Revolucionário

Frantz Fanon: psiquiatra, filósofo pan-africanista revolucionário e lutador anticolonial

Na data em que completa-se 98 anos de nascimento de Frantz Fanon, confira entrevista com o professor e especialista brasileiro na obra do psiquiatra e filósofo francês, Deivison Faustino
Fanon Falando em Acra, capital de Gana, 1958. Foto: desconhecido, cortesia: London Review of Books

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

O pensador Frantz Fanon influenciou muitos processos políticos e teóricos, inspirou a reforma psiquiátrica italiana. Além de também se tornar inspiração para militantes da África, Europa e do terceiro mundo, em processos de transformação no século XX e no movimento de intelectuais, como o pensamento pós-colonial, o pensamento decolonial e o pensamento contra-conlonial.

Na data em que completa-se 98 anos de nascimento de Frantz Fanon, confira entrevista exclusiva, com o professor da Unifesp e do Instituto Amma Psique e Negritude, um dos maiores especialistas brasileiro na obra do psiquiatra e filósofo francês, Deivison Faustino.

Deivison Faustino. Foto: Arquivo pessoal

Página do MST: Você pode explicar sobre quem foi Frantz Fanon?

Deivison: Foi um psiquiatra, filósofo, pan-africanista revolucionário, pensador da luta anticolonial, que nasceu em 20 de julho de 1925 e morreu em 1961, aos 36 anos, de leucemia nos Estados Unidos. Ele deixou um legado muito importante pra luta antirracista, anticolonial, luta dos povos de todo mundo, que enfrentam a opressão e a exploração provocada pelo imperialismo.

Na sua curta trajetória de vida ele produziu muito e, ao mesmo tempo, foi contemporâneo e protagonista de lutas em momentos muito importantes do século XX. Ele foi aluno do Aimé Césaire e muito influenciado pelo movimento de negritude e pelo marxismo anticolonial, que vigorava no Caribe e marcou muito seu pensamento. Ao mesmo tempo, ele foi contemporâneo da segunda Guerra Mundial, nasceu na Martinica no momento em que a França estava sendo ocupada pelo governo nazista de Hitler e se engajou no exército de resistência contra a ocupação nazista. Pra ele o nazismo era um inimigo de toda humanidade.

Vai pra França estudar psiquiatria Florence, onde conhece o existencialismo, a psicanálise estreita o laços com o marxismo francês. E nesse contexto, que escreve algumas peças de teatro muito interessantes e pouco conhecidos e participa do movimento estudantil. Na graduação como TCC ele escreve o Pele Negra Máscaras Brancas, que vai ser rejeitado pelo orientado. O que o pressiona a escrever outro TCC onde discute a relação entre biologia e subjetividade na constituição da loucura, e se posiciona no debate a respeito da função da psiquiatria, com uma posição progressista. Depois que se forma participa ativamente do que hoje se chama hoje de reforma psiquiátrica, ele foi aluno do François Tosquelles, um grande visionário e reformador do sistema psiquiátrico francês.

Depois vai pra Argélia trabalhar como chefe do Hospital Psiquiátrico e lá estoura a revolução argelina e ele se engaja no processo revolucionário, passa a ser procurado pelo governo Argelino como um terrorista e é obrigado a fugir com a família para a Tunísia. Mas, segue engajado na Frente de Libertação Nacional da Argélia e atua como um dos colunistas anônimos no jornal da Frente de Libertação. E segue atuando também como embaixador do governo provisório da República da Argélia para os países da África Subsaariana, na tentativa de articular uma resposta continental Pan-Africana ao colonialismo. E seguiu atuando na psiquiatria até que descobre que está com leucemia. Ai resolve parar tudo e escrever um último texto que foi nomeado como os Condenados da Terra. E morre um ano antes da revolução Argelina ser vitoriosa.

Quais os principais escritos do autor e que legado deixou para o mundo?

O Fanon teve um período curto de produção escrita e o primeiro artigo dele foi em 1905, que foi publicado em 1951. Mas, antes disso ele já tinha escrito algumas peças de teatro que falavam sobre o amor, sobre a morte, sobre a liberdade e sobre a humanidade de uma forma mais ampla. Logo ele se frustra porque ele percebe que é quase impossível a um homem negro da época dele pensar sobre as questões universais da vida sem se deparar com o racismo.

E é nesse momento que ele começa a escrever o Pele Negra Máscaras Brancas. Que vai ser um livro que trata, basicamente do caráter colonial da modernidade capitalista, do quanto do capitalismo se estrutura a partir de um sistema colonial. Ele marca não só o desenvolvimento das relações capitalistas de produção, mas também a própria composição ética, política e estética que emerge da sociabilidade capitalista. E isso tem efeitos econômicos, efeitos políticos, culturais, mas também subjetivos. E aí ele vai problematizar tanto os efeitos do racismo sobre as pessoas negras quanto sobre as pessoas brancas, oferecendo reflexões bastante originais. Ele é um dos primeiros autores a colocar o branco como objeto. De crítica das relações raciais. Não é só o negro que aparece como um problema, mas também o branco.

Mas ele também vai escrever sobre outras coisas. Ele escreveu muitos artigos. Quando ele vai para Argélia e começa a atuar como um intelectual orgânico da Frente de Libertação Nacional, ele vai fazer muitas análises de conjuntura sobre o desenvolvimento do capitalismo nos países periféricos, nos países cujo capitalismo emerge a partir da colonização. Ele vai escrever sobre a violência colonial. Vai escrever sobre a tortura. Que há a necessidade da unidade entre os povos explorados e, ao mesmo tempo, não vai deixar de escrever sobre a psiquiatria e a psicanálise.

Conferência de escritores na Tunísia, 1959. Foto: Autor desconhecido

Ele segue também trabalhando, atuando na prática clínica, no hospital psiquiátrico e fazendo observações científicas a respeito dessa prática, participando de congressos psiquiátricos e escrevendo, que para nós, do campo da saúde, são grandes contribuições ainda inexploradas sobre uma clínica não colonizada, sobre uma clínica insurgente, uma clínica da liberdade, uma clínica da libertação.

Qual a importância do pensamento de Fanon na atualidade para a luta de classes e por direitos dos trabalhadores e movimentos populares?

As contribuições dele são muito importantes, porque para ele o sistema colonial emerge no interior das relações capitalistas de produção. Algo que ele chama atenção é o fato de que o capitalismo para se universalizar teve que se valer do sistema colonial e o sistema colonial viabilizou o desenvolvimento desigual e combinado do capital. Por um lado, é o sistema colonial que permite a universalização do capital e permite a partir da violência, da expropriação, do assassinato coletivo, do genocídio. O sistema colonial viabiliza o desmantelamento de outros modos de produção, de outras cosmovisões em detrimento da conversão de toda humanidade em produtora de mais valor.

Por outro lado, e também diferencialista, porque esse universalismo não inclui o colononizado no contrato social burguês. Pelo contrário, o colonizado aparece como a peça que está sendo negociada, como a mercadoria. É o que eu chamo no meu trabalho de paradoxo loquiano. Então, ao mesmo tempo que todos os seres humanos são considerados livres para essa burguesia em ascensão do século XVI, XVII, XVIII. O que permite a ascensão dessa burguesia é um sistema colonial, em que prioritariamente o trabalho escravo é um elemento incontornável ao sistema colonial, sem o qual o desenvolvimento da sociabilidade burguesa seria inviável. A grande saída da burguesia revolucionária foi o universalismo diferencialista, eleger a Europa como símbolo universal de humanidade a medida em que essa eleição permite a universalização as relações capitalistas de produção, mas ao mesmo tempo, essa universalidade não pode ser estendida no plano ético, nem político e estético ao colonizado, porque se o escravo é considerado humano ele não pode mais ser escravo e, portanto, a base material do desenvolvimento do capitalismo nesse estágio inicial seria minada.

Então, a luta de classes é possível mediante a expropriação, o Marx fala isso no Capital, o papel do que ele chama de expropriação é separar violentamente o produtor dos seus meios, destituir o produtor dos seus meios de subsistência e esse processo na Europa se dá via da privatização da terra, expulsão dos camponeses, e fora da Europa, via colonização. Mas, esse produtor agora destituído dos seus meios de subsistência na colônia, ele não é incorporado como um cidadão, ele passa a ser visto como mercadoria, como um homem moeda. Portanto, ele está fora do contrato social.

Fanon foi um dos inaugurador e protagonistas do que a gente chama da reforma psiquiátrica. Ele foi um crítico do nacionalismo, foi um crítico da identidade essencialista e, ao mesmo tempo, um defensor radical da necessidade de insurgência dos colonizados e de reafirmação da identidade negada pelo racismo.

E isso faz dele um autor muito peculiar, que oferece uma análise dialética da identidade e da subjetividade que ainda merece ser melhor discutida e que, ao meu ver, traz grandes contribuições para pensar a sociedade contemporânea.

Confira mais informações aqui: Meus artigos e tese sobre Fanon

Veja também o livro lançado por Deivison Faustino, sobre a obra de Fanon: ‘Frantz Fanon e as encruzilhadas: teoria, política e subjetividade’, pela Ubu Editora.