Exemplo

42 anos de compromisso com a construção da luta Sem Terra

De aniversário, nesta segunda-feira (15), Jornal Sem Terra segue reafirmando seu papel como ferramenta de comunicação popular e identidade Sem Terra; confira no artigo
Distribuição Jornal Sem Terra especial, durante a 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo. Foto: Daniel Violal

Por Joana Tavares*/Belo Horizonte (MG)
Para Página do MST

Na edição 35 do então Boletim Sem Terra, de abril de 1984, foi feito um anúncio: “Vem aí o jornal Sem Terra”: “Uma equipe de 10 jornalistas trabalhará na edição do jornal, que vai continuar com a colaboração dos próprios lavradores, pessoas ligadas ao trabalho pastoral, sindicalistas e estudiosos da problemática agrária”. Em julho desse ano circula pela primeira vez o Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, que dá a notícia da fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 

Apenas nesse trecho destacado, é possível perceber tantos elementos interessantes! O primeiro deles: antes de existir o MST já havia 35 edições (e três anos) de um instrumento informativo. Essa história pode parecer comum, principalmente para quem viveu de perto ou quem já ouviu muitas vezes que o jornal veio antes do Movimento, mas é muita disciplina, trabalho coletivo e persistência para manter um boletim, ao mesmo tempo em que se construía uma organização de caráter nacional.

Isso demonstra, em resumo, uma ideia muito forte: o instrumento fazia sentido. A comunicação era uma prioridade, tanto para contar da luta das pessoas acampadas para o público externo, para a sociedade em geral, como para criar pertença e mais conhecimento entre quem dividia essa luta no dia a dia.

Outro elemento muito importante: é a colaboração. Já havia ali a rede necessária para defender e construir a Reforma Agrária. E já existia a ideia de que todos têm a ganhar com essa luta conjunta, que é uma luta de todos.

Joana Tavares. Foto: Arquivo pessoal

Um terceiro aspecto que dá para antever nesse recorte é a força do exemplo. Esse foi outro papel do Boletim: ao divulgar as lutas, atuou também como um articulador, como um portador do exemplo de que era possível a organização. Como contou um Sem Terra do Mato Grosso, Miraci da Silva:

Quando o Movimento chegou, o jornal já tinha chegado, né? É por isso que nós fala, o Movimento não teve dificuldade de fazer a primeira ocupação porque era tudo gente que já tinha conhecimento, ligado a esse movimento”[1].

O jornal era uma ferramenta de construção coletiva: elaborado em conjunto por dirigentes políticos e jornalistas, divulgado por agentes de pastoral, lido por lideranças locais para os companheiros analfabetos. Havia o costume de ler o impresso nas reuniões, “quase como uma rádio”, como diz a Salete Campigotto ao lembrar dessa época. Por muito tempo, a leitura do editorial era a forma de ficar por dentro da linha geral da direção.

O instrumento atuou ainda para forjar uma identidade comum para essa ampla e diferenciada base de agricultores pobres do país. Se no começo ele se referenciava mais na ideia de “colonos sem-terra”, uma terminologia específica da realidade do Sul do país, conseguiu ampliar não só sua cobertura factual, mas sua dimensão simbólica, ao se tornar porta-voz de uma categoria então em formação: os Sem Terra.

Tecnologia pode mudar, mas não o compromisso

Em 15 de maio deste ano, o JST completa 42 anos. Os desafios em torno da luta pela terra e por uma sociedade mais justa seguem inúmeros; assim como os desafios de uma comunicação efetivamente popular, que caminhe junto com as organizações e reflita os valores militantes na sua prática. O aniversário do JST nos atualiza os diversos elementos interessantes de sua história.

O Jornal segue fazendo sentido. Como lemos na edição Especial LGBT Sem Terra, de 2019, que explica que no periódico “é um instrumento para o trabalho de base, formação e luta” e demonstra isso na prática, com dicas e passos para construir coletivos Brasil afora.

O segundo elemento de destaque, a colaboração, permanece imbrincada na comunicação do MST como um todo. Há os coletivos internos do movimento, cada vez mais firmes e fortes, e seguem as construções de redes de apoio, de leitores, de apoiadores, de amigos e amigas que fazem a luta pela terra.

A construção coletiva também se dá na própria rede de veículos: o jornal se apoia no site, que é divulgado na rádio, que chega em instrumentos parceiros, no país e pelo mundo.

E a identidade Sem Terra é reafirmada em todos os exemplos vivos do movimento, desde os instrumentos de informação, até os símbolos, os bonés gigantes e festivos, as feiras, as lutas em todas as trincheiras. O jornal segue contando e fazendo parte dessa história.

Um parabéns gigante a todas e todos que zelam e zelaram por essa maravilhosa experiência de comunicação popular. Que ela siga nos inspirando por muitos anos!

*Joana Tavares foi integrante do setor de comunicação do MST e editora do Jornal Sem Terra, tema de sua pesquisa de mestrado. Foi editora do Brasil de Fato MG e é jornalista em Minas Gerais.


[1] Entrevista para minha dissertação de mestrado “De Boletim a Jornal Sem Terra: história, práticas e papel na constituição do MST”. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-17112014-095943/pt-br.php

**Editado por Solange Engelmann