Entrevista
“MST terá autonomia ao Governo Lula”, diz dirigente do MST à Folha de S.Paulo
Da Página do MST*
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento, concedeu esta semana uma entrevista à Folha de S.Paulo, contando um pouco sobre a autonomia dos Sem Terra, a luta pela Reforma Agrária diante do Governo Lula e comentou sobre a CPI contra o MST e sua inconstitucionalidade.
Na entrevista, João Paulo ressaltou a posição do Movimento, que sempre defenderá o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que não se tornará “correia de transmissão” da gestão do petista e que não aceita “nenhum tipo de coleira ou focinheira” sobre a organização. “O governo é nosso, nós ajudamos a construir. Mas o MST tem autonomia em relação ao PT e ao governo”, declarou em entrevista publicada nesta 5ª feira (27).
Segundo João Paulo Rodrigues, a administração do presidente “errou politicamente” em não atender algumas das pautas defendidas pelo MST logo nos primeiros 100 dias de governo. “Mas não cabe a nós dizer que o governo tem que fazer. Nós reivindicamos. Na minha avaliação, o governo não gostou das ações do MST e deve ter pedido nas conversas internas: ‘Vamos colocar o MST no cantinho do pensamento, depois nós atendemos eles’”, disse.
Entretanto, Rodrigues também afirmou que o MST realizou um número “muito menor” de ocupações “para não ter embates com os fazendeiros nem querer provocar a direita”, defendendo algumas das negociações com o governo. “Avançamos, criamos canais de negociação. Mas o governo não fez nenhum anúncio até agora. Isso frustrou nossa base”, afirmou.
Muitas ocupações fizeram parte da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, que este ano trouxe a centralidade da Reforma Agrária junto ao Governo Federal. Com mobilizações em 18 estados, o Movimento teve retorno positivo na retomada de políticas ligadas à Reforma Agrária.
Entendendo que este é um momento importante de retomada da Reforma Agrária Popular na centralidade das discussões institucionais para diminuir a fome no país, as ocupações de terra nos estados do Espírito Santo e de Pernambuco tiveram como objetivo de produção para garantir a segurança alimentar e a soberania do país.
No domingo (23/4), o movimento ocupou terras em três regiões da Bahia. Entretanto, as famílias que realizaram as ocupações não danificaram nenhuma estrutura e nenhuma pessoa foi ameaçada. A presença das famílias Sem Terra naqueles territórios contribui para a preservação do bioma local, através da produção de alimentos saudáveis, preservação das nascentes, dos territórios e de reconstrução do solo.
Rodrigues também disse que a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do MST, traz uma série de irregularidades e discurso vazio ao buscar “investigar a atuação do grupo, seu real propósito e seus financiadores”, além da clara perseguição política.
“Não é sobre o passado porque não há fato que a justifique. Nossas ações estão dentro do marco na democracia […]. Nós vamos judicializar junto ao Supremo Tribunal Federal porque ela é inconstitucional”, disse.
“Não devemos ficar com medo da direita. Nós já passamos por quatro CPIs, e o MST saiu mais forte de todas elas. A CPI é desnecessária e não acumula para o debate democrático no Brasil”, declarou o coordenador. Em sua avaliação, porém, o governo “está fraco” no Congresso Nacional.
Confira parte da entrevista:
Houve alguma mudança na tática de pressão do governo federal neste início de governo Lula comparado ao governo Jair Bolsonaro? Não mudou nada. O MST diminuiu sensivelmente o número de ocupações nesse primeiro semestre porque estamos no início do governo e não queremos criar um tensionamento político. Me chamou atenção como o governo foi induzido pela imprensa a achar que o MST tinha voltado a fazer megaocupações, o que na prática não aconteceu.
Com um governo aliado, as ocupações e os protestos voltam a ser ferramenta de pressão? O MST sempre trabalha com as mesmas formas de luta: ocupação de áreas improdutivas, protestos e ações para chamar atenção das autoridades. Me preocupa o governo e setores da sociedade acharem que o MST deixou de ocupar terra para ser um grande movimento de cooperativas e de produção de arroz.
A luta pela terra é central na estratégia no MST, não temos como abandoná-la“
Mas o próprio Lula falou na campanha, em entrevista ao Jornal Nacional, que aquele MST de 30 anos atrás não existe mais.
Ele está certo. No primeiro ano do governo Lula, nós ocupamos 270 latifúndios. Neste ano, ocupamos 14. Mas no primeiro governo Lula não tínhamos arroz orgânico, não tínhamos cooperativa. Agora nós temos, mas não mudamos as ações da luta pela terra. Queremos que o governo Lula se antecipe, desaproprie latifúndios e assente as 60 mil famílias acampadas. A previsão desse ano é assentar 6.000 famílias. Se continuar nesse ritmo, vamos precisar de três mandatos para assentar somente as famílias que estão acampadas. Não tem como trabalhar assim.
Esse ‘novo rosto’ do MST com foco na produção de alimentos orgânicos não se perde quando as ocupações vêm para o primeiro plano? Não há uma perda do ponto de vista de imagem?
É uma pena se isso acontecer. O MST se construiu e é vivo até hoje não por ser produtor de comida ou uma grande ONG, mas por ser um movimento de luta pela terra. Não podemos ficar cuidando da imagem do MST sob pena de a Reforma Agrária não sair. Não há como produzir comida em varanda de apartamento, a comida que é produzida depende de terra. E o MST tem muito cuidado de atuar dentro das margens da Constituição. Se as fazendas forem produtivas e respeitarem as leis, não há por que fazendeiros ficarem preocupados.
O MST ficou ao lado de Lula nos momentos mais difíceis, incluindo a Lava Jato e as eleições. O movimento se vê como credor do presidente?
De forma alguma. Lula não tem nenhuma dívida com MST e nem o MST tem nenhuma dívida com Lula. Vamos defender o governo Lula em todos os momentos, não somos vacilões sobre esse aspecto. O governo é nosso, nós ajudamos a construir. Mas o MST tem autonomia em relação ao PT e ao governo. Nós não somos correia de transmissão [do governo] e não aceitamos nenhum tipo de coleira ou focinheira sobre a organização do MST.
(…)
Ainda permanecem nos Incras um primo de Arthur Lira e e um aliado Davi Alcolumbre remanescentes do governo Bolsonaro. O MST seguirá pressionando? Em Alagoas, não tem como manter porque o cara é perigoso, é um capataz, anda armado nos assentamentos. Se o governo definir que a indicação é do Arthur Lira, nós vamos respeitar. Mas não queremos que continue esse superintendente atual.
Quais demandas da Reforma Agrária dos governos Lula 1 e 2 que o MST espera que sejam cumpridas neste terceiro governo? O governo precisa de um plano para os quatro anos que tenha como centro a produção de alimentos e o respeito à questão ambiental. Para isso, é preciso terra, crédito, agroindústria, sementes, biofertilizantes e uma política de comércio justo. O Brasil tem 200 milhões de hectares de terras agricultáveis improdutivas. Essa terra tem que ser para produzir alimento e pode servir aos pequenos agricultores, aos assentados e ao grande produtor. Não pode ser para produção de soja para exportação ou para especulação imobiliária.
*Com informações da Folha de S.Paulo e do Poder 360