Combate às violências
Assembleia Basta de Feminicídios fortalece luta contra violências nas áreas de Reforma Agrária
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Buscando fortalecer e avançar nos processos de enfrentamento às violências contra as mulheres e em defesa da vida das mulheres e meninas nos territórios e na luta coletiva pela Reforma Agrária Popular, trabalho que é desenvolvido há décadas no MST e tem se intensificado no último período com a pandemia de Covid-19, nesta segunda-feira (11) ocorreu a Assembleia Nacional do MST Basta de Feminicídos, com a participação de mais de 300 trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra de todo país.
Somos mulheres, nos interessa a felicidade!”
– Divina Lopes, da direção nacional do MST.
A atividade online foi um momento perpassado por muita mística, cantorias e poesias, retratando a resistência e rebeldia das mulheres Sem Terra, além de homenagear a memória das mais de seis camponesas vítimas de feminicídio ou que cometeram suicídio em decorrência da violência doméstica que sofriam em áreas de acampamentos e assentamentos do MST, entre 2021 e 2023.
Como lembrou Divina Lopes, a assembleia representou um espaço de revolta, de indignação e denúncia, e foi mais um momento construido pelo Movimento Sem Terra no enfrentamento a todos os tipos de violências e às violências contra às mulheres.
Essa assembleia traz pra nós várias questões, primeiro que a nossa vida enquanto mulheres é atravessada por um conjunto de violências, porque para chegar ao feminicídio ou suicídio as mulheres já sofreram um conjunto de violências. Seja a violência moral, o ataque à nossa condição de mulher, seja a violência política. As companheiras que perdemos precisam ser as nossas sementes de rebeldia e resistência”, enfatiza Divina.
O espaço de revolta e denuncia contra os assassinatos de mulheres também trouxe presente a memória de um ano do feminicídio da militante e dirigente do MST em Goiás, Neurice Torres, mais conhecida como dona Neura. Ela foi assassinada por seu parceiro, no dia 11 de setembro de 2023. Neura era assentada no assentamento Dom Roriz, em Minaçu (GO), defensora e construtora da agroecologia no Cerrado brasileiro.
Além de dona Neura, entre 2021 a 2023, o MST já perdeu mais de seis mulheres lutadoras nos territórios da reforma agrária, vítimas de feminicídios ou suicídios devido à violência doméstica, são elas: Ana Leite, do RS; Edineia Ribeiro Santos e Grace Anne Peres de Oliveira, de MG; Marlene de Jesus Nunes, da BA; e Marleide Viera, do PE.
Os dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, com levantamento de 2022, apontam para um aumento nos crimes de feminicídio no país no ano passado. Nesse sentido, Lucineia de Freitas, da direção nacional do MST e coordenadora nacional do setor de Gênero do MST, alerta que as estatísticas comprovam que “o lugar mais perigoso para as mulheres é sua própria CASA”, porém, nós mulheres, hoje também não nos sentimos seguras em lugares públicos, nos transportes públicos e em vários outros ambientes.
Confira na Coluna Aromas de março deste mês: Feminicídio: mais do que indignar é preciso enfrentar
Nesse sentido, Divina também ressaltou a importância do trabalho que vendo sendo realizado no MST com a criação de vários instrumentos no enfrentamento às violências, mas de que esse trabalho precisa estar articulado com a conquista de políticas públicas para ser possível avançar em relações humanas de respeito e livre de violências contra as mulheres na sociedade. “Precisamos lutar também para que a gente tenha políticas públicas, que nos ajudem a fortalecer a nossa articulação e enfrentamento contra as violências, é extremamente importante”.
Aline Yamamoto, Diretora de Proteção de Direitos da Secretaria Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres do Ministério das Mulheres, ressaltou que o ministério está trabalhando para implementar no país um Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, que irá funcionar com uma estratégia interfederativa de implementação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, em que os estados e municípios terão a função de apresentar planos de ações para enfrentar essas violências, articulados com a política pública nacional.
“Nós temos um Comitê Gestor desse pacto, composto por dez ministérios. A gente está propondo uma mudança de paradigma, focada na prevenção e entendendo que para mudar o cenário de feminicídio no país, precisa prevenir todas as formas de violências contra as mulheres, porque é esse contexto que marca os assassinatos de mulheres, não sem se vincular a todas as formas de violência e discriminação que as mulheres sofrem”.
Já em relação às ações voltadas para as mulheres do campo, das águas e florestas, a partir de reivindicações apresentadas ao Ministério das Mulheres durante a Marcha das Margaridas, Aline explica que foi publicada uma portaria instaurando o Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo, das Florestas e das Águas, iniciativa que já havia sido implementada em 2007 e paralisada pelo governo de Bolsonaro.
“Esse fórum vai ser com a sociedade civil. Então, para prevenir feminicídios só será, realmente eficaz, se a gente conseguir alcançar todas as mulheres dos diversos territórios e das diversas raças, etnias, mulheres com deficiência, mulheres e bebês. Nessa perspectiva da diversidade, que é central da nossa política e dessa gestão”, pontua Aline.
Atiliana Brunetto, da assessoria de participação social e diversidade no Ministério das Mulheres, relembrou a importante conquista da criação desse ministério pelo Governo Lula, que vem trabalhando na aplicação e implementação de nove leis, em relação ao enfrentamento das violências, o trabalho, a saúde, a educação e os demais temas que afetam a vida das mulheres no país.
“É um nascer de muitas conquistas desde que se consolidou o ministério. E essa conquista está se consolidando nesses quatro anos, a partir de três eixos: do enfrentamento às violências, o nosso maior barco, pois vencendo a violência a gente vence essa questão da autonomia econômica, da emancipação política, nos espaços de decisão. O outro é a autonomia econômica e dos cuidados e da participação política.”
A assessora também chamou atenção para a construção do Plano Plurianual (PPA), criado pelo Governo Lula em abril deste ano, que tem realizado um ciclo de consulta popular voltado para o planejamento de ações governamentais, como a criação de políticas públicas nos próximos anos. Nesse sentido, Atiliana ressaltou a importância o PPA para a escuta das organizações e entidades de mulheres da sociedade civil, como as do campo, das águas e florestas, “para a construção de políticas públicas, desde os assentamentos, das aldeias, dos quilombos e das periferias das cidades; a partir de um olhar da base, das mulheres, que compõem a sociedade brasileira.”
Ela também convocou as mulheres Sem Terra a se somarem na mobilização da Marcha Contra a Misoginia, prevista para o final de outubro deste ano, voltada para a conscientização da sociedade no enfrentamento às violências contra as mulheres.
É isso que faz a cada seis horas uma mulher ser assassinada no país. Vamos chamar os movimentos sociais para fazer ações de mobilização e conscientização com a sociedade. É vencendo o ódio contra as mulheres, que vamos dar um passo para a qualidade de vida e dignidade das mulheres. Que a gente possa nos fortalecer enquanto organizações das mulheres, para que juntas/os possamos enfrentar e derrotar a misoginia na sociedade”, afirma Atiliana.
Protocolo de enfrentamento às violências
No último período as mulheres Sem Terra tem avançado no debate contra todas as formas de violências dentro da proposta de Reforma Agrária Popular do MST, com foco em dois tipos de enfrentamentos estratégicos: “o enfrentamento à qualquer forma de exploração, mas para construir desde os nossos territórios uma sociabilidade rumo a um projeto de transformação, a gente precisa também enfrentar todas as formas de opressão e violências. Isso está colocado no nosso horizonte do projeto de Reforma Agrária Popular, numa síntese formulada, inclusive pelas mulheres”, explica Divina.
Portanto, para a dirigente, “não se produz alimento saudável, não se produz um projeto de emancipação e de revolução sem o enfrentamento às violências.”
Nesse contexto, atualmente o MST vem realizando um processo de escuta, acolhimento, trabalho de base e a elaboração de materiais de orientações, campanhas e documentos, no enfrentamento às violências contra às mulheres, como o “Protocolo de enfrentamento às violência e orientação das relações humanas no MST e nos territórios”.
“E essa assembleia nos chama atenção pra isso, de que a gente precisa criar instrumentos para enraizar o trabalho com o nosso protocolo de enfrentamento às violências em nossos territórios e reafirmar, que basta de feminicídios! não podemos aceitar mais perder nossas companheiras em nossos territórios. Não e só o feminicídio ou o suicídio que afasta, as outras violências também afastam as nossas companheiras do front, e a gente não pode permitir mais isso, pela beleza e justeza da nossa causa enquanto Movimento Sem Terra”, conclui Divina.
Basta de feminicídios e basta de violências!
*Editado por Fernanda Alcântara