Aromas de Março
Feminicídio: mais do que indignar é preciso enfrentar
Por Lucineia Miranda de Freitas*
Da Página do MST
A morte de mulheres nas fogueiras da inquisição foi central na conformação do patriarcado nos moldes necessários para a consolidação do modo de produção capitalista, conformando a divisão social e sexual do trabalho e a apropriação privada de organizações e espaços comuns. Este processo, naturalizou a violência como forma de controle dos corpos, não apenas das mulheres, mas da classe trabalhadora e dos territórios. Por este motivo, é tão comum a culpabilização das mulheres frente às violências sofridas pelas mesmas como a violência doméstica, o feminicídio, o estupro, os assédios, etc., assim como a culpabilização da classe trabalhadora frente à violência do capital, seja pela fome, a polícia, o desemprego, as remoções forçadas, a expropriação e tantos outros.
Em tempo de crise estrutural do capital, que se expressa de diversas formas, econômica, social, ambiental, com um processo de aprofundamento da espoliação dos povos e dos territórios, percebe-se um agravamento das violências contra os sujeitos historicamente considerados à margem, sendo o patriarcado e o racismo as bases reais de organização dessa violência, com destaque à violência contra as mulheres (principalmente as mulheres negras) e que tem como ápice o feminicídio e o homicídio de mulheres.
Acompanhando os dados publicados no Anuário de Segurança Pública de 2023, percebe-se que temos vivido um crescente aumento das suas diversas formas de violências de gênero. O Anuário mostra que em 2022, os feminicídios aumentaram 6,1%, totalizando 1.437 mortes, chegando a num total de quatro mortes por dia. Assim como o homicídio de mulheres que também teve um aumento de 1,2%, num total de 4.034 mortes no ano. Cabe destacar que muitos estados ainda não diferenciam feminicídio e homicídio de mulheres. Outro dado importante que se observa é que o índice de tentativas de feminicídios também aumentou em 16,9%, evidenciando ainda mais o agravamento da violência contra as mulheres.
O Anuário também comprova que o lugar mais perigoso para as mulheres é sua própria CASA, seja pelo risco da violência sexual, seja pelo risco de assassinato. Em relação à violência sexual, 68,3% dos estupros ocorrem nos domicílios das vítimas e nos casos de feminicídios, sete em cada dez mortes ocorreram dentro de casa”.
A violência contra as mulheres tem como característica também ser cometida por pessoas próximas: 83,7% dos feminicídios foram cometidos por parceiros, ex-parceiros ou familiares das vítimas. Ou seja, são pessoas que conhecem suas rotinas, hábitos e fraquezas, o que dificulta o processo de resistência.
Os dados das demais formas de violência, como assédios, violência física, psicológica, moral e política, mostram que o feminicídio é a ponta de um grande iceberg, que causa sofrimento e adoecimento das mulheres, tanto na cidade quanto no campo, principalmente das mulheres negras periféricas.
Nossas áreas de assentamentos, acampamentos e demais espaços construídos pelo MST não são ilhas nesse contexto, portanto, o aumento da violência também se expressa entre nós. Há algum tempo temos percebido isso na narrativa de companheiras, nas tristes notícias que nos chegam quando já não há nada que possamos fazer para proteger a vida de uma de nós; pois, vivenciamos um aumento dos feminicídios e suicídios em decorrência das violências em nossos territórios.
Entre abril de 2021 e setembro de 2023, tivemos a ocorrência de cinco feminicídios e dois suicídios em nossas áreas, destacamos, porém, que esses foram os casos noticiados, mas certamente ocorreram outros, pois sempre que postávamos as notícias em nossas redes, ouvíamos comentários de que “esta não é a primeira vítima”.
Ainda que estas não foram as primeiras vítimas, devemos lutar para que sejam as últimas! Nesse sentido, é necessário reafirmar que, para a construção da Reforma Agrária Popular, mais do que nos indignar frente a essas dolorosas notícias, temos de enfrentar a cultura misógina, que despreza, mata e naturaliza as violências cotidianas contra as mulheres e meninas. E para isso, precisamos mudar também nossa cultura política, dialogar sobre o tema, enfrentar nossas contradições, projetar novas relações humanas, que no cotidiano se contraponham à exploração e opressão impostas pelo modo de produção capitalista, ou seja, precisamos tecer a emancipação humana.
Isso exige de nós mantermos firme e acesa a memória das companheiras tombadas, darmos centralidade política ao enfrentamento e a toda e qualquer forma de violência para construirmos instrumentos de atuação em nossos territórios e outros espaços político-organizativos.
Entre essas ações de enfrentamento às violências contra a mulher, na segunda-feira, (11), a partir das 15h, acontece a Assembleia Nacional online do MST Basta de Feminicídos. A atividade interna, conta com a participação de trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra de todo país.
Por todas as vítimas de feminicídios,
nenhum minuto de silêncio,
mas toda uma vida de luta!
*Dirigente nacional do setor de Gênero do MST.
**Editado por Solange Engelmann