Relatório
29ª Feicoop será palco de ato em apoio aos movimentos sociais do campo no sábado (8)
A Comissão Pastoral da Terra do RS (CPT/RS), juntamente com movimentos e pastorais sociais, fará lançamento da publicação “Conflitos no Campo Brasil 2022” no próximo sábado (8). A atividade será realizada no palco principal da 29ª Feicoop (Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária), às 16h, com acesso livre a todos os interessados e interessadas. A feira fica na Rua Heitor Campos, s/n, em Santa Maria/RS.
O lançamento ocorrerá em formato de ato de apoio aos movimentos sociais, contra a violência no campo sofrida pelos povos da terra e suas lideranças, bem como denunciando as ações de criminalização que estão sendo impostas a partir da chamada CPI do MST.
De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), em 2022 foram registrados 47 assassinatos por conflitos no campo, um aumento de 30,55% em relação ao ano anterior, onde foram assassinadas 36 pessoas. Além do alto número de assassinatos, os conflitos por terra no Brasil aumentaram 16,7% em relação a 2021.
Os dados da 37ª edição do relatório também dão destaque para as mortes de Yanomamis em decorrência de conflitos, para os registros de violência na Amazônia e no Matopiba e apresenta números de casos de trabalhadores resgatados de condição análoga à escravidão, que correspondem ao mais alto índice dos últimos dez anos.
No Rio Grande do Sul, os dados revelam os conflitos de terra principalmente contra as comunidades indígenas e o crescimento de casos de trabalho análogo à escravidão. No ano de 2022 foram registrados 243 casos de trabalho análogo à escravo, principalmente na colheita da maçã, uvas, alho, arroz e pecuária. Já nos seis meses do ano de 2023, 296 trabalhadores foram resgatados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Esse número foi impulsionado pela inspeção nas plantações associadas à três grandes vinícolas em Bento Gonçalves, onde 207 trabalhadores viviam em condições degradantes.
De acordo com a pesquisadora Carolina Motoki, “o trabalho escravo não é uma prática isolada e está inserido nas cadeias globais de produção. Ele se apresenta como a radicalidade da exploração a que todos os trabalhadores e trabalhadoras estão cotidianamente submetidos, em diferentes gradações, no capitalismo. O trabalho escravo é resultado da usurpação de territórios, da destruição da natureza e da exploração de sua gente”.
Luiz Pasinato, da CPT-RS, explica que “o caderno dos Conflitos no Campo – Brasil”, lançado todos os anos pela Comissão Pastoral da Terra, é mais do que um relato sobre a violência no campo, ele traz memória, histórias e análises das realidades do campo. E, sobretudo, as resistências e a identidade dos diferentes povos, que simboliza muito mais do que simplesmente números”.
Organizações e movimentos somam-se à iniciativa
Desde que foi noticiada a iniciativa do lançamento da publicação e a intenção do ato de solidariedade aos movimentos sociais ligados ao campo, diversas organizações foram se somando à atividade.
“A violência no campo continua, precisa ser denunciada e combatida”, afirma Frei Sérgio Görgen, diretor do Instituto Cultural Padre Josimo e liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Acerca do tema da criminalização dos movimentos, Görgen afirma que “ainda continuam criminalizando as vítimas”, fazendo memória a um processo que já foi identificado historicamente e vem sendo denunciado pelos movimentos há pelo menos três décadas.
Quanto à publicação e seus realizadores, é enfático: “A CPT é uma trincheira de resistência”. Josimo Morais Tavares, o “Padre Negro das Sandálias Surradas”, que dá nome ao Instituto coordenado por Görgen era dirigente da CPT e foi também uma vítima nas mãos de pistoleiros financiados pelo agronegócio.
Roseli Pereira Dias, assessora da Cáritas Brasileira na regional do RS e integrante do coletivo que realiza a 6ª Semana Social Brasileira no estado, afirma que estas organizações compreendem que a Reforma Agrária é condição para a justiça social, tanto no campo quanto na cidade. “Também queremos lembrar que isto está na Doutrina Social da Igreja, como o Papa Francisco sempre nos faz ter presente, que diz que a Reforma Agrária é além de uma necessidade política, uma obrigação moral.”
Roseli relembra as palavras pronunciadas por Francisco em 2014, no encontro com os movimentos sociais, quando afirmou que os pobres desta terra não devem se contentar com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos e devem ser protagonistas. “O Papa Francisco, com sua sabedoria, afirma que a solidariedade entre os pobres também é lutar contra as causas estruturais da pobreza. É isto que os movimentos sociais do campo fazem”, conclui.
“Estamos num momento de reconstruir, inclusive a esperança, e precisamos nos solidarizar com aqueles que foram atacados e agredidos ao longo destes tempos. Não podemos conceber mais que os pequenos sejam aqueles que tenham que pagar nas negociações e acordos entre as forças políticas e os poderes econômicos”, reflete o dirigente do Conselho Indigenista Missionário no RS (CIMI/RS), Roberto Leigbott.
Na sua ponderação explica que nos últimos anos a população que vive no campo – pequenos agricultores, sem-terra, ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas – foram duramente impactados pela negação dos seus direitos. “O Estado, através de sua governança, introduziu o que nós chamamos de antipolítica. Buscava desconstruir uma história de lutas, de direitos, colocando no lugar o totalitarismo, o individualismo, a concentração, o monocultivo e a deterioração dos bens da natureza. Aqueles e aquelas que se colocavam em movimento de luta e de resistência contra essa perspectiva de desconstrução e desumanização do pequeno e do pobre eram duramente castigados e criminalizados.”
Para Leigbott o período atual pode ser de esperança, mas ainda não é um tempo de garantias, “temos que continuar lutando, construindo caminhos, requerendo que os direitos inscritos na Constituição sejam efetivamente retomados e aplicados na prática da vida daqueles que mais sofrem”.
MST garante que a luta é justa e por isso vai continuar lutando
Maurício Roman, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no RS (MST/RS), demonstra que a perseguição no Parlamento não é uma novidade, citando que o mesmo processo já foi enfrentado em pelo menos outras quatro oportunidades, nos anos de 2005, 2008, 2010 e 2017. “A perseguição ao movimento Sem-Terra agora é realizada em uma CPI puxada por figuras como o ex-ministro Salles e pelo Tenente Zuco – figuras sabidamente atreladas ao bolsonarismo –, sendo que tem na sua composição muitos políticos vinculados ao agronegócio e alguns inclusive sabidamente vinculados às milícias.”
Para o dirigente, até o momento a CPI não apresentou nenhum elemento probatório que justifique qualquer investigação contra a organização. “O movimento está mais uma vez colocado na vitrine, um movimento social que luta de forma justa pela terra há mais de 40 anos é criminalizado porque os governos não discutem a questão da Reforma Agrária, não discutem a divisão nem a função social da terra, não mudam os índices de produtividade”, explica.
Maurício relembra que o MST busca difundir a função social da terra e viabilizar os assentamentos, sendo que só no RS já são mais de 3 mil famílias assentadas que compõem a base do movimento. Cita ainda o potencial de produção de alimento que os territórios da Reforma Agrária colocam em prática, o sucesso de produtos agroecológicos como o arroz, o leite, o café, entre tantos outros viabilizados pelas cooperativas de sem-terras, de forma que se comprova a quem quiser ver que a Reforma Agrária dá certo através da divisão social da terra.
“O movimento vai continuar na sua trajetória, na sua luta, buscando que a terra seja partilhada, que as terras devolutas sejam destinadas à Reforma Agrária, que as terras improdutivas sejam discutidas dentro do Incra, vistoriadas pelo e quando comprovado que não atendem aos índices de produtividade sejam também destinadas para a Reforma Agrária”, garante.