Agronegócio
Impactos da mineração e as ocupações populares em rodovias baianas
Por Ananda Ridart
Da página do MAM
Nas entrelinhas das lutas populares encontramos muitas das respostas para paradigmas que o “desenvolvimento” prometido pela atividade de exploração mineral nos traz. A luta de comunidades tradicionais para combater violações de direitos como o de ir e vir, de acessar adequadamente a água potável e da continuidade de atividades econômicas como a agricultura familiar de maneira saudável vem ganhando espaço no estado da Bahia e, em comum, está a forma irresponsável pela qual a atividade da mineração é exercida nesses territórios.
Em Licínio de Almeida, no Alto Sertão da Bahia, foram necessários mais de 100 dias de ocupação de um trecho da rodovia BA-156, para que a Bahia Mineração (BAMIN) resolvesse atender parte das reivindicações das famílias afetadas por toda a problemática da extração de minério de ferro na região. Isso porque a mineradora já apresenta um amplo histórico de violações em território baiano, como o desmantelamento em áreas de comunidades quilombola (a exemplo de Antas e Palmito), a ameaça constante da bacia hídrica das regiões devido à contaminação dos lençóis freáticos e a falta da indicação no EIA/RIMA de que famílias da região dependem da água das nascentes da Pedra de Ferro, apontada em pesquisa por Fernanda Oliveira Rodrigues, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Comunidades de Sento Sé, no norte da Bahia, ocuparam trecho da BA-210 no último dia 30 de janeiro em manifestação contra os impactos causados pela Tombador Iron Mineração, que pretende explorar minério de ferro na Serra da Bicuda através do Projeto Tombador, afetando a vida de comunidades tradicionais ribeirinhas e de fundo de pasto. Essa foi mais uma vez em que trabalhadores rurais e pescadores denunciaram a forma que os responsáveis por esse projeto tratam as comunidades tradicionais, violando direitos garantidos, a exemplo da ausência da consulta prévia, livre e informada, garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que deve ser feita a comunidades tradicionais e indígenas antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos.
Em ambas ocupações, as reivindicações giram em torno de impactos causados pelas mineradoras, tais como a falta de segurança hídrica na região, danos à saúde com a contaminação do ar pelo pó do minério em seu transporte e armazenamento, por problemas na pavimentação das estradas e pela ameaça à atividade da agricultura familiar das regiões.
“Um dos conflitos principais recentes é a contaminação da água. Eles têm perfurado o solo para fazer a exploração de minério e isso tem contaminado os lençóis freáticos. Ou seja: a população é contaminada e as áreas de plantio das famílias são contaminadas. Então é a questão da saúde, do bem-estar e da economia local que estão sendo prejudicadas. Nós cansamos de viver assim”, comenta o estudante de Geografia Rafael Augusto, que é morador do município de Caetité, próximo a Licínio, onde o conflito vivido hoje vem sendo gestado desde 2008 e tem se intensificado com a mineração do ferro que desencadeou uma série de impactos e conflitos com as comunidades de até 10km de distância da mina.
Segundo o EIA-RIMA apresentado pela BAMIN, as comunidades de Antas e Palmito, que viviam na região, foram desmanteladas e fragmentadas sob a promessa de que seriam realocadas para um outro lugar. Hoje, eles precisam andar quase 10 km para chegar em casa do local de plantio, e o lugar não tem acesso a água, impedindo as plantações.
Outro agravante é a contaminação do ar, pois o trânsito de caminhões abertos carregando minério de ferro espalham pó pelo solo, ar e casas, e isso tem causado aumento do trabalho doméstico, dificultado a coleta de água da chuva pelo telhado através de cisternas de consumo, além da contaminação e proliferação de doenças respiratórias.
“É possível identificar, junto às farmácias, o aumento de consumo de antialérgicos e remédios para doenças respiratórias. Nossas crianças não param de adoecer e, para tentar amenizar a questão da poeira, eles retiram água de poços artesianos para molhar as estradas. Para nós, isso é um desperdício de água potável da população. São muitas as violações”, comenta a engenheira agrônoma Juvenice de Souza, moradora de Licínio de Almeida.
Conquistas pela luta popular
No caso de Licínio de Almeida, após mais de 100 dias de ocupação e de muita luta popular, uma reunião com a Secretaria de Infraestrutura da Bahia (SEINFRA) determinou que, para a continuidade das atividades, a BAMIN deverá:
1. Manter um batedor com bandeiras e sinalização para acompanhar a velocidade dos caminhões na Via;
2. Ter o carro-pipa molhando a estrada para a passagem;
3. Avaliar a viabilidade de utilizar a água da Mina de Ametista, para não prejudicar os lençóis freáticos da região.
Já pela competência da SEINFRA, serão realizados:
1. A pavimentação da Via entre as comunidades impactadas, onde ficou registrada a necessidade de adicionar sinalização em 1,7 km em Boiada, 2 km em São Domingos e mais km em Riacho Fundo, com um trecho total ainda em avaliação (entre 6 e 12 km);
2. Sinalizar qual a Autorização Especial de Tráfego, que regula a quantidade de viagens feitas pela empresa (hoje, a BAMIN está autorizada a fazer 25 viagens diárias no trecho);
3. Disponibilizar carros da Polícia Rodoviária Estadual para monitoramento do fluxo de caminhões nos primeiros dias em que a empresa retomar o tráfego na pista.
Já os moradores/as de comunidades tradicionais ribeirinhas de Sento Sé, que ocupavam um trecho da BA-210 desde o dia 30 de janeiro, foram surpreendidos no último dia 10 com um mandado de reintegração de posse. Policiais militares foram até o acampamento cumprir a decisão judicial que favoreceu a Tombador Iron Mineração. O desbloqueio da rodovia aconteceu sem nenhuma resposta, proposta ou negociação sobre a principal pauta do protesto: o asfaltamento da estrada que liga Ponta D’Água à sede do município, cerca de 100 quilômetros que atravessa 11 comunidades.
Foram 12 dias de intensa mobilização das comunidades atingidas pela mineração com o objetivo de chamar a atenção dos órgãos públicos para os problemas que a população tem enfrentado. No dia 7 de fevereiro, os/as manifestantes chegaram a enviar um ofício à Prefeitura solicitando uma audiência para tratar sobre o assunto. No entanto, diferente do que foi anunciado na imprensa, a Prefeitura não deu retorno sobre o pedido.
“Não apareceu ninguém, nem prefeita, nem vereadores, nem do Governo do Estado. O sentimento é de muita indignação, para os nossos governantes nós somos invisíveis, ninguém liga se a gente sofrer um acidente. Os impactos causados por essa mineradora são horríveis e essa questão da estrada é urgente”, desabafou a professora Sônia Maria de Oliveira da comunidade Pascoal.
A mobilização das comunidades ribeirinhas contra os impactos da Tombador Iron Mineração já dura mais de três anos. Durante todo esse tempo, a população tem denunciado, de diversas formas, os prejuízos socioambientais causados pela empresa e a piora na qualidade de vida das comunidades. Apesar da decisão judicial, que encerrou a ocupação na estrada, a luta por direitos básicos continua até que os/as trabalhadores/as rurais e pescadores/as sejam ouvidos/as.
Breve histórico da BAMIN
A Bahia Mineração (BAMIN) liderou o projeto Complexo Logístico Intermodal Porto Sul (CLIPS) na região do sul da Bahia. Esse Complexo foi organizado em três estruturas com licenciamentos separados, mas que estão interligados em um mesmo projeto. Essas estruturas são: a mina Pedra de Ferro, localizada no município de Caetité (BA), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que atravessa 47 municípios baianos, e o Porto Sul, localizado no município de Ilhéus.
A BAMIN é comandada pelo grupo Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), do Cazaquistão, que foi investigado pelo Escritório de Fraudes Sérias da Inglaterra por esquemas de corrupção, que anunciou, em 2021, um possível faturamento de R$2 bilhões/ano. O projeto de mineração na região do Alto Sertão pela BAMIN tem extraído cerca de 1 milhão de toneladas de minério de ferro da Mina Pedra de Ferro por ano, desde o segundo semestre de 2020. Apesar da exploração de ferro ser recente, os conflitos com o projeto minerário têm se intensificado nos últimos 14 anos.
Breve histórico da Tombador Iron Mineração
A Tombador Iron Mineração – antes chamada Colomi Iron Mineração – tem obtido autorizações das autoridades estaduais e municipais da Bahia, que concederam licenças ambientais e autorizações de uso do solo. Em Sento Sé, norte da Bahia, comunidades rurais têm vivido os impactos da instalação de um empreendimento de exploração mineral que, de acordo com os moradores, vem tirando a paz do município com cerca de 50.000 habitantes, na região do vale do rio São Francisco. Trata-se da instalação da empresa Tombador Iron Mineração, que se prepara para explorar os minérios de ferro encontrados no subsolo da região.
Os/as moradores/as de Sento Sé sentem os efeitos de uma tripla expropriação, já que a cidade já sofreu historicamente com a transposição de seus habitantes. Primeiro, pela instalação de uma usina hidrelétrica (UHE); depois, pela instalação de usinas eólicas e, mais recentemente, tem se consolidado um processo de perda de direitos de territórios tradicionais em decorrência da exploração mineral.
*Com informações da CPT Bahia e do Mapa de Conflitos Ensp/Fiocruz.