Assentados comemoram participação no Festival do MST no Rio de Janeiro
Feira integra o “Festival do MST: por Terra, Arte e Pão!”, no Rio de Janeiro. Foto: Priscila Ramos
Por Eduardo Miranda
Do Brasil de Fato
Os cinco anos do Armazém do Campo do Rio de Janeiro estão sendo comemorados com o “Festival do MST: por Terra, Arte e Pão!”, na Lapa, centro do Rio, com programação cultural que começou na sexta-feira (15) e vai até este domingo (17). Os produtos expostos na Feira vêm de assentamentos e acampamentos do MST de várias partes do Rio e de outros estados.
Integrante de coletivos da região dos Lagos do estado que estão presentes no Festival, Marcela dos Santos é do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, em Macaé. Ela afirma que a Feira aproxima a cidade do campo, na medida em que a população dos centros urbanos pode ter contato com os produtores que apresentam os alimentos.
“A Feira tem uma importância muito grande. Aqui, as pessoas que vêm para visitar conversam com os próprios produtores, ficam sabendo o quanto nosso alimento é saudável, damos nossas receitas, é um compartilhamento de conhecimento do campo com a cidade”, explica Marcela.
Segundo ela, a Feira também ajuda a desmistificar a percepção negativa que a mídia cria sobre o MST e a produção de alimentos pelas famílias. Com frequência, o PDS doa alimentos na região onde está situado. No assentamento vivem aproximadamente 63 famílias. Marcela tem três filhos, no assentamento ela vive com a mãe, um dos filhos e os dois netos.
Marcela dos Santos, do PDS Osvaldo de Oliveira. Foto: Priscila Ramos
Alternativa aos atravessadores
Entre produtoras e produtores da região Norte do estado do Rio, Damiana Alves Viana, mais conhecida como Ana, é do assentamento Dandara dos Palmares, de Campos dos Goytacazes. Ela está na feira do Festival do MST com mais três assentamentos daquela região: Josué de Castro, Zumbi dos Palmares e Oziel Alves.
Ana e os demais assentados participam da Feira oferecendo alimentos como mandioca, abacaxi, abóbora, limão, polvilho, farinha, mel, sucos naturais e alguns temperos. O assentamento Dandara tem 20 anos, mesma tempo da chegada de Ana ao local, onde vivem hoje cerca de 21 famílias.
Ela contou que as Feiras do MST mudaram a dinâmica de comercialização dos produtos das famílias assentadas. Antes, muitos eram dependentes de atravessadores que fazem a mediação entre produtores e comerciantes.
Ana, do assentamento Dandara dos Palmares. Foto: Priscila Ramos
“Somos filhos de lavradores, a gente planta. Antes, a gente plantava e perdia, não conseguia vender nossas mercadorias. Quando conseguia, era para os atravessadores por um valor muito abaixo do preço. O MST abriu as portas com a feira estadual, as feiras regionais, hoje vamos até a feiras em Minas e São Paulo. Nossas mercadorias são vendidas pelo preço que elas valem. É muito gratificante”, comentou ela.
O esforço físico pelo trabalho com a terra não desanima quem produz a comida que o campo e a cidade consomem. Julia de Almeida vive há 11 anos, com marido, dois filhos e dois netos, no assentamento Roseli Nunes, em Piraí, na região Sul do estado. Na Feira, a região também está representada pelo assentamento Terra da Paz.
Além das hortaliças, do milho e do feijão, produtos levados para a Feira na Lapa pelo coletivo Alaíde Reis, algumas das cerca de 80 famílias do Roseli Nunes estão iniciando e experimentando o cultivo de novos produtos. Um deles é a banana. A outra novidade é a plantação de mudas para produzir café orgânico.
Julia de Almeida, do assentamento Roseli Nunes. Foto: Priscila Ramos
“A pandemia e o desgoverno passado trouxeram muita dificuldade para todos nós. É muito bom estar aqui hoje. É claro que a Feira é uma maneira de escoar nossa mercadoria, é importante porque é de onde tiramos nosso sustento. Mas ver as famílias, ter esse contato para renovar nossa força e reencontrar os companheiros também é muito importante”, comemora Julia.
Outros estados
O estado do Espírito Santo também comparece com diversos assentamentos no Festival do MST no Rio. Ícaro Motta Portes, de 22 anos, nasceu no assentamento Zumbi dos Palmares, em São Mateus, no norte do estado, dois anos depois de a ocupação, cujo início data de 1998, receber a emissão de posse em 1999.
Ele conhece toda a história da região. Um dos acampamentos da Regional Quilombo dos Palmares tem 39 anos, a idade do MST, que vai comemorar 40 anos de fundação em 2024. Ícaro explica que a cidade de São Mateus é a 12ª mais antiga do Brasil e que na região funcionou um porto de chegada de pessoas escravizadas.
“Na sede do assentamento há uma mansão que era usada como espaço de festas e de articulação da UDR, a União Democrática Ruralista, uma organização violenta de latifundiários que nasceu em contrapartida ao MST e que ordenou diversos assassinatos de companheiros na luta pela terra, a conquista desse território foi muito simbólica”, conta Ícaro.
No passado, a área foi um assentamento de colonos italianos e, por isso, recebeu o nome de Nova Verona, atualmente distrito de São Mateus, mas estes foram expulsos das terras pelos latifundiários. As terras, antes improdutivas, hoje dão lugar a uma escola que tem a pedagogia do MST. A escola atende às 151 famílias do assentamento e aos filhos de pequenos agricultores do entorno.
Na Feira do Rio, os assentamentos do Espírito Santo oferecem produtos in natura, geleias, compotas, café e licores da marca Terra de Sabores, do MST estadual.
Há ainda a iniciativa pioneira do estado de comercializar plantas ornamentais e medicinais. Sanuza Motta produz fitoterápicos pela marca Fios da Terra. Mãe de Ícaro, ela associou o conhecimento ancestral da família à formação técnica no curso de saúde para a população do campo, a partir de uma parceria do MST com a Fiocruz e o Pronera, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
Ícaro também reforça a importância das feiras para dar visibilidade à luta pela Reforma Agrária e combater o preconceito disseminado contra o movimento. Ele lembrou que o MST do Rio Grande do Sul já doou mais de 20 mil marmitas para pessoas que ficaram desabrigadas após as fortes chuvas que atingiram o estado.
“A Feira tem um papel objetivado. Para além de ser um espaço para mostrarmos para a sociedade o que de fato a reforma agrária produz, é ainda um espaço de quebra de paradigmas e de estigmas porque a imagem que se consolida no senso comum do movimento é a imagem de criminalização propositadamente colocada”, afirma ele.
*Editado por Gustavo Marinho