Direitos Humanos
Perseguição política a Movimento Sem Terra no Brasil é denunciada às Nações Unidas
Ato em Genebra em apoio ao MST. Foto: Reprodução
Por José Odeveza
Do Terra de Direitos
Na semana que o Brasil passou pela 3ª Revisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Terra de Direitos e outras organizações da sociedade civil brasileira, denunciaram os diversos ataques as ações do Movimento que atua em favor da regularização fundiária e agricultura familiar. Em seu pronunciamento junto aos relatores, a representante da Direção Nacional do MST, Lucinéia Durães destacou, “o que está acontecendo é reflexo de um segmento do Congresso Nacional que não tem medido esforços para criminalizar não apenas o MST, mas as diversas organizações que lutam pelo direito de acessar a terra no Brasil”.
O MST é um movimento social, autônomo, que procura articular e organizar os trabalhadores rurais para conquistar a políticas e ações pela Reforma Agrária no Brasil. Segundo dados do movimento já são cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta por uma distribuição da terra a partir de sua função social.
Um dos maiores destaques da denúncia se deu em entorno da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada em maio de 2023 pela Câmara dos Deputados para investigar a atuação do Movimento. Rompendo com ética dos interesses públicos, a CPI delegou ao deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de governo Jair Bolsonaro, a função de preparar o relatório com os resultados da investigação que mira as lideranças e os financiadores do movimento. Atualmente Salles é investigado por esquema de exportação ilegal de madeira.
Segundo Lucineia, “no último período, uma onda crescente de violência e ódio – hoje fortemente instalada no poder legislativo federal – tem atacado povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos, e também o povo sem-terra”.
A liderança do movimento complementa, “esta CPI representa a criminalização do direito de lutar por direitos, a criminalização do direito de existir enquanto cidadãos e coletividades que buscam a reforma agrária e o direito de acesso à terra (política pública prevista na Constituição brasileira)”.
No último dia 13 de junho, ganhou repercussão midiática imagens que mostram parlamentares, no dia 19 de maio de 2023, invadindo residências de pessoas assentadas sob alegação de estarem realizando diligência vinculada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a atuação do Movimento. Nas gravações é possível ver quando o deputado Ricardo Salles (PL-SP) – atual relator da CPI – coloca a cabeça dentro de moradias de um acampamento na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo. A ação irregular teve conivência do também deputado federal Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), presidente da CPI e foi denunciada como notícia crime ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Lucinéia Durães destaca que estas medidas fazem parte de uma sistemática ação do grupo de parlamentares vinculados agronegócio contra o movimento. “Nos deparamos com um processo de violência e criminalização, promovido por diversos setores, especialmente pelos latifundiários e o agronegócio, hoje amplamente representado no congresso nacional brasileiro”.
Direito à terra
Em Genebra na Suíça, ativistas e representantes de outros movimentos sociais brasileiros realizaram um ato em frente ao escritório das Nações Unidas em reinvindicação a luta por terra no Brasil. A manifestação aconteceu paralelamente à 3ª revisão do Brasil sobre o cumprimento do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá enfatizou que “precisamos unir forças para combater esse processo de criminalização dos movimentos sociais que está acontecendo no Brasil. Estamos intensificando as denúncias no cenário internacional e trouxemos pautas importantes para esta revisão do Brasil no Comitê de Direitos Humanos que dizem respeito principalmente em relação ao acesso aos territórios, acesso à terra para garantir a nossa sobrevivência e existência”.
Na revisão do Brasil pelo Comitê das Nações Unidas, a Terra de Direitos, junto ao King’s College London e a organização Clean Trade, subsidiou a avaliação dos (as) peritos (as) com um relatório paralelo ao do governo brasileiro, focado no direito aos recursos naturais, previsto no art. 1 da Convenção de Direitos Civis e Políticos da ONU. O documento destaca a situação da reforma agrária, de povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidade tradicionais ao longo dos últimos anos, e a alarmante situação de violência e hostilidade contra esses grupos.
Na sexta-feira (30), ao longo da 53ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU a sociedade civil brasileira também apontou os riscos de aprovação de medidas legislativas que podem criminalizar a sociedade civil, a exemplo do Projeto de Lei 3.283/21 que modifica a lei de terrorismo brasileira, e usa linguagem imprecisa para o categorizar terrorismo, tendo a possibilidade de abertura para arbitrariedades.
Confira o vídeo completo da participação da sociedade civil brasileira:
Ainda na Suíça, a sociedade civil e movimento sociais brasileiros realizaram um debate, em evento paralelo à 53ª sessão, sobre a situação da proteção das organizações e movimentos na luta por direitos no Brasil, com a participação do Relator Especial sobre os direitos à liberdade de reunião e associação pacíficas, Clément Nyaletsossi Voule. No debate intitulado “Luta pelos direitos humanos no Brasil: desafios para proteger a sociedade civil” foram também expostos os ataques ao MST e os desafios de defensores de direitos humanos a partir dos dados da pesquisa ” Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, produzido pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global.
Ao longo da semana, o MST e a Terra de Direitos se reuniu com a delegação do Estado brasileiro que esteve presente para revisão do país pelo Comitê de Direitos Humanos e, também, com o ponto focal do Brasil no Alto Comissariado da ONU.
As denúncias apresentadas foram dialogadas com equipes de diferentes mecanismos da ONU, dentre eles: Relatoria Especial de Defensores de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos e Empresas, com o Mecanismo Especial contra o Racismo e Violência Policial. A missão também contou com articulações de estratégias de resistência com a Centre Europe – Tiers Monde (CETIM), organização sediada aqui em Genebra que atua com direitos dos/as camponeses.
Luta por direitos e acesso à justiça
Evento paralelo de debate sobre a preteção da sociedade civil brasileira em Genebra. Foto: Terra de Direitos
O Movimento dos Trabalhadores também apontou falta de responsabilização contra violações cometidas ao movimento e suas lideranças. Um exemplo recente foi a anulação pela 3ª vez da condenação – por júri popular – do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná, Marcos Prochet, acusado do assassinato do trabalhador rural Sem Terra Sebastião Camargo, morto em 1998, em Marilena (PR).
Por três votos a dois os desembargadores acolheram o argumento apresentado pela defesa de Prochet de que a manifestação do Ministério Público do Paraná, em julgamento de junho de 2021 que resultou na 3ª condenação do ruralista, extrapolou o rol taxativo previsto no artigo 478 do Código de Processo Penal. Ou seja, na interpretação da maioria dos desembargadores é de que as referências às condenações anteriores pela promotoria de acusação impactaram a decisão dos jurados. A leitura diverge da avaliação da desembargadora relatora Priscila Placha Sá e do desembargador Joscelito Cé. A posição de ambos acompanha a decisão da 1ª Câmara. Em julho de 2022 a maioria da 1ª Câmara decidiu manter o veredicto do júri por entender que a referências feitas pela promotoria não afrontaram a lei penal.
“Esta terceira anulação do júri popular mostra a fragilidade do sistema de justiça nos casos de crimes cometidos contra o latifúndio. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e a concentração da terra está entre os grandes motivos disso. A impunidade aos crimes do latifúndio escancara ainda mais esta ferida aberta em nosso país. Seguiremos na luta por justiça por Sebastião Camargo e pela efetivação da reforma agrária para milhões de camponeses e camponesas”, destaca Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST pelo Paraná.
As denúncias apresentadas as Nações Unidas ao longo da semana pelo MST e pela Terra de Direitos já surtiram resultados positivos. Na avaliação da coordenadora de incidência e litigância internacional da Terra de Direitos, Camila Gomes, “os peritos que analisaram o estado brasileiro estavam muito antenados e munidos de informações sobre a situação dos direitos humanos no Brasil”, muitas das quais fornecidas pela sociedade civil. A advogada pontua que a proteção territorial para mitigação de conflitos foi objeto de diversas recomendações feitas pelo Comitê. “No relatório apresento ao Comitê, nós enfatizamos a importância da proteção territorial para a garantia de uma série de direitos previstos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, além da sua relação direta com o direito de acesso aos recursos naturais. Esse debate foi fortemente aceito pelo Comitê que ressaltou a necessidade de demarcação de territórios indígenas e da retomada da proteção do direito à terra no país”.
Nos diálogos estabelecidos em diferentes espaços da Organização das Nações Unidas, Lucinéia Durães ressaltou a importância que a solidariedade internacional tem cumprido no apoio ao Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ao longo da sua história. Segundo ela, foi essa solidariedade que ajudou a transformar um dos mais graves episódios de violência contra o movimento, o Massacre de Eldorado dos Carajás quando 21 trabalhadores foram brutalmente assassinados, em um dia de luta e memória. Assim, o dia 17 de abril tornou-se o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
Camila Gomes enfatiza que, “os diálogos estabelecidos em Genebra reforçam a necessária mobilização nacional e internacional no sentido de que a luta pela reforma agrária é constitucional e imprescindível para a democratização do direito à terra no Brasil e para o fortalecimento de um modelo de desenvolvimento mais justo, solidário e sócio ambientalmente responsável.”