Atrocidade

Casal de rezadores Kaiowá e Guarani morrem carbonizados em incêndio criminoso

Sebastiana e Rufino eram considerados líderes religiosos pelo povo, que denuncia o atentado como crime de racismo religioso e resultado do conflito pelo território
Imagem: APIB

Por APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Sebastiana e Rufino, casal de rezadores do povo Guarani e Kaiowá, foram encontrados mortos, em meio às cinzas da casa onde moravam, nesta segunda-feira (18), na aldeia Guassuty, em Aral Moreira, cidade que fica na linha de fronteira entre Brasil e Paraguai, a 359 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Ambos eram considerados líderes religiosos pelo povo, que denuncia o atentado como crime de racismo religioso e resultado do conflito pelo território.

Já a Polícia Civil está investigando o caso como “crime passional”. Um suspeito, que seria familiar das vítimas, foi identificado e preso na tarde de ontem. Forças da Polícia Militar e da Polícia Civil cercaram a região com as buscas.

A comunidade discorda da linha policial. Sebastiana era chamada de Ñande Sy pelos Guarani e Kaiowá, termo que significa “nossa mãe” em guarani. As imagens da casa mostram o local completamente destruído e os restos mortais carbonizados.

Lideranças locais contam que o casal já havia sofrido ameaças, que se não parassem com as práticas da religiosidade indígena seriam “queimados vivos”. A casa era utilizada como um lugar de rituais e alguns fanáticos religiosos nutriam preconceitos, chamando as práticas de “macumba”. O que demonstra uma dupla discriminação, contra as religiões afro-brasileiras e contra a cultura indígena.

O delegado que investiga o caso, Maurício Vargas, afirmou que “a competência da PF é só na questão de disputa de terra ou em coisas relacionadas à xenofobia”, por isso a Polícia Federal não foi acionada.

Violência no MS

O estado do Mato Grosso do Sul é um dos líderes em violência contra os povos indígenas. Em fevereiro de 2022, o relatório “Intolerância religiosa, racismo religioso e casas de rezas Kaiowá e Guarani queimadas”, publicado pelo Observatório Kunangue Aty Guasu, mostrou outros casos de incêndios com indícios de crime provocados contra as casas de rezas (oga pysy), assim como agressões, ameaças, torturas e tentativas de homicídio contra nhanderu (rezadores) e feminicídio contra as nhandesy (rezadoras), apontando uma forma de ataque sistemático e reincidente no MS, contra a cultura e as vidas indígenas.

A continuidade das violações de direitos dos povos originários materializada na queima dos símbolos sagrados remonta às práticas missionárias no interior das aldeias trazidas por países europeus através da colonização. A Companhia de Jesus e o avanço dos jesuítas sobre o território atualmente ocupado pelo Estado brasileiro, por exemplo, teve forte caráter bélico. 

Destruir a fé e a cultura indígena significa minar a capacidade de resistência dos povos sobre suas terras. Como afirmou uma nhandesy que testemunhou a queima da casa de reza na tekoha Rancho Jacaré, “na luta pelo território, a reza nos fortalece, pois a igreja não nos salva durante a retomada”.

Os departamentos jurídicos da Apib e da Aty Guasu estão acompanhando o caso. Exigimos a investigação minuciosa do crime e justiça aos responsáveis.

BASTA DE VIOLÊNCIA!