Meio Ambiente
Escola de assentamento se destaca com projeto de preservação de nascentes e fontes
Por Marcos Antonio Corbari
Do Brasil de Fato
Um projeto de preservação e recuperação do meio ambiente que já está sendo realizado há cerca de 5 anos na região da Campanha, no Sul do RS, voltou a receber destaque na última semana. Trata-se da ação denominada “Protegendo as Águas do Pampa”, realizado pelo Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) em parceria com a Usina Pampa Sul e a cooperativa de assentados da reforma agrária Cooptil.
Através das ações do projeto mais de 200 fontes e nascentes de água localizadas nos municípios de Hulha Negra, Aceguá e Candiota receberam intervenções para sua proteção ou recuperação. Quem voltou a colocar essa atividade em evidência foi a Escola Estadual Chico Mendes, que tem no seu terreno uma fonte protegida pelo projeto que se transformou em sala de aula viva para alunos, professores, funcionários do educandário cuja comunidade escolar é formada essencialmente por famílias assentadas da base do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Localizada no assentamento Santa Elmira, a Escola Estadual Chico Mendes tem forte envolvimento nos temas da preservação do meio ambiente, já tendo procedido o plantio de uma agrofloresta, a instalação de um horto de plantas medicinais, de uma horta agroecológica e de uma cisterna para captação e aproveitamento da água da chuva.
“Todos os espaços são utilizados como laboratórios vivos onde nossos alunos e alunas têm a oportunidade de participar, interagir, levar para suas casas saberes e reflexões que poderão fazer diferença no seu cotidiano”, explica a professora Cenira Hahn. Ela acompanhou o projeto que foi selecionado pela 13ª Coordenadoria Regional de Educação (região de Bagé) e apresentado durante os últimos 4 dias da 46ª ExpoInter, em Esteio, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
“O que nós aprendemos com os projetos, levamos para nossa vida. Neste caso, da proteção das fontes, só quem passa pela situação de ficar sem água no seu lote sabe a diferença que faz quando se têm uma fonte preservada para garantir a água para as pessoas e para os animais”, afirma Marcelo Pereira Ferreira, 13 anos, aluno do sétimo ano. O estudante foi o responsável pela apresentação do projeto aos visitantes da feira. Marcelo e sua família são assentados da reforma agrária e vivem no assentamento Banhado Grande, onde já passaram por dificuldades severas nos períodos recentes de estiagem prolongada que castigou a região de forma reincidente nos últimos 4 anos.
Nas duas maquetes interativas produzidas pelos alunos, Marcelo demonstra o que acontece com uma área onde a fonte não é preservada e sofre com a intervenção humana de forma inadequada, pisoteio de animais, contaminação por venenos agrícolas ou até mesmo pela expansão da área da lavoura. E trás o contraponto ao espaço onde a fonte é preservada pelas ações do projeto, recebendo intervenções planejadas para que a água possa seguir sendo utilizada de forma racional e com segurança, cercada para que não seja pisoteada por animais e por vegetação para que esteja livre de qualquer tipo de contaminação.
Outro ponto destacado pelo estudante é a qualidade da água, que é monitorada nas fontes protegidas pelo projeto através de um laboratório vinculado a Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Nos documentos de análise apresentados pelo aluno é possível ver a mudança na qualidade da água através das primeiras análises (onde se encontrava imprópria para o consumo humano) até o período atual (quando já foi alcançado um nível de pureza que indica a possibilidade do consumo humano com tranquilidade e segurança).
Estudante e professora apontam que além dos trabalhos desenvolvidos diretamente no espaço da fonte protegida e dos demais projetos implementados no entorno da escola, acontecem uma série de outras atividades derivadas, como textos, jogos, rodas de conversa, palestras, visitas técnicas, entre outras.
“Isso contribui na formação de cidadãos críticos e conscientes que sejam capazes de atuar na proteção e preservação do meio ambiente” aponta Marcelo. “Quando participamos de um espaço como este temos primeiramente uma oportunidade de mostrar a importância do trabalho das escolas do campo”, acredita Cenira, acrescentando que também representa “uma alternativa não apenas da nossa região, mas uma experiência que pode ser reproduzida em outras regiões”.
Visita especial
No sábado (2) a professora Cenira e o aluno Marcelo foram surpreendidos por visitas especiais. Três técnicos que trabalham nas ações de preservação das fontes foram até Esteio para ver a apresentação na ExpoInter. Igualmente assentados da reforma agrária, os trabalhadores demonstraram felicidade e emoção em ver que as ações do projeto estão repercutindo em espaços distantes do território onde acontecem, levando o bom exemplo do que se tem praticado na região da campanha para que possa incentivar outras ações semelhantes noutros recantos do estado ou mesmo do país.
“É uma satisfação muito grande poder ver que as ações que realizamos na preservação do meio ambiente servem para o aprendizado das nossas crianças lá na escola e que podem ser demonstradas para outras pessoas aqui na Expointer”, afirmou Valmir do Amaral. No mesmo sentido se manifestou Nei Augusto Pereira, “é sempre bom sentir que com o nosso trabalho estamos fazendo a nossa parte para preservar a natureza, ajudar a evitar essas situações como a seca e o aquecimento com os cuidados que podemos ter quando cuidamos da água, das árvores e das pessoas”.
“Eles também são alunos e professores”, aponta o diretor do ICPJ, Frei Sérgio Görgen, falando dos trabalhadores que se dedicam ao projeto de preservação das fontes. Tiveram que aprender com o que já tinha sido pesquisado e desenvolvido, mas também tiveram que pesquisar alternativas para situações que ainda não se tem notícia que tivessem acontecido antes, exatamente como fazem alunos e pesquisadores nas escolas e universidades” apontou. “Depois passaram a nos ensinar, compartilhando e multiplicando os aprendizados conosco, com as famílias onde as fontes estão localizadas e até mesmo nesses espaços de interação com alunos e professores nas escolas, como a Chico Mendes, que recebem ações dos projetos do ICPJ e seus parceiros”, afirmou.
Reconhecimento da 13ª CRE
De um total de 140 inscritos, foram selecionados em todas as coordenadorias regionais de Educação do estado 15 projetos oriundos de escolas do campo para serem apresentados na Expointer. Os experimentos apresentados por alunos e alunas, sempre supervisionados por professores, demonstraram um mosaico de potenciais a partir dos diferentes territórios e realidades. No espaço da feira as atividades foram acompanhadas de perto por gestores e gestoras vinculados às coordenadorias e a própria Secretaria Estadual de Educação.
A Escola Estadual de Ensino Fundamental 29 de Outubro, no assentamento 16 de Março, em Pontão, também participou durante três dias da Expointer. O professor Munir Lauer acompanhou os alunos, que levaram produtos feitos com ervas do horto da escola. Segundo ele, a Escola 29 de Outubro, há mais de duas décadas, tem adotado entre suas ações pedagógicas, os Núcleos de Pesquisas, que no decorrer dos últimos anos, adquiriu materialidade junto à disciplina de Projeto de Pesquisa, que desencadeia-se, como ápice das mesmas, em Seminário no mês de novembro.
A professora Eliza Portela Silva, assessora das escolas do campo na 13ª Coordenadoria de Educação, apontou a importância de trabalhos como o que estava sendo apresentado pela escola Chico Mendes se expandam até a comunidade e até mesmo alcancem espaços além da própria região. “Ainda mais quando se trata de um tema tão importante como essa escola está trazendo aqui, que é a preservação do meio ambiente, uma ação que se relaciona com a realidade do aluno, mas que é um desafio para todos nós enquanto sociedade”, afirmou.
Para a assessora da 13ª CRE, que acompanhou momentos difíceis a que a escola esteve submetida no passado, é uma satisfação muito grande ver os resultados positivos que têm sido alcançados e enaltece a forma ativa como direção e professores buscam parcerias no entorno da comunidade escolar, se tornando uma referência para a Educação no Campo. “Nos sentimos desafiados e motivados para seguir defendendo a manutenção das escolas do campo, manter o trabalho de qualidade que é realizado nestes espaços, porque o aluno tem o direito de aprender, de ter acesso a uma educação de qualidade, seja no campo ou na cidade.”
“É muito triste quando acontece o fechamento de uma escola”
Ana Paula Fialho, professora responsável pela Educação no Campo na estrutura da Secretaria Estadual de Educação, explicou que o governo do estado tem “essa expectativa de que as escolas possam desenvolver projetos voltados para as suas comunidades, para as suas realidades, principalmente na perspectiva de solucionar algum problema que possa existir naquele território”. A gestora parabenizou a forma como a escola Chico Mendes trabalha um tema tão importante para a realidade da região onde está inserida, que é a questão da água, com o projeto “Protegendo as Águas do Pampa”, que se volta para um tema de interesse daquela comunidade, um problema real que as pessoas têm no seu cotidiano”.
“É uma satisfação muito grande quando vemos o resultado desse trabalho através dos nossos estudantes que vão fazendo esses projetos acontecer, serem protagonistas daquilo que eles estão aprendendo na escola”, aponta Ana Paula. Para a gestora, é importante que ações como as que foram apresentadas pelas escolas que desenvolveram projetos durante o último ano fortalecem as iniciativas de defesa e manutenção das escolas do campo.
“É muito triste quando acontece o fechamento de uma escola, todo nosso esforço é justamente no sentido contrário, de que isso não aconteça mais, a nossa visão e a nossa concepção de educação do campo é que esses alunos precisam ser atendidos lá, próximos de suas comunidades, que não percam esse vínculo”, completou.
“Queremos que o jovem permaneça no campo, mas que ele tenha qualidade de vida, alternativas, de modo que a escola incentive o desenvolvimento rural sustentável”, explicou Ana Paula. Para ela o aluno que está inserido na realidade da escola do campo tem acesso a uma estrutura diferente, que em muitos sentidos é inclusive ampliada, porque além das estruturas formais de um laboratório entre quatro paredes, “o principal laboratório de uma escola do campo precisa ser o laboratório vivo que está disponível no entorno da própria escola, esse laboratório precisa ser utilizado, os professores e alunos precisam aprender a utilizar todos os potenciais desse laboratório e os alunos a tirar proveito de toda diversidade de possibilidades que se colocam ali”.
Edição: Katia Marko