De Olho nos Ruralistas

Dossiê aponta quem são os verdadeiros invasores de terras no Brasil

Ruralistas que estão no centro do poder político do país, possuem quase 100 mil hectares de fazendas sobrepostas a terras indígenas

A comunidade Huni Kuī do Centro Huwá Karu Yuxibu, em Rio Branco, no Acre, teve 100 de seus 200 hectares queimados em 2019. Foto: Denisa Sterbova / Cimi

Da Página do MST*

O dossiê “Os Invasores”, lançado nesta quarta (14), “dá nome aos bois”, apontando líderes ruralistas financiados por empresários que possuem áreas com sobreposições a territórios indígenas, bem como, apresenta políticos e seus familiares que detêm fazendas sobre terras indígenas.

O evento de lançamento dessa segunda edição do dossiê “Os Invasores”, foi realizado no Cine Petra Belas Artes, em São Paulo, e contou com a exibição do filme “Vento na Fronteira”, documentário premiado que apresenta um conflito entre fazendeiros e o povo Guarani Kaiowá na fronteira do Brasil com o Paraguai.

O dossiê é resultado da investigação de mais de seis meses, envolvendo profissionais de diversos campos do conhecimento (Geografia, História, Agronomia, Direito e Jornalismo) e é apresentado num contexto de pressão contra os direitos dos povos do campo no Congresso, com a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a aprovação do Projeto de Lei nº 490/2007, que institui o Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, ambas na Câmara.

Alceu Luís Castilho, diretor do De Olho nos Ruralistas diz que: “A desigualdade de renda anda de mãos dadas com a desigualdade fundiária e a sociedade tem o direito de saber como as terras são apropriadas neste país”. Além disso, o diretor afirma que: “Se os deputados querem debater seriamente a invasão de terras no Brasil precisam entender quem declara fazendas em territórios indígenas”.

De Olho nos Ruralistas identificou 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas

A primeira parte do dossiê, divulgada no dia 19 de abril deste ano, apontou os nomes de empresas nacionais e estrangeiras entre as 1.692 sobreposições de fazendas em 213 terras indígenas, que totalizavam 1,18 milhão de hectares (tamanho igual ao do território do Líbano). Os dados foram levantados a partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Na segunda parte do dossiê, a equipe do observatório rastreou quais destes sócios doaram para políticos nas campanhas de 2022; no caso de 54 dos 81 senadores, também de 2018.

Destas, 42 pertencem a clãs políticos nacionais e regionais. Juntos, eles concentram 96 mil hectares em áreas sobrepostas a TIs (o equivalente à soma das áreas urbanas de Rio de Janeiro e Belo Horizonte). O Mato Grosso do Sul lidera entre os estados, com 17 casos, seguido de Mato Grosso e Maranhão, com sete cada.

Lançamento da segunda parte do dossiê “Os Invasores”. Foto: Vanessa Nicolav / De Olho Nos Ruralistas

Ruralistas receberam R$ 3,6 milhões em doações de campanha de fazendeiros com sobreposições em terras indígenas

Um destaque do relatório são os invasores que investiram em peso na candidatura derrotada de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. Juntos, 41 fazendeiros com sobreposições doaram R$ 1,2 milhão para sua campanha. Eles controlam uma área de 107.847,99 hectares, incidente em 23 áreas demarcadas pela Funai. Entre eles estão mega-empresários do agronegócio e um dos mandantes do Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul.

Três congressistas possuem fazendas em terras indígenas registradas em nome de empresas ou parentes. São eles: o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e os deputados Dilceu Sperafico (PP-PR) e Newton Cardoso Júnior (MDB-MG). Os três são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), face institucional da bancada ruralista no Congresso.

Contrária às ocupações de terras por indígenas e Sem Terra, a FPA é diretamente financiada por invasores: 18 integrantes da frente receberam R$ 3,6 milhões em doações de campanha de fazendeiros ligados a sobreposições em TIs. Entre os beneficiários figuram o presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR), os vice-presidentes Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Evair Vieira de Melo (PP-ES), a coordenadora política Tereza Cristina (PL-MS), ex-ministra da Agricultura, e outros nove diretores.

A família do governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), é dona de um mega-latifúndio no Acre, que incide nos limites da TI Kaxinawá da Praia do Carapanã. Aliados políticos dele e do pai — o apresentador Ratinho — também figuram na lista de sobreposições.

Plantações de soja pressionam terras indígenas e unidades de conservação em Itaituba, no sudoeste do Pará. Foto: Christian Braga/ClimaInfo

Palco do Leilão da Resistência e berço da CPI do Incra e da Funai, o Mato Grosso do Sul é peça central no tabuleiro das sobreposições. Os filhos do ex-governador Pedro Pedrossian, o deputado Zé Teixeira (PSDB), o ex-secretário Ricardo Bacha (Cidadania) e a advogada Luana Ruiz — com trânsito livre na FPA — protagonizam conflitos territoriais com os povos Guarani Kaiowá e Terena.

Cinco municípios brasileiros são comandados por prefeitos ligados à sobreposição de TIs. Os prefeitos de Linhares (ES), Tapurah (MT) e Sapezal (MT) e os vice-prefeitos de Campos de Júlio (MT) e Iguatemi (MS) estão ligados a fazendas incidentes em territórios indígenas — diretamente ou por meio de familiares. Vinte e três ex-prefeitos também têm sobreposições em terras indígenas.

Séries do Observatório De Olho Nos Ruralistas

As sobreposições de propriedades sobre terras indígenas reveladas pelo De Olho Nos Ruralistas, comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Por trás dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tradicionais estão alguns dos principais líderes do agronegócio.

Essa interface política não ocorre apenas no Legislativo. Eles ocupam cargos públicos nos três poderes, garantindo a manutenção do sistema político ruralista que vigora no Brasil há pelo menos dois séculos.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo de lançamento da segunda parte do relatório:

*Com informação do De Olho Nos Ruralistas

**Editado por Gustavo Marinho