Mulheres Sem Terra
Em semana de luta, mulheres Sem Terra avançam em negociações
Da Página do MST
A última semana foi marcada pelos aromas de luta e resistência das Mulheres Sem Terra em todo país. Com ações em 23 estados, no Distrito Federal e na Zâmbia, elas denunciaram o agronegócio, a fome e miséria produzidas por ele e exigiram uma reforma agrária como forma de superação destes males. A Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra marca o primeiro processo de mobilização nacional do MST e este ano trouxe o lema: “O agronegócio lucra com a fome e a violência. Por Terra e Democracia, mulheres em resistência!”.
Resultado das ações da Jornada, uma representação das mulheres da Coordenação Nacional do MST realizou uma série de reuniões e encontros em órgãos federais em Brasília, DF, para pressionar o governo a retomar políticas de reforma agrária e incentivo à produção.
As Mulheres visitaram o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; das Mulheres; da Educação; do Desenvolvimento Social; dos Direitos Humanos e Cidadania; Igualdade Racial; da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; da Integração Regional e; da Cultura. Além disso, fizeram reuniões no INCRA e na Secretaria-Geral da Presidência. E, junto com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, estiveram na Anvisa e no Ibama.
Na avaliação de Lucineia Freitas, da direção nacional do Setor de Gênero do MST, a rodada de negociações trouxe importantes avanços. “Saímos com a certeza de que temos, de novo, canais de diálogo com o estado”, afirmou Freitas. Para a dirigente, estes canais asseguram a possibilidade de apresentação das pautas do MST de garantia de direitos que melhorem a vida da população.
“Nossa pauta envolveu desde o acesso à terra, passando pelo cadastramento das famílias, até seu efetivo assentamento e desenvolvimento dos assentamentos”, explicou Lucineia Freitas. De acordo com a dirigente, as Mulheres Sem Terra também abordaram uma ampla gama de ações, que passa por estruturação produtiva, agroindústria, crédito, Assessoria Técnica Social e Ambiental à Reforma Agrária – ATES –, além de outras questões ligadas à moradia, acesso à água, educação, cultura, esporte e lazer.
“Temos perspectiva de construção de um programa de agroindústrias, organização produtiva e ATES para mulheres”, indicou Freitas. Ainda de acordo com a dirigente, houve um avanço para se assegurar a liberação de projetos represados antes do golpe contra Dilma Rousseff.
Paralização da Reforma Agrária foi marca dos últimos governos
A partir do Golpe de 2016, as políticas e órgãos ligados à Reforma Agrária passaram por um profundo processo de sucateamento. “Este desmonte afetou diretamente a vida das pessoas acampadas e assentadas. Por isso, nesta rodada de negociação exigimos o assentamento de todas as famílias que hoje estão em nossos acampamentos, à espera de seu pedaço de chão”, explicou Lucineia Freitas.
Com Michel Temer, em 2016 o MDA foi extinto, transferindo suas competências (entre elas, o vínculo com o Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Social. No mesmo ano, as atribuições do extinto MDA são transferidas, desta vez, para a Casa Civil. Por fim, com o governo Bolsonaro, as competências dele foram para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o qual é comandado, historicamente, por ruralistas.
Vinculado ao MAPA, foi chamado de Secretaria Especial de Assuntos Fundiários. Tal Secretaria teve como chefe Luiz Antonio Nabhan Garcia, um dos líderes da União Democrática Ruralista (UDR), entidade ligada ao agronegócio, conhecida por armar milícias privadas no Pontal do Paranapanema, SP, para atacar ocupações de terra do MST na região.
Em 2019, em seu relatório de gestão, o INCRA já afirmava que “não houve execução física (Pagamento de Indenização inicial nas aquisições de imóveis rurais para a reforma agrária), em razão de que os recursos foram contingenciados logo no início do exercício, bem como pela orientação contida no Memorando-Circular nº 01/2019/SEDE/INCRA, por meio do qual suspendeu as ações de vistoria e processos de obtenção em fase de instrução. Com essa orientação, nenhuma área nova foi indenizada/incorporada ao PNRA”.
Em 2019, o INCRA informou um total de 513 áreas em processos administrativos ou judiciais suspensos por razão orçamentária. Ao todo, estes processos dizem respeito a 1.024.710 ha, os quais poderiam assentar, segundo o próprio órgão, mais de 30 mil famílias. Além disso, o Incra abandonou mais de 187 processos autorizados pelo poder judiciário para imissão de posse. A soma da área ligada a estes processos passa de 320 mil hectares.
Os recursos destinados ao órgão também foram reduzidos drasticamente. Em 2011, o valor empenhado para aquisição de novas terras era de cerca de 930 milhões de reais. Em 2017, passou para 140 milhões de reais. Em 2019, caiu para 21 milhões e, em 2020, alcançou o valor irrisório de 2,1 milhões de reais.
Enfrentamento às violências também foi pauta das Mulheres
Durante a rodada de negociações em órgãos federais, as Mulheres do MST também cobraram a implementação de diversas políticas ligadas ao enfrentamento às violências no campo, em especial, aquelas ligadas ao gênero. “A garantia desses direitos é essencial para enfrentarmos a violência que tem afetado imensamente a população do campo, especialmente as mulheres, que além da violência do capital, do avanço do agronegócio, tem sofrido um aumento da violência doméstica e da fome” destacou a dirigente nacional do Setor de Gênero do MST.
Conforme explica Lucineia Freitas, o que as Mulheres exigiram foram ações concretas de enfrentamento à violência e à fome. “Estamos dialogando exatamente com as promessas feitas por Lula em campanha de enfrentamento à fome. E enfrentar a fome passa, necessariamente, pela produção de alimentos e por uma Reforma Agrária”, sinalizou.
Segundo a Rede Penssan, em relatório produzido em 2022, ao todo, 125 milhões de brasileiras e brasileiros vivem algum nível de insegurança alimentar, sendo 59 milhões em insegurança leve, 31 milhões em insegurança moderada e 33 milhões em insegurança grave.
As Mulheres Sem Terra discutiram demandas ligadas à construção de experiência da Casa da Mulher Camponesa, voltada ao acolhimento de mulheres e meninas vítimas de violência. Além disso, propuseram uma pesquisa diagnóstica para que se possa quantificar os casos de violência contra mulher e, assim, se ter mais elementos para produção de políticas públicas mais efetivas.
“Sabemos também que o combate às violências passa pela garantia de renda para as mulheres. Por isso, que apresentamos pautas ligadas à organização produtiva das mulheres tendo como foco este combate”, explicou Freitas.
A média de violência contra mulher aumentou 68% de 2020 para 2021, segundo a plataforma Violência contra as Mulheres em Dados, organizada pelo Instituto Patrícia Galvão. Por hora, 26 mulheres sofrem algum tipo de agressão física, sendo que três mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia no país.
Segundo Lucineia Freitas, este enfrentamento foi abordado de modo integral nas negociações. “Na saúde, propomos o fortalecimento dos agentes populares de saúde, que foram tão essenciais durante a pandemia. Também propomos a formação de agentes culturais, com a garantia do direito à arte e cultura, com bibliotecas e chamadas específicas para o campo”, destacou.
A dirigente explicou que as negociações contribuíram para que as Mulheres Sem Terra sigam em mobilização. “[As negociações] nos deixam animadas para seguirmos em luta, cobrando e construindo o acesso a direitos e às condições de construção de uma vida digna”, finalizou.
Jornada das Mulheres Sem Terra mobilizou país inteiro
De 6 a 8 de março milhares de mulheres estiveram reunidas na Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra. Com acampamentos pedagógicos, ocupações de terras, marchas, ações de solidariedade, feiras com produtos da reforma agrária, plantio de árvores, espaços de formação e debates.
Com muita mística e atividades culturais, as mulheres também ocuparam órgãos públicos, como as superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e institutos de terras estaduais, participaram de negociações com assembleias legislativas, governos estaduais e governo federal, levando as reivindicações das mulheres do campo; e denunciaram empresas que lesam os/as trabalhadoras com o trabalho escravo, deserto verde e altos preços de energia.
Como parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, em São Paulo, SP, na tarde da quarta (8), dezenas de Mulheres Sem Terra realizaram um protesto em frente à sede da empresa Salton, na capital paulista. Com palavras de ordem e intervenções representando o sangue das/os trabalhadoras/es, o coletivo reforçou a denúncia pública contra as vinícolas ligadas à contratação de mão de obra análoga à escravidão, de trabalhadores nordestinos resgatados na última semana, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul – envolvendo as empresas Salton, Aurora e Garibaldi.
*Editado por Fernanda Alcântara