Comunicação
MST e jornalismo: relação tensa e de aprendizado
Por Christa Berger
Do Brasil de Fato
Assistindo à cobertura da CPI do MST, em que sem-terra é tratado como terrorista, oportunista e vândalo; acompanhando as atividades de solidariedade do MST com as vítimas do ciclone no Rio Grande do Sul, em que o silêncio reina nas telas da TV e nas páginas dos jornais, volto no tempo para lembrar de um episódio em que a relação MST/Jornalismo mereceu registro e é aprendizado.
Era 1996 e, no município de Eldorado de Carajás no Pará, acampados protestavam para conseguir a desapropriação da fazenda Macaxeira. A polícia militar interviu, matando 21 trabalhadores rurais no que ficou conhecido como o massacre de Eldorado do Carajás.
Mais ou menos nos mesmos dias, em Porto Alegre realizava-se o 27º Congresso de Jornalistas. O MST enviou uma carta que foi lida no congresso e que considero um documento de reflexão sobre as funções do jornalismo que ao fazer ver o acontecido dá materialidade histórica a ele.
Setembro de 2023, a CPI do MST e a solidariedade do Movimento aos atingidos pelo ciclone pede cobertura do bom jornalismo.
Aqui a carta guardada como documento.
São Paulo, 22 de abril de 1996
Aos companheiros jornalistas e fotógrafos
Diante da dor e da tragédia que foi o massacre dos companheiros sem-terra do Pará ficou mais uma vez evidente para o MST a importância do trabalho que vocês desempenham nos meios de comunicação deste país.
Graças a presença e à reação da repórter da TV Liberal Marisa Romão, e do cinegrafista da TV, Oswaldo Araújo, muitas pessoas foram salvas. Além disso, o testemunho deles se tornou fundamental para nós, já que palavra de sem terra costuma valer muito pouco diante de autoridades que estão fazendo o que podem para se eximir desta responsabilidade.
É pelo olhar de vocês e pela indignação que ele reflete que mais este massacre não está passando desapercebido pela sociedade. Por isso, queremos deixar registrado o enorme valor que nós damos para este trabalho árduo que vocês estão tendo. E quando vocês pautam e descrevem a nossa luta, vocês a iluminam tornando-a conhecida para o povo brasileiro.
O poder no Brasil sempre soube onde os sem terra andavam até porque faz tempo que nós teimosamente cobramos a realização das promessas de reforma agrária que só a conta- gotas saem do papel. Mas quando vocês contam e registram esta história é que nós passamos a ser conhecidos pela sociedade.
Sabemos que só assim massacres hediondos como o do Pará não voltarão a ocorrer e quem sabe a Reforma Agrária, sonho de todos nós, torne-se de fato uma realidade no Brasil.
Gilmar Mauro, p/direção do Movimento Sem Terra
Edição: Katia Marko/ Brasil de Fato