Boletim O Ponto
Samba de uma nota só
Por Lauro Allan Almeida e Miguel Enrique Stédile
Do Brasil de Fato
Não há inflação e desemprego que abale a fidelidade de Campos Neto ao mercado financeiro”
Olá, não há inflação e desemprego que abale a fidelidade de Campos Neto ao mercado financeiro.
.Inimigo público nº1. A quebra de bancos nos Estados Unidos e Europa disparou o alarme para a próxima crise financeira capaz de solapar países e economias. Enquanto há analistas que preveem que a onda vai afetar a já surrada renda do brasileiro, outros apostam na marolinha. Mas há um consenso: o cenário internacional é propício para uma redução da taxa de juros. É isso, ou a economia do país será asfixiada mortalmente, como já dá indícios a indústria automobilística. A única pessoa indiferente a esta tragédia é justamente o presidente do Banco Central, Campos Neto. Mais do que uma afronta ao governo, a decisão de manutenção da taxa de juros em estratosféricos 13,75% foi uma declaração de amor ao mercado. Afinal, a pesquisa Quaest da semana passada já alertava que, para os operadores da Faria Lima, com ou sem uma nova regra fiscal, a política de juros está ótima e não deveria cair antes de agosto ou setembro. E há quem defenda que ela só caia a partir de abril de 2024. A fidelidade ao rentismo pode custar a pele de Campos Neto. Afinal, Lula já venceu a batalha na opinião pública e a conta da crise econômica está indo para o colo do presidente do BC. Hoje, a possibilidade do Senado destituir Campos Neto é remota, mas não significa que o ambiente para isso não possa ser criado. Prova disso é que a Câmara já entrou em cena, com convocações para Haddad e Campos Neto explicarem a política econômica. Sem contar com a redução da Selic, Lula aposta na viagem para a China como oportunidade para novos investimentos, que não apareceram no encontro com Joe Biden. Por isso, a comitiva vai carregada de empresários e líderes do agronegócio.
.Pouco a comemorar. A viagem à China é também uma boa desculpa para o adiamento do anúncio do novo arcabouço fiscal. Fernando Haddad conseguiu convencer Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Arthur Lira, mas não conseguiu convencer o Planalto, mais especificamente, o Presidente Lula. Contribuiu bastante para a indecisão presidencial o fato de que a maior artilharia contra a proposta venha do próprio PT. O maior temor dos petistas é que o mecanismo se torne um freio às políticas sociais. Mesmo que Haddad garanta que a educação e a saúde terão mais recursos com a nova regra, os petistas desconfiam, propondo inclusive que o Bolsa Família seja excluído desta contabilidade. Nos bastidores, a disputa é também por protagonismo dentro de um partido que sabe que mais cedo ou mais tarde terá que escolher outro candidato presidencial, o que explica as caneladas que o ministro da economia recebeu do colega da Casa Civil Rui Costa. A seu favor, Haddad tem o trunfo de que o anúncio do novo arcabouço seria mais um fator de pressão para que o Banco Central baixasse a taxa de juros. Mas só isso não é suficiente para Lula. O prazo simbólico dos cem primeiros dias está chegando e mesmo que o governo tenha reparado uma série de programas sociais, a verdade é que ainda falta uma grande marca para mostrar que, mais do que juntar cacos da tempestade bolsonarista, é um governo que olha para o futuro e não só para o retrovisor. Vale lembrar que o Congresso vive sua própria guerra interna e o governo ainda não teve uma votação que testasse a coesão da sua base parlamentar.
.Um espectro ronda o Brasil. Enquanto todas as atenções do governo estão voltadas para a economia, os problemas na área da segurança pública podem dar à oposição a oportunidade que faltava para se reerguer. Depois do impacto da onda de violência no Rio Grande do Norte, agora os planos do PCC de assassinar autoridades tiraram do ostracismo o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro. A notícia caiu como uma luva para Moro, já que os planos de Bolsonaro de retornar ao Brasil estão cada vez mais distantes, e todos querem os espólios do capitão. Além do desgaste moral, o escândalo das jóias e a minuta do golpe encontrada na casa de Anderson Torres podem tornar o capitão inelegível por oito anos. O que não significa o fim do bolsonarismo, como mostram os 44% dos brasileiros que acreditam que, com Lula, corremos o risco de nos tornarmos um país comunista. Sem Bolsonaro no páreo, está aberta a corrida para ocupar seu lugar, e consciente desse vazio, Lula aproveita para cooptar empresários aliados do capitão oferecendo-lhes uma vaga na comitiva de viagem à China. Até agora, o mais forte candidato à vaga de líder da extrema direita é o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, que tem utilizado a máquina do estado para estreitar laços com a Faria Lima, os evangélicos e os militares e dá sinais de querer quebrar a trégua com o governo Lula. Mas ele enfrenta a concorrência de Michele Bolsonaro, que conta com o apoio do marido e com a estrutura do PL, maior partido na Câmara. Quanto aos criadores do bolsonarismo, os militares, estes parecem mais preocupados em salvar a própria pele. Além das implicações das revelações de proteção dos miliatres aos golpistas de 8 de janeiro feitas na CPI do DF sobre o 8 de janeiro, contratos de compras nos Estados Unidos durante o governo Bolsonaro também estão na mira do TCU. Ao mesmo tempo, os militares tentam evitar a perda de poder representada pela PEC que pretende acabar com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Neste cenário, uma saída honrosa para os generais no governo Lula pode ser a retomada de sua participação nas missões internacionais de paz.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Guerra do Iraque, 20 anos: o iraquiano condenado por atirar sapato em Bush. Na BBC, o jornalista Muntazer al Zaidi faz um balanço da ação direta que rendeu-lhe seis meses de prisão.
.Como semana de trabalho de 4 dias pode beneficiar meio ambiente. Veja os benefícios revelados pela experiência de redução da jornada no Reino Unido. Na BBC.
.CEOs mais bem pagos do Brasil são de bancos e setor de commodities. Sergio Rial, do Santander, lidera o ranking de CEOs apresentado pelo Poder 360.
.A mais nova crise financeira e os criminosos de sempre. No IHU, Bruno Lima Rocha desvenda as conexões entre a crise financeira e o avanço das novas formas de mercadorias e relações de trabalho.
.Os BCs “independentes” e o sequestro da democracia. No Outras Palavras, Arnaldo Provasi Lanzara desmascara o mito das decisões técnicas e neutras das instituições de governo.
.Medusa: Terrorismo gospel. Uma crítica ao filme sobre uma milícia fanática de rapazes sarados e mulheres recatadas. No Outras Palavras.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo