Assentamentos
Em São Paulo, MST exige arrecadação de terras públicas para a Reforma Agrária
Por Coletivo Estadual de Comunicação do MST em São Paulo
Da Página do MST
Em data simbólica de comemoração do Dia Internacional da Soberania Alimentar, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em São Paulo realiza ações na capital e no interior pautando a arrecadação de terras públicas para a Reforma Agrária, políticas públicas para os trabalhadores e as trabalhadoras do campo e melhores condições de trabalho para as famílias assentadas. As manifestações aconteceram na cidade de São Paulo, na sede do INCRA; em Bauru, na Praça na Praça Rui Barbosa e na Prefeitura Municipal; e em Presidente Prudente, em frente à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
Para Claudete Pereira, da Direção Nacional do MST, “nosso objetivo com esses atos é denunciar a morosidade da Reforma Agrária e as ordens de despejo dos acampamentos do estado de São Paulo. É um dia de luta para denunciar a paralisia da Reforma Agrária e que os créditos que vêm sendo apresentados pelo INCRA são insuficientes para contemplar o conjunto dos nossos assentamentos e atender as famílias assentadas. Por isso, hoje, Dia Mundial da Alimentação, dizemos que para combater a fome precisamos de terra, precisamos produzir e para isso precisamos de políticas públicas efetivas.”
Pautas dos trabalhadores/as Sem Terra em São Paulo
Na capital, com ação concentrada no escritório do INCRA, o MST exige do governo federal respostas às pautas apresentadas pelo movimento para a arrecadação de terras públicas para assentar as mais de 65 mil famílias acampadas em todo o Brasil, além exigir um projeto concreto do Governo Federal para o desenvolvimento e reestruturação dos assentamentos rurais e a aceleração na liberação de fomentos e políticas públicas para as famílias assentadas.
Outra pauta apresentada no INCRA foi a exigência da anulação da ação de despejo contra as famílias assentadas na Comuna da Terra Irmã Alberta, localizada no distrito de Perus, na Grande São Paulo. Trata-se de um território da Reforma Agrária que resiste há 20 anos por meio da produção de alimentos saudáveis e com compromisso na conservação ambiental e agora está sofrendo ameaça de reintegração de posse da SABESP, que é a proprietária do terreno. Por isso, exige-se que o governo de São Paulo cancele a reintegração de posse e regularize a situação das famílias e o assentamento imediatamente.
Outra pauta que reúne a militância do MST no INCRA na manhã desta segunda-feira é a situação das famílias do Acampamento Marielle VIve, em Valinhos, Região Metropolitana de Campinas. Cerca de 300 famílias acampadas estão lutando há cinco anos no local. Além da pauta da arrecadação das terras, a luta dessas famílias se volta para o acesso à água, já que se cobra um valor alto impedindo que as famílias, que entram-se em situação vulnerabilidade socioeconômica, tenham acesso à água para sobreviver.
No centro do estado, em Bauru, na Praça Rui Barbosa, os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade se uniram para somar à Jornada Nacional, reivindicando tanto a Reforma Agrária, políticas públicas para produção alimentos visando o combate à fome, bem como a pauta da moradia, a não privatização da água e contra o aumento das tarifas de transporte público. A atividade envolveu um ato na Praça Rui Barbosa, uma marcha até a Prefeitura Municipal de Bauru, onde foi realizado mais um ato
No extremo Oeste do estado, na região do Pontal do Paranapanema, o MST deslocou militantes de seis municípios da região até Presidente Prudente para protestar em frente à Procuradoria Geral do Estado. O ato aconteceu durante toda a manhã na qual pediu-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) acelere o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre a Lei Nº 17.557/2022 e o assentamento imediato das famílias acampadas e retomada das políticas públicas.
“Nós estamos em Jornada Nacional de luta por Reforma Agrária, por uma alimentação saudável. Nós estamos cobrando dos governos federal, estaduais a retomada e o compromisso de retomar a pauta da Reforma Agrária e o assentamento das 65.000 famílias acampadas em todo o Brasil, para discutir crédito, financiamento e melhoria nos assentamentos e, fundamentalmente, retomar um Plano de Reforma Agrária que possa contemplar toda a sociedade. Então, essa Jornada Nacional de lutas tem por esse objetivo pressionar o governo para retomar um Plano de Reforma Rgrária, mas também dialogar com a sociedade sobre a importância dela como medida de desenvolvimento econômico e ambiental para o campo brasileiro”, ressalta Márcio José, da Direção Nacional do MST.
Terra pública é terra de quem luta!
Tendo centralidade na pauta da arrecadação de terras para assentar famílias sem terra, os atos denunciaram o governador Tarcisio de Freitas (REPUBLICANOS), que, através da Lei Nº 17.557/2022, está praticando de forma acelerada a regularização da grilagem de terras no estado de São Paulo, entregando elas por apenas 10% de pagamento no valor, a fim de alargar as suas alianças políticas com a burguesia agrária paulista, sobretudo da região do Pontal do Paranapanema onde há uma grande concentração de terras com posse ilegal dos latifundiários grileiros.
Essa tem sido considerada um dos maiores ataques à política agrária paulista, pois essa lei retrocede os avanços da Reforma Agrária construídos pelos movimentos sociais do campo há décadas e perpetua a concentração fundiária no Estado, atua sobre a situação de insegurança alimentar e alarga os índices de desigualdade social.
Mais de um milhão de hectares de terras públicas que estão sendo alvo dessas negociações, terras essas em fase de discriminação ou já transitado em julgado como devolutas. A lei beneficia os sujeitos da burguesia agrária que historicamente já vêm sendo beneficiados pela concentração fundiária. Essas terras griladas sempre serviram ao desenvolvimento da pecuária extensiva e da produção de monoculturas. Sendo assim, a aplicação da Lei é a manutenção de toda a estrutura de uso e exploração da terra e dos recursos naturais por esse segmento social que sempre esteve lucrando às custas tanto da natureza, visto que o desenvolvimento do agronegócio é inerente aos impactos ambientais, quanto dos trabalhadores e das trabalhadoras sem terra, que ficam impedidos de terem o acesso à essas terras para se desenvolverem através do trabalho de base familiar e da produção alimentos saudáveis.
Desde a Constituição Federal de 1988, a forma como o Estado deve dar destinação para as terras públicas deixa claro que o interesse público deve prevalecer e que as terras devolutas devem ser destinadas de forma compatível com o Programa Nacional de Reforma Agrária.
Porém, ao legalizar a grilagem de terras o Estado não desconstrói a estrutura de poder historicamente mantida no campo, continua privilegiando a burguesia agrária em detrimento do conjunto da sociedade que não tem acesso aos lucros e ao desenvolvimento propagandeado pelo agronegócio. Pelo contrário, mantém os trabalhadores e as trabalhadoras fora da terra.
Inconstitucionalidade
Estão sendo apontadas um conjunto de violações à Constituição Federal com a aprovação e aplicação da Lei Nº 17.557/2022.
A Lei apresenta o que se chama de vício de iniciativa. Propostas que visam alterar o Patrimônio Público do Estado devem ser apresentadas pelo Poder Executivo (governador). O Projeto de Lei de origem da Lei 17.557/2022 foi proposto por parlamentares (Pedir Legislativo). Ou seja, ela já iniciou com indícios de ilegalidade.
Ela também viola o Art. 188 da Constituição Federal e o Art. 185 da Constituição Estadual, que estabelecem que as terras públicas e devolutas devem ser destinadas prioritariamente para o Plano Nacional de Reforma Agrária, portanto a Lei 277/2022 não cumpre esse preceito constitucional, pois permite que a terras sejam entregues ao latifundiários.
Ainda, apresenta grandes impactos na soberania alimentar e na conservação ambiental. O Art. 255 da Constituição Federal prega que, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. É notório que as atividade do agronegócio, que historicamente se beneficiaram da grilagem de terras, geram uma série de impactos ambientais, por isso a entrega das terras públicas para os grileiros significa ampliar e acelerar a crise ambiental.
Levanta-se, também, a discussão sobre o ponto da Renúncia de Receita. A Lei da Grilagem Paulista permitirá que o Estado coloque um enorme patrimônio mobiliário público à venda por um preço muito abaixo do praticado no mercado. Sendo assim, o Estado está abrindo mão de receita. Toda proposta legislativa que incida sobre a renúncia de receita deve, seguindo os ritos constitucionais, apresentar previamente um estudo sobre o impacto financeiro para o Estado, o que não houve com a tramitação desta Lei.
Histórico
Aprovada em julho de 2022, a Lei é assinada pelos deputados estaduais do PSDB, MDB, REPUBLICANOS, UNIÃO, AVANTE, PP e PL, ligados ao agronegócio e base do então governo paulista. O Projeto de Lei tramitou em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) e não abriu espaço para debates públicos com a população interessada no tema. Recebeu apenas um parecer conjunto das Comissões de Constituição, Justiça e Redação, de Atividades Econômicas e de Finanças, Orçamento e Planejamento, tendo como relator o Deputado Marcos Zerbini (PSDB).
Durante a tramitação o MST junto com outras entidades se posicionaram contrários ao Projeto de Lei. Foram feitas manifestações públicas questionando a legalidade constitucional. O posicionamento é de que a legalizar a grilagem de terras é um ato de retrocesso social e uma ação antidemocrática, sobretudo em um momento histórico de aumento do número de brasileiros e brasileiras em situação de fome ou insegurança alimentar e nutricional, além das recorrentes denúncias de crimes ambientais cometidos pelo agronegócio. Isso se choca, ainda, com um cenário onde milhares de famílias estão acampadas no aguardo de que o Estado arrecade essas terras para a Reforma Agrária.
Após ser aprovada na ALESP, o Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contestando a legitimidade jurídica. A ADI está tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardando parecer.
Em fevereiro deste ano a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou sobre os aspectos da inconstitucionalidade. Em documento apontou que,
“O modelo de alienação previsto nos atos normativos sob exame padece de uma amplitude claramente temerária, pois deixa de preconizar a necessidade de que os imóveis públicos a serem alienados cumpram as macro diretrizes distributivas previstas nas normas constitucionais que regem as políticas nacionais de desenvolvimento agrário e urbano, sobretudo aquelas que ditam a normatividade da política nacional de reforma agrária (artigo 188, caput); de proteção ao meio ambiente (artigo 225, caput); de proteção aos interesses de povos originários (artigo 231); de regularização dos territórios quilombolas (artigo 68 do ADCT); e de concretização da função social da propriedade urbana (artigos 182 3 183)”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), posicionou-se sugerindo a suspensão dos efeitos da Lei. Afirmou que a Lei “afronta os preceitos constitucionais definidores da política agrária, do Plano Nacional de Reforma Agrária e relativos à alienação de terras públicas e devolutas, inscritos nos arts. 185, 186, 187 e 188 da Constituição Federal”.
O MST em São Paulo, diante desses graves aspectos de inconstitucionalidade, e frente a demanda real da arrecadação de terras para a Reforma Agrária, denuncia a Lei 277/2022 e pede que o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade pela perda de efeitos desta Lei. Exigimos do Estado de São Paulo que as terras públicas sejam retomadas para assentar famílias sem terras e para a produção de alimentos saudáveis.
Ainda, cobra do Governo Federal sobre a necessidade de medidas concretas e efetivas para superarmos a situação de pobreza do campo com políticas públicas massivas para melhorar a qualidade de vida no campo e na cidade. Por fim, pede o cancelamento das ordens de despejo das famílias acampadas em luta pela terra.
*Editado por João Carlos