Energia Renovável

MST participa de debate sobre impactos das indústrias de energia eólica e solar na PB

Seminário discutiu os impactos das indústrias de energia eólica e solar que estão se expandindo para todos os territórios do semiárido paraibano
Seminário ‘Energias Renováveis Ameaçam o Bem Viver e a Convivência com o Semiárido’, organizado pela ASA Paraíba – Março (2023) – Divulgação

Por Verônica Violeta
Do Brasil de Fato PB

O debate sobre os impactos das indústrias de energia eólica e solar está se expandindo para todos os territórios do Semiárido paraibano. Um importante momento para ampliação desse debate aconteceu logo após a Articulação Semiárido Brasil ter entregue ao presidente Lula a carta “Energia VERDADEIRAMENTE LIMPA para um Semiárido Vivo!”.

Em março, na zona rural de Campina Grande, aconteceu o seminário ‘Energias Renováveis Ameaçam o Bem Viver e a Convivência com o Semiárido’, organizado pela ASA Paraíba  – Articulação Semiárido –  com apoio da ActionAid. Estavam presentes organizações que atuam em todos os territórios do Semiárido paraibano, além de entidades parceiras como o Comitê de Energia Renovável do Semiárido (Cersa), a Federação dos Trabalhadores da Agricultura da Paraíba (Fetag), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o Movimento Sem Terra (MST), e a ActionAid.

“A ASA Paraíba faz coro com várias organizações que estão se posicionando contra esses grandes projetos que trazem danos às vidas, cujo modelo concentrado de ação deles não dá para coexistir com a agricultura familiar agroecológica e com a convivência com o Semiárido. A gente também quer abrir um diálogo com os governos para construir alternativas. Queremos outro modelo de geração de energia renovável nos nossos territórios”, sustenta Glória Batista, da coordenação estadual e nacional da ASA.

Promessas

A Paraíba é o estado de franca expansão para esse setor industrial que já invadiu o semiárido da Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará. Segundo dados divulgados no site da Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica, ainda há muitas indústrias para serem instaladas no semiárido paraibano. Dos empreendimentos de usinas fotovoltaicas registrados na ANEEL, em diversas situações – outorga autorizada pelo Estado; construção não iniciada; construção; operação – apenas 7,6% já estão em funcionamento. Com relação à energia eólica, dos 1.173 aerogeradores contabilizados no site da agência, só há 22,2% em atividade.

“O governo do Estado tem dito que precisa viabilizar as linhas de transmissão para abrir as portas para os grandes empreendimentos. Os territórios do semiárido da Paraíba estão sendo vendidos pelo poder público, que está providenciando mapas com a apresentação da malha viária, férrea e as linhas de transmissão para atrair os investidores estrangeiros. E eu pergunto: nesse mapa, cadê as comunidades?”, destaca o professor Gustavo Sales da Universidade Federal de Campina Grande.

Prof. Gustavo Sales, da Universidade Federal de Campina Grande. Foto: Divulgação

O pesquisador que vem desenvolvendo trabalhos na área de Cartografia e Geoprocessamento desses grandes empreendimentos de energias renováveis grifou diversas vezes, durante sua fala no primeiro momento do seminário, que o discurso local com relação ao modelo industrial de energia renovável – solar e eólica – precisa ganhar força e se tornar cada vez mais visível.

“Precisamos corporificar nosso discurso com dados e números para evidenciar que os territórios de interesse dessas indústrias é terra de gente, que cada território tem sua característica específica. Com a cabeça do discurso global [que defende a energia renovável como limpa sem levar em conta os impactos sociais e ambientais provocados pelo funcionamento dessas indústrias], as pessoas pensam que somos contra esse tipo de energia. Na verdade, somos a favor, mas a partir do modelo distribuído de geração de energia que é mais viável economicamente, socialmente e ambientalmente”, defende o professor e pesquisador.

Dificuldade de acesso a dados reais

Em seguida, Gustavo apresentou alguns dados sobre a localização das indústrias e a situação em que se encontram. Mas, essas informações extraídas de uma fonte oficial, o site da Aneel, nem sempre correspondem à percepção local quanto à chegada das empresas no território. Para Gustavo, a disparidade pode ter relação com a não obrigatoriedade da divulgação das outorgas às empresas para exploração dos territórios. Segundo o professor, isso permite que as empresas omitam informação sobre os territórios onde a resistência se organiza, como é o caso da Borborema.

Além da omissão de dados de interesse público, o pesquisador da UFCG também comentou que tem feito contato com as empresas para fazer estudos no sentido de contribuir com a redução dos impactos que podem ser causados às comunidades, mas a oferta de parceria costuma não ter retorno das empresas. “O que eles estão fazendo que a universidade não possa estar junto pesquisando, gerando conhecimento?”, questiona.

A partir da análise dos dados levantados no site da Aneel, Gustavo identificou que os territórios “que mais pedem socorro no Estado com relação à concentração de empreendimentos são o Vale do Piancó, o Médio Piranhas e o Médio Sertão, com destaque para este último terriório, onde se localiza o primeiro parque híbrido recém inaugurado”.

Aumento do conflito por água

Outra questão extremamente importante é que a instalação dessas indústrias de geração de energia, principalmente a fotovoltaica, está se dando próximo a corpos hídricos superficiais utilizadas antes pelas comunidades locais. Já no caso das eólicas, há a utilização de recursos hídricos locais subterrâneos (poços) que atendem as comunidades da região. Essa situação aponta, desde já, para uma provável ampliação dos conflitos no campo pelo acesso a água, ainda mais por se tratar de uma região semiárida. 

Claudionor Vital, assessor jurídico da ONG Centrac / Divulgação

A segunda apresentação do seminário foi de Claudionor Vital, assessor jurídico da ONG Centrac que tem se especializado na análise dos contratos apresentados pelas empresas para arrendar as terras das famílias agricultoras, principalmente, para a implantação dos aerogeradores.
Os contratos acessados por Claudionor e demais estudiosos jurídicos provocam relevantes preocupações para quem defende os direitos fundamentais das comunidades afetadas, porque asseguram às megacorporações de capital internacional o acesso aos territórios, bem como o controle do uso das propriedades das famílias agricultoras.

Além disso, os contratos alteram a função principal das propriedades das famílias agricultoras que deixam de ser a produção de alimentos e passa a ser a geração de energia. Isso interfere na caracterização do agricultor e agricultora familiar como tal, impedindo que eles acessem benefícios previdenciários, como a aposentadoria na condição de segurados especiais, e créditos oficiais destinados à quem cultiva o alimento.

O capital põe a mão sobre recursos naturais de todos

Durante o evento, o assessor jurídico categorizou as apropriações que as empresas realizam em um só contrato: apropriação dos territórios, dos bens naturais – solo, vento e sol – e da renda gerada a partir da exploração dos ventos e do sol. “Para explorar os ventos e sol, eles precisam da terra. Por isso fazem os contratos de arrendamento da terra, mas exploram bens naturais que são transformados em recursos econômicos, facilitando o processo de acumulação capitalista.”

Seminário sobre os impactos das indústrias de Energia Renovável no Semiárido Paraibano. Foto: Divulgação

Além disso, o assessor destacou também a assimetria das cláusulas contratuais entre as partes envolvidas, prejudicando imensamente às famílias e favorecendo às empresas. E Claudionor deu alguns exemplos. Se as famílias quiserem rescindir o contrato, elas deverão pagar uma multa bilionária. Já as empresas podem fazer isso a qualquer hora sem causar nenhum prejuízo para ela e nem precisar indenizar as famílias. Outro ponto que atesta essa assimetria é que os contratos podem ser renovados automaticamente e, para isso, basta existir o interesse da empresa.

As famílias também estão em completa desvantagem no que tange à falta de controle com relação à energia gerada pelo aerogerador em sua propriedade. O contrato prevê o repasse de 1,5% dos lucros gerados pela venda da energia produzida por esse aerogerador, sem que a família tenha conhecimento do total de energia gerada.

A resistência em curso

No segundo dia do seminário, foi a vez da apresentação das iniciativas já realizadas para o enfrentamento a esse modelo industrializado de geração de energia. Com a palavra a Comissão Pastoral da Terra na Paraíba, o Polo da Borborema, um coletivo de sindicatos rurais com atuação em 13 municípios desse território, e o Comitê de Energia Renovável do Semiárido, o Cersa.

“A partir dessas exposições, vimos a resistência que está em marcha na Paraíba. E, a partir desse evento da ASA-PB, vão ser abertos mais focos em outras regiões do estado. Portanto, esse momento é importante para que a gente possa ampliar a nossa força, nossa voz para que os impactos que nós denunciamos sejam conhecidos pelas pessoas que moram em outros lugares. Até porque o discurso que todos têm acessado é o global, aquele que fala que as energias renováveis são limpas. Elas podem até ser renováveis, mas não são justas, nem limpas. Muitas pessoas estão pagando um preço muito alto por essa produção, perdendo sua saúde e modos de vida que são milenares”, assegura Roselita Vitor, da coordenação política do Polo da Borborema.

As apresentações das ações de resistência foram focadas na linha do tempo dessas iniciativas, destacaram os principais marcos, compartilharam metodologias, estratégias e ações. A partir daí, foram formados grupos para construir um plano de ação estadual para o enfrentamento e para organizar e mobilizar a resistência em diversos locais.

O plano de ação está estruturado em quatro linhas estratégicas que são: Mobilização social, incidência política, comunicação e alternativas ao modelo centralizado. Há também uma atenção especial aos pontos considerados como grandes desafios a essas linhas estratégicas e que, portanto, devem receber atenção especial.

*Matéria de Verônica Violeta em parceria com o BdF-PB