Crônica

20 anos

Fruto da luta pela Reforma Agrária Popular, assentamento Mário Lago celebra 20 anos neste sábado, 19
Foto: Filipe Augusto

Por Filipe Augusto Peres
Da Página do MST

Em Ribeirão Preto, no assentamento Mário Lago, mais um dia singular desdobrava-se no cenário de um plantio agroflorestal. O sol da manhã emergia, lançando um manto amarelo sobre a terra, enquanto a brisa, mais suave do que em todo o restante do município, carregava consigo um perfume fresco e terroso. Era mais um dia de conexão profunda entre a natureza, mulheres e homens da agricultura familiar que se reuniam para dar continuidade à vida da terra, fruto da reforma agrária popular.

Situado na área que abrange a região sucroalcooleira de Ribeirão Preto, a preservação do aquífero motivou a construção de um projeto de assentamento para reforma agrária com bases agroecológicas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), chamado Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) da Barra.

Desde sua conquista contra um poderoso latifundiário, os trabalhadores assentados lutam diariamente contra a especulação imobiliária, que ameaça a preservação desse importante recurso hídrico, além do descaso público municipal com a água e as estradas. Mas, ali, naquele pedaço de chão, trabalhadoras e trabalhadores do campo plantam esperança e resistência.

Fruto da luta, da conquista popular coletiva, as Cooperativas Comater e Comuna da Terra sabem que seu plantio reverberará diretamente, sem intermediários, em sua produção agroflorestal, seja por meio da comercialização de suas cestas agroflorestais, seja em um dos 7 pontos de feira espalhados pela cidade. Eles sabem que cada fruto colhido, cada folha que balança ao vento, é mais um passo em direção a uma realidade em que a terra é cuidada, a vida é valorizada e a natureza é respeitada.

O campo estava preparado, marcado pelas linhas cuidadosamente desenhadas, onde mudas de árvores diversas, sementes crioulas de legumes e verduras esperavam pacientemente para serem colocadas em seus lugares. A terra, outrora degradada pelo plantio intensivo da cana-de-açúcar, agora se recuperava graças à visão sustentável desses agricultores. Os esforços de recuperação do solo eram visíveis, com a vegetação retornando, assim como animais silvestres e as árvores recém-plantadas que prometiam um futuro verde, sustentável e próspero.

Os trabalhadores do campo curvavam-se respeitosamente para colocar as raízes no solo. O som das folhas ao vento parecia sussurrar a feliz história de luta e conquista popular de 20 anos atrás. A canção das folhas contava a saga daquelas famílias que, unidas, reivindicaram essa terra e agora a transformavam em um local de vida e esperança.

O sol subia gradualmente no céu, aumentava sua temperatura e todos realizavam, cada qual em seu trabalho individual, em seu trabalho coletivo, a união entre o plantio e a vida selvagem como se prestassem homenagem a todas as populações quilombolas, indígenas e do campo que vieram antes deles.

Conforme o dia avançava, o trabalho fluía em harmonia com o meio ambiente. Os agricultores paravam ocasionalmente para se refrescar sob a sombra das árvores mais antigas, compartilhando histórias e sorrisos.

– Lembra da primeira vez que plantamos juntos? – perguntou um companheiro.

Ela riu, balançou a cabeça em concordância.

– Parece que foi ontem.

À medida que o calor do meio-dia se aproximava, um almoço simples, mas rico, era compartilhado, ressaltando a conexão entre a comida e a terra que a proporciona. Ali, com a mínima condição de plantio, ninguém passava fome.

– Esses alimentos são especiais não apenas porque são cultivados naturalmente, sem agrotóxicos, mas porque no sabor da terra está o sabor de nossa conquista – observou um deles.

À tarde, quando o sol começava a mergulhar em direção ao horizonte, as últimas mudas junto às sementes eram cuidadosamente acomodadas no solo. O trabalho daquele dia estava completo, e um sentimento de realização se espalhava entre os trabalhadores. Observando a terra agora alinhada com as mudas de árvores e as sementes, um deles pensava como era incrível o reconhecimento em cada semente, cada árvore, que cada um ali possuía, pois via no romper da terra sua história de luta e conquista popular.

O crepúsculo já escurecia o céu com tons de laranja e rosa.

– Hoje foi um dia especial, não acha? – assentiu um deles, olhando para o campo com gratidão. Sem dúvida, cada árvore plantada era uma promessa de um futuro melhor, em que não apenas quem trabalha diretamente, mas todos poderão colher os frutos, além dos produtos sem o uso prejudicial de agrotóxicos. Tudo isso graças ao amor e dedicação desses agricultores e agricultoras familiares, ao esforço que tornou essa terra um fruto da reforma agrária popular.

O tempo pareceu desacelerar para a terra, a mulher, o homem da agricultura familiar. Juntos, todos se uniam em uma dança de respeito e colaboração.