Alimentação Saudável
Movimentos defendem reajuste anual da verba nacional de alimentação escolar
Por Thalita Pires
Do Brasil de Fato
As políticas públicas de alimentação escolar são fundamentais para garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) mostrou que, na região metropolitana do Rio de Janeiro, 56% dos estudantes da rede pública de ensino têm a merenda escolar como única ou principal refeição do dia.
Por isso, o Observatório – organização de reúne movimentos sociais e órgãos da sociedade civil – defende que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), programa que destina verbas para a comida nas escolas públicas, seja reajustado anualmente. “O PNAE é um dos melhores programas de alimentação escolar do mundo e tem um efeito protetor na saúde dos estudantes”, afirma Giorgia Russo, consultora técnica do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e integrante do ÓAÊ.
Para que não haja mais ataques de governos ao programa, o ÓAÊ defende que seja aprovado um reajuste anual do PNAE. “É umas das reivindicações para a proteção da alimentação das crianças”, afirma Giorgia. A proposta do Observatório é que esse reajuste seja baseado no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) Alimentos e Bebidas.
Giorgia participou do seminário Desafios da Alimentação Saudável e Nutrição na Educação Escolar, que aconteceu dentro da programação da 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo. A feira vai até domingo (14).
Alimentação escolar como política pública intersetorial
O PNAE sofreu diversos ataques nos governos Temer e, principalmente, Bolsonaro. Foram cinco anos sem nenhuma correção nos valores, o que gerou defasagem e crise na merenda escolar. O governo Lula reajustou os repasses para o programa em 39%. A estimativa é de que sejam investidos R$ 5,5 bilhões de reais no programa este ano.
Mas para o grupo, além de verbas, é preciso ampliar o controle social sobre a alimentação escolar, monitorando junto com os conselhos da área – Conselhos de Alimentação Escolar e Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável -, já estabelecidos nos níveis municipal, estadual e federal.
A comida servida na escola pode ser um vetor para o desenvolvimento de políticas de outros setores. O PNAE, por exemplo, determina que pelo menos 30% da verba destinada para esse fim seja direcionada para compras da agricultura familiar. Essa determinação da lei, instituída em 2009, contribui para fortalecer a produção de alimentos saudáveis no campo, em um ciclo virtuoso que fortalece a economia local.
Com alimentação de boa qualidade, a saúde também é beneficiada. Crianças e adolescentes têm, na escola, oportunidade de acesso a alimentos in natura, muitas vezes produzidos no modelo agroecológico. Esse acesso é fundamental num momento em que o país passa por um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, com consequências negativas para a saúde pública, como o aumento na ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis. Entre elas estão diabetes, pressão alta e alguns tipos de câncer, doenças diretamente ligadas à alimentação.
Produção familiar agroecológica
Em 2009, quando foi aprovada a obrigatoriedade da agricultura familiar nas compras do PNAE, havia dúvidas sobre a possibilidade do cumprimento da regra dos 30%.
“Os estudos indicavam que sim, era possível, mas aquilo foi um grande desafio para as gestões dos programas, porque a gestão do programa de alimentação escolar está dentro da Secretaria de Educação. Para construir esse caminho de comprar da agricultura familiar, ela precisa articular com a Secretaria de Agricultura. Que é quem vai fomentar essa produção, então é, é o PNAE, indo para uma questão intersetorial de fomentar toda uma cadeia produtiva”, afirma Giorgia.
Hoje, já há uma certeza de que não apenas é possível cumprir esse número, mas também ampliá-lo. “Tem município que está comprando 100% do recurso federal na aquisição da editora familiar com todo um trabalho de construção. E essa construção é viável. Nós temos o estado do Paraná, por exemplo, que já passou dos 45%. O próprio município de São Paulo preconiza até 2030 comprar 100% da do recurso federal da agricultura orgânica”, contou.
Para que esses números de fato cresçam, é fundamental pensar no tipo de produção que está sendo realizado. “A gente tem que falar de todo o ciclo, desde o acesso à terra, do acesso a água, a forma como está sendo produzido, comercializado. Se você tem um atravessador que explora o agricultor, isso desestimula esse agricultor a ficar no campo e produzir o alimento saudável”, explica Giorgia.
Indústria alimentar
A alimentação de crianças e adolescentes sofre com a introdução crescente de produtos ultraprocessados na dieta cotidiana. De acordo com as Pesquisas de Orçamentos Familiares, realizadas pelo IBGE, os números de aquisição de alimentos desse tipo vêm crescendo no país constantemente, enquanto produtos in natura (frutas, hortaliças, legumes e carnes, por exemplo) apresentam queda.
Crianças e adolescentes de 10 a 19 anos são o grupo que mais consome os ultraprocessados, que são produtos que passaram por intensas modificações na indústria, com adição de aditivos para melhorar o sabor e a textura e também uso intensivo de sal, açúcar e gorduras. Enquanto no Brasil eles ocupam cerca de 20% da alimentação da população em geral, para esse grupo, eles sobem para 27% da alimentação.
De acordo com Gabriela Cruz, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS/USP). “Temos um estímulo muito grande deste tipo de alimento. Nas promoções, próximos ao caixa ou filas, os produtos em destaque são sempre os ultraprocessados, inclusive com prateleiras adaptadas para o alcance de crianças. Tudo isso é pensado e planejado pelas indústrias”, explica.
Dados da POF de 2008/2009 mostram que, naquela época, uma em cada três crianças brasileiras estava acima do peso recomendado. Isso pode acarretar problemas de saúde por toda a vida.
“A gente tem uma série de dispositivos legais que apontam para a importância de proteger adolescentes crianças, exatamente pelo fato de eles não terem o discernimento para fazer essas escolhas”, diz Giorgia, do Idec e do ÓAÊ.
“A gente precisa entender que o alimento ultraprocessado é um produto que traz esse dano para a saúde. Precisa ser proibido dentro das escolas, por exemplo”, conclui.
Edição: Rodrigo Durão Coelho