Zâmbia: quando o futebol é mais do que um esporte, é a identidade de uma nação

Por Iris Pacheco*
Do Brasil de Fato/Minas Gerais

É simbólica a paixão do brasileiro por futebol e ela está presente de Norte a Sul do país. Não há dúvidas que o futebol permeia a nossa vida em muitos aspectos. Geração após geração reaviva o orgulho de ser o país do futebol.

Aqui do outro lado do oceano, em Zâmbia, na África, pude constatar essa mesma paixão e confirmar: o futebol é a língua da felicidade em qualquer lugar do mundo.

Desde que cheguei na Zâmbia ainda não tinha conseguido estar em um estádio para ver e viver um jogo de futebol. Sim, viver, porque assistir ao clássico da história zambiana no Heroes National Stadium, quando o Chipolopolo Legends enfrentou o FC Barcelona Legends, no dia 25 de maio, dia da África, foi uma das vivências mais fantástica que tive por aqui.

Foi numa quinta-feira, o dia amanheceu iluminado e minha ansiedade gritava para sair de casa. Tão logo pude, parti rumo ao estádio com minha bandeira do Brasil. Seguindo o mesmo destino que inúmeros zambianos. Ao chegar buscamos um lugar onde pudéssemos ter a melhor visão possível do jogo, a partir daí nos entrosamos com a torcida zambiana e veio só a maré de alegria.

Mais de 60 mil torcedores lotaram o estádio com uma atmosfera de emoção e amor inabalável pelo futebol. O Chipolopolo Legends saiu vitorioso por 3 a 0 sobre o renomado FC Barcelona Legends, em uma exibição de tirar o fôlego de habilidade, tenacidade e pura determinação.

Início de jogo, Heroes Stadium lotado. Foto: Iris Pacheco

30 anos depois da maior tragédia do futebol zambiano

Pelo menos três gerações estiveram presentes no estádio e todas elas estavam ali pelo futebol. O nome do estádio nacional é uma homenagem a uma geração interrompida do futebol zambiano no dia 27 de abril de 1993. A seleção estava viajando do Gabão ao Senegal para jogar contra os senegaleses nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Devido a uma falha no motor do avião, a aeronave caiu no Oceano Atlântico causando as mortes de 18 jogadores e 4 membros da comissão técnica, além de 5 tripulantes e 3 outros passageiros.

Nesse período, a Zâmbia era um jovem país independente do Reino Unido, com um frágil sistema econômico e de governabilidade nacional. Onde a máxima panafricanista “África para os africanos” apontava a unidade como algo a se forjar no então continente mãe. Foi em meio a esse cenário adverso de instabilidade interna, que o futebol nacional se deu a conhecer diante dos olhos do planeta, com a participação nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988.

Em seu uniforme laranja, o Chipolopolo simbolizava a esperança numa nação unipartidária instável, com tentativa de golpe de estado, estabelecimento de uma nova constituição e convocação de novas eleições.

Mesmo não vencendo a Copa do Mundo de 1994, qualidade e comprometimento fizeram a seleção zambiana chegar em dois vice-campeonatos e três terceiros lugares, para depois finalmente conquistar seu único título da Copa Africana de Nações em 2012. Um empate com a Costa do Marfim na final permitiu uma comemoração no mesmo lugar em que o avião de seus heróis caiu na costa de Libreville em 1993.

Presença nacional

É fato, o futebol tira as pessoas do lugar comum. Não é à toa, que em meio a tantas vivências antagônicas, mesmo nos rincões do país, encontraremos um campo de futebol que integra socialmente as pessoas e promove a famosa hora de felicidade.

Na Zâmbia de 2023, muitos são os desafios para o futebol e o esporte em geral. Forjar novas gerações que sigam comprometidas com a identidade de um povo requer incentivos políticos, socioculturais e econômicos. O atual Chipolopolo segue fazendo uma bonita e expressiva campanha na Copa Africana de Nações, será que trará o título para casa? E a seleção feminina de futebol, que recebe pouca expressão, mas também tem excelentes craques em campo. Mulheres no esporte com certeza será foco de outra escrevivência por aqui.

Apesar de ainda serem minoria, as mulheres marcaram presença e fizeram uma bonita festa. Foto: Iris Pacheco

Por hora, espero que as lições e glórias do passado consigam elaborar no presente um futuro promissor para o povo zambiano.

*Jornalista, especialista em Teologia das Religiões Afro-brasileiras e especialista em Estudos Latino-americanos. É comunicadora popular e internacionalista na Zâmbia.

Leia outros artigos de Iris Pacheco em sua coluna no Brasil de Fato MG!

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida