Solidariedade Sem Terra
“Esse ato de solidariedade é mais do que 35 toneladas de alimentos, é um ato de amor”
Por Ednubia Ghisi/Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Da Página do MST
“Esse ato de solidariedade é mais do que 35 toneladas de alimentos, é um ato de amor, de responsabilidade e de conscientização”. Esta foi a mensagem dita pelo padre Carlos Oliveira Egles, durante a bênção dos alimentos partilhados por centenas de famílias camponesas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na manhã da última sexta-feira (30), em Guarapuava, Paraná.
A ação ocorreu na comunidade Paz e Bem, e levou uma grande diversidade de alimentos a famílias moradoras de ocupações urbanas que enfrentam dificuldades de acesso à alimentação.
“A bênção dos alimentos neste momento quer dizer ‘eu sou filho, filha de Deus, por isso também tenho a minha co-responsabilidade de um para o outro’. Com essa bênção possamos agradecer a Deus por cada filho e filha que a partir do trabalho e do suor, proporcionou a partilha de solidariedade”, disse o líder religioso da Paróquia Santa Cruz, antes de borrifar água benta sob as caixas de legumes, frutas, grãos e verduras que seriam partilhadas em seguida.
Esta é a 7ª Campanha de Solidariedade da Brigada Cacique Guairacá, formada por dezenas de comunidades de acampamentos, assentamentos, agricultores familiares e posseiros da região centro-sul do Paraná. A iniciativa se soma à Campanha de Solidariedade realizada pelo MST, que desde abril de 2020 já partilhou mais de 1 milhão de quilos de alimentos, somente no estado. Outra ação mais recente da brigada foi em 11 de maio deste ano, quando as famílias partilharam 8 toneladas de alimentos no município de Pinhão.
A mobilização para reunir as 35 toneladas de alimentos começou já no início desta semana, com um coletivo de integrantes do MST visitando as comunidades, ajudando nas colheitas e carregando os caminhões com os alimentos produzidos pelas famílias acampadas e assentadas do MST na região.
Centenas de famílias camponesas participaram da ação doando diversos tipos de alimentos. Fotos: Izabel Cristina Machado Castro
Nelson dos Santos, morador do assentamento Nova Geração, em Guarapuava, e integrante da direção do MST, resume o sentimento das famílias camponesas em fazer parte da iniciativa, indo ao encontro das palavras do padre Carlos. “Nossa satisfação é de estar partilhando com essas inúmeras famílias. É um momento de orgulho, de humanismo, de ser um ser humano melhor para a transformação da sociedade”.
A maior parte da distribuição dos alimentos se concentrou na comunidade Paz e Bens, onde dezenas de caixas de alimentos foram colocadas em fila, para que as centenas de pessoas atendidas pudessem passar e encher as sacolas. A partilha atendeu moradores do Residencial 2000, Vila Carvalho 1, Jardim das Américas, Paz e Bens e Vila Bela, do município. Um caminhão foi direto para a comunidade Colibri, localizada um pouco mais distante e com uma população bastante numerosa.
Também foram doadas 2,5 toneladas para o Hospital São Vicente, 2 toneladas do Hospital Santa Tereza e 500 quilos para Lar dos Idosos SOS Guarapuava Airton Haenisch.
O hospital São Vicente tem capacidade para atender cerca de 100 pacientes, de 80 a 90% pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com até 4 mil refeições por mês.
Essa doação significa muito pra gente hoje. […] Tem bastante paciente que vai usufruir dessa ação que está chegando”, disse Glenda Chemeres de Lima, coordenadora da Nutrição do hospital.
Centenas de famílias urbanas puderam levar uma diversidade de alimentos para casa. Foto: Juliana Barbosa/MST-PR
Pelo direito de ser tratado como ser humano
Além do apoio imediato para garantir comida na mesa, a mobilização é também para cobrar medidas urgentes de apoio às famílias moradoras de ocupações urbanas e rurais, principalmente a regularização das áreas.
“Nós do município de Guarapuava precisamos urgente de uma resposta das autoridades para a situação das áreas de ocupação urbana e rural. Muitas famílias vivem sem acesso à água potável, à energia elétrica, ao emprego porque sofrem discriminação por morarem em áreas de ocupação”, relata Clesmilda Oliveira, integrante da direção do MST na região e moradora do acampamento Encontro das Águas, em Guarapuava.
Durante a assembleia popular realizada na abertura da ação, ela puxou o coro de uma palavra de ordem já bastante utilizadas pelos movimentos de moradia: “Aqui tem um bando de louco, loucos por moradia, aquele que acha que é pouco, não conhece a noite fria”.
Lideranças comunitárias urbanas também denunciaram o descaso por parte do poder público de Guarapuava. Juliana de Fátima Batista, moradora da comunidade Jardim das Américas, falou sobre a falta de acesso aos direitos básicos, e o caso recente de corte de energia elétrica.
“Estamos aqui hoje pedindo só condições humanas que a gente não tem. Ontem cortaram a luz que levam um pouco de conforto para as nossas casas. Nós temos muitas crianças e idosos morando no nosso bairro. Venho aqui não pedir só por mim, mas por todos que moram em ocupação, para que venha alguém nos ajudar e que a gente tenha tratamento digno, porque não estamos pedindo a luz, a água, nós queremos pagar, mas não estão dando condições pra gente”, desabafou, relatando a situação enfrentada nesta quinta-feira, com a ação violenta da Polícia Militar, com conivência da prefeitura.
As famílias moradoras de ocupação não conseguem a ligação formal de energia elétrica por não terem o comprovante de residência. A mesma situação acontece também no campo, onde centenas de famílias camponesas da região que também têm acesso à energia negado. Uma nota técnica do Ministério orienta que as prefeituras e a Copel (Companhia Pública de Energia do Paraná), garantam acesso à energia elétrica às populações moradoras de áreas de ocupação, mas a orientação é violada em vários municípios do estado.
Sandra Mara Soares é moradora do Jardim das Américas e integrante da coordenação dos Comitês Populares de Guarapuava, formados desde o período da pandemia e fortalecidos ao longo da campanha pela eleição do presidente Lula. Ela cobrou coerência daqueles que ocupam cargos públicos e o cumprimento das promessas de campanha:
“Queremos moradia digna, porque na hora de pedir voto é na ocupação que todos os candidatos estão presentes, aí lembram da ocupação e dos moradores. A gente quer uma resposta do município de Guarapuava e da Secretaria de Habitação. Estamos vivendo em situação precária em dia de chuva. Onde estão os representantes do município, que deixam o povo perecer, que deixam o centro bonito e esquece que nós somos humanos?”, questiona a líder comunitária.
Reforma Agrária, por alimentos saudável para todos
As iniciativas de solidariedade têm mostrado a fartura de alimentos produzidos em áreas da Reforma Agrária do MST, mesmo onde ainda não houve formalização do assentamento.
Josiane Grossklaus, advogada popular do MST, defendeu a Reforma Agrária como política pública para garantir a produção de alimentos. Foto: Juliana Barbosa/MST-PR
“A Reforma Agrária, como política pública, talvez seja a política que mais tem o poder de transformação social, porque dá trabalho pra família que vai pro campo, da moradia, traz uma vida digna. Possibilita que essas pessoas, tendo a sua regularização fundiária no campo, possam produzir seus alimentos e também fornecer alimentos de qualidade pra quem vive na cidade”, frisou Josiane Grossklaus, advogada popular do MST, durante a assembleia de abertura do ato.
No caso da ação realizada nesta sexta-feira, as toneladas de alimentos vieram da união entre assentamentos formados no início do MST, em 1984, até acampamentos mais recentes, além de comunidades de pequenos produtores e posseiros, de vários municípios da região. Participaram da ação de dezenas de comunidades, de várias cidades: Guarapuava: acampamentos Encontro das Águas e São Gerônimo; assentamentos Nova Geração, Rosa, Carolina, Europa e José Dias. Em Pinhão: acampamentos Nova Aliança, Nova Esperança, Mato Branco, Filhos da Terra, 05 de Maio, São Sebastião, São Roque, Poço Grande, Laranjal e Nossa Senhora Aparecida; Já em Reserva do Iguaçu: acampamento Rodeio; no município de Marquinho: assentamentos Nova Esperança, Araçaí, Jarau, 29 de agosto, Vagner, Santa Clara, Tuni Tuninhas, Ouro Verde, Europa, José Dias; em Candói, Rio da Lage, Mata do Cavernoso, Ilha do Cavernoso; além dos municípios de Campina do Simão, Goioxim e Cantagalo.
Também estiveram presentes na ação o deputado estadual Dr. Antenor (PT), e as vereadoras de Guarapuava, professora Terezinha e Cris Wainer, ambas do PT.
Acampados e assentados da região com os produtos que foram partilhados. Fotos: Juliana Barbosa MST-PR