Grilagem

A grilagem da grilagem do Pontal do Paranapanema

Artigo de Bernardo Mançano Fernandes, Professor da UNESP, campus de Presidente Prudente
Foto: MST em SP

Por Bernardo Mançano Fernandes
Da Página do MST

O governo Tarcísio resolveu ignorar a história da grilagem e acabou por replicá-la. O Estado de São Paulo julgou devolutas a maior parte das terras do Pontal do Pontal do Paranapanema, de modo que estas terras e as que ainda não foram julgadas, jamais poderiam beneficiar as pessoas que grilaram ou que compraram as terras sabendo da origem fraudulenta. O governo Tarcísio, ao vender as terras griladas com até 90% de desconto para as pessoas que compraram as terras griladas, está grilando o grilo. O primeiro grilo foi a falsificação das escrituras, o segundo grilo é vender as falsas escrituras com 90% de desconto para pessoas que participaram do processo de grilagem. 

Ou seja, o governo Tarcísio está vendendo terras griladas para pessoas que envolvidas na grilagem. O que significa que o governo Tarcísio em vez de resolver a questão com uma distribuição das terras para famílias sem terra, democratizando o acesso à terra e fazendo justiça, passa a fazer parte da grilagem. Diante deste fato, somente o Superior Tribunal de Justiça para desfazer a grilagem da grilagem.

Para lembrar da grilagem do Pontal do Paranapanema destaco alguns fatos históricos que mostram o caminho de como resolver a grilagem,

Há dois grandes grilos no Pontal do Paranapanema que iniciaram na segunda metade do século XIX: as fazendas Pirapó – Santo Anastácio de 583 mil hectares e a fazenda Boa Esperança do Aguapeí de 872 mil hectares que somam 1.455.000 ha. Depois de diversas tentativas dos grileiros de legitimarem seus grilos, sendo a última negativa pelo engenheiro que conferiu os autos de medição e confirmada pelo governador Prudente de Morais em 22 de setembro de 1890. As razões foram falsificação da assinatura do vigário da paróquia onde fora registrada a posse e incoerências na demarcação das áreas.

O fato da origem fraudulenta não impediu que os grileiros fracionassem e vendessem os grilos, que são negociados até hoje. Um jornal de Presidente Venceslau, das primeiras décadas do século XX, informava: “Vendemos os melhores lotes de terras… Foram terras griladas, entretanto, sendo de fama internacional os falsificadores das escrituras, podemos afirmar que até mesmos os seus legítimos donos, têm duvidas quanto a autenticidade desses nossos documentos”. 

Foto: MST em SP

No início da década de 1940, os grileiros sofreram um golpe da ditadura Vargas que criou novos obstáculos ao processo de grilagem da Pirapó – Santo Anastácio. A estratégia do interventor federal Fernando Costa (1941 – 1945) de criar as reservas para salvar as terras públicas teve sucesso parcial. Em pouco mais de um ano, foram criadas três reservas florestais com área de 297.340 hectares: reservas Morro do Diabo, Pontal do Paranapanema e Lagoa São Paulo. Restou apenas a reserva do Morro do Diabo de 38.000 hectares. Os grileiros entre outros artifícios usaram o golpe da arrematação, que consistia em corromper o coletor de impostos, que aceitava receber imposto sobre o grilo, o que não era permitido pelo fato de os grileiros não serem proprietários. Depois o grileiro parava de pagar os impostos e grilo ia para leilão, que era arrematado pelo grileiro em acordo com os corrompidos.

Da terra grilada vendia-se tudo o que nela tinha. Os grileiros desmataram e formaram dezenas de serrarias. A exploração foi feita com o trabalho dos posseiros e depois dos colonos. Com a terra desmatada foram plantadas diversas culturas, reservando uma parte da área para a criação de animais. A monocultura do café impulsionou o processo de grilagem com o acúmulo de capital para a formação de fazendas. Nesses ciclos de exploração os grilos se multiplicavam em um modelo de desenvolvimento predatório que ampliava as desigualdades. Os posseiros eram utilizados para o trabalho pesado no desmate e formação de grandes áreas de pastagem e agricultura.

Nas tentativas de regularizar as terras devolutas do Pontal, o Estado utiliza-se de perímetros para desenvolver as ações discriminatórias. Os perímetros são áreas definidas com o objetivo de levantamento das situações dos imóveis. A ação discriminatória é parte de um processo administrativo e jurídico. Os perímetros compõem os territórios de um ou mais municípios, possuem um numeral e uma sigla para identificar a sua localização. Temos, por exemplo, o 11º perímetro de Mirante do Paranapanema (11º MP) que ocupa parte deste município e os perímetros 1º e 2º de Teodoro Sampaio (1º TS e 2 º TS) que formam a área do Parque Estadual do Morro do Diabo, que compõem parte do território deste município. Esses perímetros são utilizados como referências espaciais para a realização das ações discriminatórias. Essas ações são procedimentos administrativos para identificar as áreas devolutas. Com a implantação deste procedimento inicia-se a ação discriminatória por via administrativa que se transforma em uma ação judicial. Na ação discriminatória realiza-se um levantamento da cadeia dominial de cada imóvel que compõe o perímetro. Neste procedimento, é preciso recolher cópias das matrículas e das transcrições dos imóveis do atual proprietário até a origem, ou seja, o primeiro proprietário. No caso do Pontal, a primeira propriedade que origina o grilo é a Pirapó – Santo Anastácio.

Os posseiros sempre lutaram pela terra, mas eram assassinados a mando dos grileiros. A disputa territorial sempre foi permanente e a primeira conquista dos posseiros aconteceu no município de Estrela do Norte, durante os primeiros anos da década de sessenta, aconteceu um violento confronto entre posseiros e o latifundiário grileiro da fazenda Rebojo. Este conflito só terminou após a desapropriação da fazenda, em 24 de março de 1964, pelo então presidente João Goulart. Durante a ditadura militar os conflitos permaneceram, mas invisibilizados.

O MST chegou no Pontal do Paranapanema em julho de 1990 e mudou a correlação de forças. Entre 1988 e 1992, o MST e outros movimentos sem terra realizaram 452 ocupações com 57.487 famílias. As ocupações são a forma de pressão mais efetiva para os governos desapropriarem as terras griladas. Hoje há no Pontal, 117 assentamentos 6.627 famílias em 147.857ha. Esta é a única forma de resolver a grilagem pela terra, pois o Estado não pode compactuar com a grilagem. 

Para mais informações históricas sobre a grilagem, assista:

Tem Grilo no Pontal: