principais linhas de produção as cadeias do leite, arroz orgânico, suco de uva e feijão, todas livres de trabalho escravo.

Mulher de blusa azul e chapéu segura cachos de uva verdes.
Na ultima safra, os assentamentos do MST no RS produziram 3 milhões de litros de suco de uva, beneficiados pelas cooperativas do campo. Foto: Maiara Rauber

“A partir dessa produção primária nos organizamos na produção de vários industrializados para pôr no mercado, como leite em pó, leite longa vida, iogurtes, queijos, manteiga, arroz integral, arroz polido, arroz parabolizado, bolacha de arroz, cereais matinais, e barras de cereais, e os sucos de uva integrais, em vários tamanhos de embalagens”, conta o assentado e membro da Cooperativa Terra Livre, Djones Zucolotto.

O integrante do setor de produção do MST no RS, Adalberto Martins, também ressalta que a produção do MST na Serra Gaúcha, ganha força com o cultivo de frutas como a amora, pêssego e o beneficiamento dessas frutas, em doces, conservas e sucos. As famílias assentadas cultivam ainda feijão, mandiocas, batata doce, leite e a soja, além da coleta de Pinhão nas áreas serranas.

Mãos de uma pessoa segurando arroz, com saco de arroz ao fundo.
Foto: Alex Garcia

Entre as cadeias de produção, um dos carros chefes das cooperativas do campo do MST no estado é a produção do arroz orgânico, que tem mantido o Movimento há mais de dez anos na liderança do ranking de maior produtor do alimento orgânico do Brasil e da América Latina, segundo o Instituto Riograndense de Arroz (Irga). Confira também, repercussão no Jornal da TVT:

Todos anos o MST no RS e o Grupo Gestor do Arroz Orgânico realizam a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico. Este ano a 20º edição da festa foi realizada no dia 17 de março, no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, região Metropolitana de Porto Alegre; confira!

Já em relação ao volume de produção das cooperativas do campo do MST no estado, Djones explica que hoje a maior quantidade está no arroz orgânico, leite e o suco de uva.

Na cadeia do leite as nossas cooperativas têm uma produção mensal de cerca de 2 milhões de litros, aproximadamente 350 mil sacas de arroz, e 3 milhões de litros de suco de uva, produzidos na última safra. Temos ainda um volume expressivo de outros alimentos produzidos pelas famílias para subsistência como hortaliças, frutas, legumes.”

A venda dos produtos da reforma agrária, que são cultivados nos assentamentos do MST no estado é feita por cooperativas do campo, como a Cooperativa Terra Livre, responsável pela organização de diversas cooperativas de assentados e agricultores familiares, possibilitando acesso ao mercado de forma justa e valorizando os produtos e os produtores.

Homem da camisa cinza, conversando com mulher da camisa azul, calça preta e caderno, ao lado de banca de alimentos.
Produtos da Reforma Agrária no RS são comercializados pela Cooperativa Terra Livre e na Rede Armazéns do Campo na capital gaúcha e em todo o país. Foto: Maiara Rauber

“A Terra Livre tem a função de contribuir no processo de venda dos alimentos produzidos nos nossos assentamentos, principalmente aquilo que é produzido em escala, como o leite, arroz orgânico, sucos e feijão. Viabilizando economicamente as nossas famílias camponesas, de maneira que consigam ter uma vida digna no campo”, ressalta Djones.

MST incentiva cooperação entre as famílias assentadas

Quanto ao trabalho de cooperação do MST e a relação das cooperativas do campo do Movimento com as famílias assentadas, Martins expõe que a prioridade tem sido buscar mecanismos para garantir a organização em torno da produção de diferentes formas.

“O MST insiste na organização de base destes agricultores, seja via Grupo de Produção, Grupos de Certificação. A orientação é reunir as famílias e debater suas atividades no assentamento. Outra modalidade são as cooperativas plenamente coletivas, onde a terra, o trabalho e o capital são gestados coletivamente”, explica. 

O MST desenvolve um trabalho de cooperação com as famílias em áreas de acampamentos e assentamentos, que consiste em organizar as famílias em Núcleos de Bases (NBs). O princípio básico da cooperação é compreender as necessidades das famílias e auxiliar em processos organizativos com o intuito de superar as diversas dificuldades no âmbito da preparação do solo, dos cultivos, beneficiamento, deslocamento dos produtos para os mercados e da própria comercialização.

Para Adalberto, a cooperação no MST acontece em dois níveis: um mais simples na organização para ajuda mútua entre as famílias e num segundo nível mais complexo, que necessita de mais investimentos e organização, em que, geralmente, se desenvolve um empreendimento econômico coletivo, como uma cooperativa ou associação. “É uma cooperação que envolve muitas famílias e um volume maior de recursos. O exemplo desta modalidade de cooperação são as Agroindústrias Cooperativas (Laticínios, Frigoríficos, Engenhos de Grãos, etc).” 

A fala do dirigente demonstra como a cooperação agrícola organizada pelo MST é uma necessidade objetiva e concreta das famílias assentadas no processo produtivo. “A linha política é organizar às várias modalidades de cooperação entre as famílias assentadas ou acampadas. Por outro lado, o MST, desenvolve processos formativos em sua base, como cursos formais, a exemplo do Curso Técnico de Administração de Cooperativas (TAC)”, ressalta Adalberto.

O curso do TAC é realizado no instituto Josué de castro (IEJC), no Assentamento Filhos de Sepé Viamão/RS. O MST também discute a cooperação agrícola e a formação das cooperativas em cursos de formação política e técnica nos diversos territórios, além de cursos técnicos formais, de graduação e pós-graduação ligados aos centros de formações estaduais e à Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP).

A partir do início dos anos 2000, com o avanço na exploração do capitalismo no campo, por meio da consolidação do modelo do agronegócio que passa a usar tecnologias mais excludentes, combinadas ao uso excessivo de agrotóxicos e a inserção de transgênicos; o MST entende que a agroecologia oferece maiores condições de atender as necessidades de produção e sobrevivência das famílias assentadas. A partir disso, juntamente com a luta pela reforma agrária, articula a luta pela soberania alimentar e a mudança do modelo agrícola para a produção agroecológica, em equilíbrio com a natureza e o ser humano.

Onde encontrar os produtos das cooperativas do campo, ligadas ao MST?

Você encontra os produtos da Reforma Agrária Popular do RS em feiras, mercados locais, regionais e nacional, na Rede Armazém do Campo, presente em diversas cidades do país, com entrega à domicilio pela internet na loja online e no Armazém do Campo em Porto Alegre, localizado na Rua José do Patrocínio, 888.

Em Porto Alegre e região metropolitana, os pedidos também podem ser feito pelo contato: 51999814837 (WhatsApp) ou pelo e-mail: [email protected]

Também é possível encontrar os produtos do Armazém do Campo de Porto Alegre no Instagram armazemdocampo.poa, no Facebook Armazém do Campo — POA ou através do site da Cooperativa Terra Livre.