Rio Grande do Sul

Audiência pública debate projeto que regulamenta feiras ecológicas de Porto Alegre

Maioria dos agricultores considera que a proposta de autoria do Executivo retira a autonomia do Conselho de Feiras

Capital gaúcha tem as feiras ecológicas mais antigas do país. Foto: Elson Schroeder

Do Brasil de Fato RS

O projeto de lei de autoria da prefeitura que regulamenta a realização das sete feiras ecológicas de Porto Alegre foi tema de audiência pública na Câmara de Vereadores, na noite de terça-feira (14). Grande parte dos agricultores criticam o Projeto de Lei 037/23, destacando que ele poda a autonomia e é imposto “de cima pra baixo”, sem diálogo com quem faz as feiras há décadas na cidade. O Executivo afirma que o projeto foi construído com participação.

Realizada de forma híbrida, a audiência contou com cerca de 90 pessoas presencialmente e de 160 através de videoconferência, reunindo agricultores agroecológicos de diversos municípios, frequentadores das feiras, representantes de entidades e vereadores. Foi presidida pela vereadora Lourdes Sprenger (MDB), que fez a abertura dos trabalhos e passou a palavra ao secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cássio Trogildo, que apresentou detalhes do projeto. Foram ouvidas cinco pessoas contrárias e cinco favoráveis ao PL 037/23.

Conforme a proposta, as feiras ecológicas acontecerão em logradouros públicos municipais definidos pelo Executivo, ouvidos os produtores e consumidores através do Conselho de Feiras Ecológicas (CFE).  A ocupação das vagas disponíveis nas feiras ecológicas existentes e as futuras serão preenchidas mediante edital de seleção publicado pela administração municipal. Poderão participar do edital produtores, processadores e comerciantes enquanto pessoa física ou jurídica, através de associações de produtores e cooperativas, desde que regularmente habilitados, para exercer o comércio nas feiras ecológicas.

A principal crítica ao projeto é o esvaziamento do protagonismo do Conselho de Feiras de Porto Alegre, fruto de um acúmulo de décadas de organização e gestão, onde tudo é debatido entre os produtores e diversas entidades. O Artigo 22 da proposta diz que “a organização, estrutura e funcionamento das Feiras Ecológicas serão definidos através de Decreto Municipal”. Já o 23 diz que “compete ao Executivo Municipal estabelecer normas de funcionamento dentro dos critérios de conveniência e oportunidade, ouvidas as comissões das respectivas feiras ou o Conselho das Feiras Ecológicas, inclusive no tocante aos equipamentos a serem utilizados nas unidades de feira”.

Entre os que se manifestaram contra o projeto está o servidor do Ministério da Agricultura e secretário-executivo da Comissão da Produção Orgânica, Leonardo Toss. Ele solicitou um período mais extenso para discutir o projeto, pois existem divergências sobre seu conteúdo. “Solicitamos que o Legislativo promova mais uma ou duas audiências públicas, para que a gente possa trazer contribuições a esse projeto”, pediu.

“Norma de cima pra baixo”

A agricultora familiar Franciele Belez contou que sua família está na Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) há 29 anos. “As feiras foram criadas pelos movimentos sociais, pela necessidade que a população de Porto Alegre tinha de consumir alimentos saudáveis”, relatou. Para Franciele, as feiras da Capital são referência pela relação produtor consumidor e que o referido projeto vai contra isto, para instituir “uma norma de cima pra baixo”.

A pesquisadora em sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e conselheira do Conselho de Segurança Alimentar do RS, Potira Price mostrou-se contrária à proposta, pois há mais de 30 anos, os produtores de Porto Alegre se mobilizaram para viabilizar uma alimentação mais saudável para a população e salientou a qualidade das feiras da cidade. Disse que “As feiras são uma conquista social” e que o poder público sempre teve “uma participação muito tímida” no fomento das mesmas.

Feiras são conquista do movimento agroecológico

O frequentador das feiras ecológicas e integrantes da Certificadora de Produções Orgânicas, Álvaro de La Torre, apontou que quem não vem do movimento agroecológico, que construiu essas sete feiras, pode ter dificuldade de entender a importância da participação popular na construção dessa lei. “Essa conquista se materializa na organização desses espaços”, afirmou, pedindo mais participação popular na construção do projeto.

Representando a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda apontou o erro do projeto em confundir os conceitos de orgânico e ecológico. Disse que as feiras não podem ter interferência da prefeitura. “As feiras já estão sendo tolhidas na sua autogestão”, criticou.

Secretário de Governança Local e Coordenação Política apresentou o conteúdo do projeto em participação online.
Foto: Cesar Lopes/ PMPA

“Botar regras nas coisas”

Por sua vez, o presidente da Cooperativa Colmeia, Nélson Dill, ponderou que voltar para estaca zero e pedir mais prazo vai atrasar muito um processo que está em andamento. “Já tem um bom produto, ele foi fruto do debate, da discussão, da conversa com os produtores”, declarou.

Já o feirante da Feira Ecológica do Bom Fim, Ubirajara Almeida, pontuou que “houve sim bastante debate sobre este projeto” afirmando ter participado de três encontros. Para ele, o projeto pode ser melhorado, mas contempla os pontos principais que abrangem as feiras. “A lei vem na hora certa, pra botar regras nas coisas”, constatou.

A produtora Cristine Saldanha disse que foram abertas discussões sim e inclusive junto ao Conselho de Feiras. Ela acredita ser justo o processo seletivo por edital para participar das feiras ecológicas. Segundo ela, “as feiras estavam perdendo bancas e não sendo repostas”, trazendo como exemplo a feira do Bairro Tristeza.

A agricultora e processadora de Porto Alegre, Silvana Borer, contou que participa de várias feiras da Capital e que o projeto contemplou discussões com os interessados. Ela acredita que não se tirará espaço de ninguém, os agricultores de outras cidades, por exemplo. Salientou também que o projeto está sendo discutido desde março.

O produtor rural Eduardo Gigante defendeu que a prefeitura conduziu a construção do projeto de forma democrática. “Foram oito meses em que o secretário (Cássio Trogildo) procurou sim os feirantes, e nós contribuímos com todos os artigos”, garantiu. Dentre os principais pontos do projeto, ele demonstrou concordar especialmente com a sucessão familiar, garantia dos feirantes que já tem espaço vigente, edital de chamamento público e a autogestão.

Encaminhamentos

O secretário Cássio Trogildo agradeceu a participação de todos e que demonstram o diálogo do governo com os produtores das feiras ecológicas. O titular da pasta garantiu que, da proposta inicial, criada em janeiro, o governo fez várias mudanças, a pedido dos feirantes, e que resultaram no projeto encaminhado à Câmara.

O PL segue para análise da Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (CEFOR). A relatoria ficará a cargo da vereadora Biga Pereira (PCdoB).

*Com informações da Câmara de Municipal de Porto Alegre