Comida de Verdade
‘Não tem como democratizar a alimentação saudável sem reforma agrária’, diz Bela Gil
Por Fabiana Reinholz
Do Brasil de Fato | Porto Alegre
A 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico iniciou na manhã desta sexta-feira (17), no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), com a tradicional mística que acompanha o movimento desde a sua criação. Logo após, veio o momento de estudo, com a mesa Direito Humano e a Alimentação, com a participação da culinarista e especialista em alimentação saudável Bela Gil, o presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do RS (Consea RS), Juliano Sá, e a nutricionista Bruna Crioula.
Mística marcou a abertura da 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST. Foto: Marcelo Ferreira
O presidente do Consea RS, Juliano Sá, destacou que o direito humano à alimentação adequada está sendo violado. “A luta do combate à fome faz parte da história da humanidade, contudo o senso comum sempre tratou a fome como um fenômeno natural, como um tabu, algo que não poderia se falar”. Ele também lembrou da contribuição do pernambucano Josué de Castro, que dá nome à escola do MST no assentamento. Entre os anos 1930 e 1940, através do seu trabalho da Geografia da Fome, Josué destacou que a fome era um problema social, político e econômico. “Josué de Castro sintetiza que a fome é uma expressão biológica dos males sociológicos.” De acordo com Sá, graças a luta de Josué de Castro e tantos outros foi possível a inclusão, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito humano à alimentação adequada.
Sá lembrou das conquistas no Brasil, como a Ação Cidadania, o trabalho do Betinho, a criação do Consea e a luta contra a fome. “Só em 2003, quando Lula assumiu a presidência pela primeira vez, dentro da estratégia do Fome Zero que se conseguiu combinar políticas públicas. Em 2014 o Brasil saiu do mapa da fome, mas tínhamos muito o que fazer para acabar com a fome, nós não mexemos no sistema agro alimentar, na concentração de renda, na reforma agrária e outras estruturas estratégicas.”
O presidente do Consea RS, Juliano Sá, destacou que o direito humano à alimentação adequada está sendo violado. Foto: Marcelo Ferreira
Ele destacou que com o golpe de 2016, começaram os retrocessos, como a PEC dos gastos públicos, o bolsonarismo e a sua agenda genocida, a pandemia e o fim do Consea e das políticas relacionadas ao combate da insegurança alimentar. “Isso resultou em mais de 65 milhões de pessoas que não têm nada o que comer e que convive diariamente com a fome.” Apesar disso, destacou, a luta dos movimentos sociais valeu a pena graças a solidariedade do MST.
“Enquanto o agronegócio ficou lucrando e exportando soja, agricultores a agricultoras familiares distribuíram solidariedade com a comida, mobilizando as nossas redes, as cozinhas comunitárias e solidárias e as hortas comunitárias. Essa solidariedade foi o grito contra essa violência, essa luta fez com que conseguíssemos mais uma vez eleger Lula, a volta do Consea e a retomada de políticas públicas. Esperançamos, esperançamos com o MST, vamos juntos, juntas e juntes em frente para combater a fome novamente.”
“A humanidade está morrendo pela boca”
Pela primeira vez na Festa da Colheita, Bela Gil falou de sua paixão pelo MST e seu trabalho na democratização da alimentação, principalmente a alimentação saudável. “Temos que pensar sempre de onde vem a nossa comida. As pessoas esquecem de onde a comida está vindo e vocês sabem muito bem que a comida vem da terra. Não tem como pensar em democratizar a alimentação saudável, sem veneno, agroecológica, sem pensar na reforma agrária, sem pensar na distribuição da terra. A gente vive em um dos países com maior concentração de terra. Esse problema precisa ser sanado. Tenho muita esperança que nesse governo a gente consiga resolver isso.”
Conforme destacou Bela, a humanidade está morrendo pela boca, ou pela falta de alimento ou pelo consumo de alimentos de má qualidade. “A gente precisa resolver a distribuição. Em um país onde 157 mil pessoas morrem por ano por problemas relacionados diretamente ao consumo de alimentos ultraprocessados, precisamos urgentemente revisitar a nossa alimentação, precisamos de políticas que fomentem o acesso à alimentação de qualidade, e com certeza a reforma agrária.”
“Em um país onde as pessoas estão comendo mal, não tem comida, produzir alimento é um ato não só político, como um ato de solidariedade”, afirma Bela Gil. Foto: Marcelo Ferreira
Bela também lembrou que o país saiu de um desgoverno que deixou mais de 30 milhões de pessoas passando fome “é necessário ver a forma como a gente produz, distribui, consome os alimentos. Com isso a gente consegue construir propostas para que se consiga colocar comida saudável de verdade nas panelas”.
Ela também apontou que o Brasil, infelizmente, vem perdendo na produção. “O consumo de arroz e feijão que é a base de uma alimentação saudável. Em um país onde as pessoas estão comendo mal, não tem comida, é um ato não só político, como um ato de solidariedade, de generosidade estar aqui e ver esse movimento, essa colheita do maior produtor de arroz orgânico da América Latina. É bom saber que vocês não perderam a esperança de acreditar em uma agricultura livre, sem veneno, livre de agrotóxico, livre de transgênico. É aqui que a gente precisa produzir comida, comida para vida, não para a morte. A gente sabe que o agro não é pop, ele representa outra coisa.”
Bruna Crioula destacou a volta do Consea Porto Alegre
A nutricionista Bruna Crioula ressaltou a volta do Consea Porto Alegre com um banquetaço realizado em Porto Alegre, no dia 27 fevereiro. Também falou da importância do trabalho das cozinhas solidárias e do trabalho do MST, principalmente durante a pandemia. Conforme reforçou, a solidariedade foi um pilar importante. Ela também lembrou das toneladas de alimentos distribuídas pelo MST.
“Que essa façanha sirva de exemplo para a sociedade, para a sociedade que a gente quer construir, e não essas representações escravocratas que trazem nossos irmãos nordestinos, argentinos e de tantos outros espaços para um trabalho análogo à escravidão. Sabemos que no MST a solidariedade é pauta.” Bruna celebrou cada um e cada uma que colou comida no prato de seu irmão, do seu amigo.
“Agora é estar de braço erguido, fortalecendo as políticas públicas, não estando longe das cozinhas comunitárias e fazendo com que essa comida de verdade que é produzida pelo MST possa alcançar muitas escolas, muitos asilos, muitos hospitais, muitos espaços institucionais, que possam fazer parte desse sistema alimentar que a gente deseja, sem o agrotóxico, sem transgênicos e sem trabalho análogo à escravidão.”
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko