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Morre Adilson Paschoal, expoente da agroecologia e criador do termo agrotóxico

O agrônomo, que tinha 82 anos, foi parceiro de Ana Primavesi na construção de uma alternativa de produção agrícola

Nascido em 1941, Adilson Paschoal é uma das maiores autoridades em ecologia do país. Foto: Rafael Stedile

Do Brasil de Fato

Morreu nesta quinta-feira (16), aos 82 anos, o agrônomo Adilson Paschoal, uma das maiores autoridades em agroecologia no Brasil. Consagrado e perseguido por criar o termo “agrotóxico” para se referir aos produtos antes denominados como pesticidas ou defensivos agrícolas, ele sofria de miastenia grave, doença autoimune caracterizada por progressiva fraqueza muscular.

Paschoal era parceiro intelectual de Ana Maria Primavesi, engenheira agrônoma pioneira nos estudos e na aplicação da agroecologia no país. Juntos, disputaram com o agronegócio a hegemonia das ideias sobre modelos de produção agrícola. Defendendo o respeito aos ciclos da natureza e aos trabalhadores, os dois conquistaram seguidores fieis, que espalham e concretizam o legado da agroecologia.

O Brasil de Fato publicou em 3 de outubro, Dia da Agroecologia em homenagem ao nascimento de Primavesi, um perfil de Adilson Paschoal, produzido pela repórter Gabriela Moncau, que republicamos abaixo.

Conheça Adilson Paschoal, criador do termo ‘agrotóxico’ e parceiro de Ana Primavesi

Agrônomo faz parte da geração de pesquisadores que consolidou cientificamente a agroecologia no Brasil

Prestes a completar 82 anos, o engenheiro agrônomo Adilson Dias Paschoal é provavelmente o último cientista vivo do grupo que criou o campo de estudos da agroecologia no país, ao lado de Ana Maria Primavesi. Ela, austríaca que passou quase toda a vida no Brasil e, com seus estudos holísticos sobre o solo, revolucionou as ciências agrárias, faria 103 anos nesta terça (3).  

Em homenagem a Primavesi, o 3 de outubro é o Dia da Agroecologia. Estabelecida formalmente em lei em 2017, a data visa fortalecer essa forma de agricultura baseada em princípios ecológicos e relações socialmente justas, sem uso de fertilizantes sintéticos, agrotóxicos ou sementes transgênicas. 

Quase sempre com óculos de hastes finas, magro e um bigode grosso branco combinando com o cabelo, Adilson – nascido na cidade de Casa Branca, no interior paulista – é um homem formal e tem o hábito de falar apoiando as pontas dos dedos de uma mão na outra. Na Universidade de São Paulo (USP) ainda na década de 1970, ele criou a primeira disciplina de agroecologia da América Latina, que lecionou por três décadas.  

Foi Adilson quem inventou, em um artigo publicado em 1977 e depois em um livro de 1979 uma palavra que se tornaria clássica, o vocábulo “agrotóxico”. Contrapondo-se a nomes usados até então e que em sua visão tinham o objetivo de ocultar a verdadeira natureza tóxica desses produtos, como “pesticida”, “praguicida” ou “defensivo agrícola”, Adilson defende que termo proposto por ele é o mais rigoroso cientificamente.

A despeito dos interesses do agronegócio, a palavra “agrotóxico” como a nomenclatura correta para definir esses produtos não só virou lei federal (nº 7.802) em 1989, como se popularizou. O Brasil é o único país a usá-la, inclusive entre os de língua portuguesa. Passados 46 anos da criação do vocábulo, no entanto, ele incomoda setores do agro.  

Apelidado por seus críticos como “Pacote do Veneno”, o projeto de lei (PL) 1.1459/2022 ressurgiu no Congresso Nacional. No último 27 de setembro, o projeto foi discutido na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e está prestes a tramitar no Senado.  

Na avaliação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, um relatório apresentado pelo senador Fabiano Comparato (PT) reduziu alguns problemas que o texto inicial do projeto propunha – como parar de usar a palavra “agrotóxico” – mas o pacote é, ainda assim, perigoso.  

“A tentativa de amenização no voto do relator foi insuficiente e jamais apoiaremos que haja ‘risco aceitável’ para doenças como câncer, malformação fetal, entre outras”, diz o manifesto contra o Pacote do Veneno, assinado por cerca de 130 organizações.

Agrotóxicos

Formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, no começo da década de 1970 Adilson resolveu se candidatar para fazer o doutorado nos Estados Unidos.  

Foi para a Ohio State University no âmbito de convênios entre universidades dos dois países que buscavam disseminar a chamada “Revolução Verde”: o pacote tecnológico que, baseado em monocultura, sementes transgênicas e agrotóxicos, transformou a agricultura global. O modelo não o seduziu. Ao contrário. 

“Ele vai para lá estudar, era uma maneira de dogmatizar as pessoas para abraçar o modelo da Revolução Verde, né? Só que o Adilson é um homem estudioso, de muito caráter, com convicções muito firmes. Então ele vai e tira as próprias conclusões”, relata a geógrafa e professora Virgínia Mendonça Knabben, biógrafa de Ana Primavesi e com contato próximo de Paschoal.  

De volta ao Brasil e na contramão do que se esperava dos estudantes enviados aos EUA, Adilson lança Pragas, agrotóxicos e a crise ambiental – problemas e soluções, que receberia o prêmio Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES). No livro, o professor mostra a correlação entre o volume de agrotóxicos e o aumento de pragas na agricultura, num ciclo que se retroalimenta. 

Lembrando que os insetos têm cerca de 398 milhões de anos de vantagens evolutivas em relação aos humanos, Paschoal argumenta, em seu livro que os agrotóxicos são “poderosos instrumentos humanos de simplificação e, consequentemente, de instabilização dos ecossistemas”, provocando desequilíbrios biológicos. Reduzindo os competidores naturais das pragas, escreve o professor, são elas as que “crescem assustadoramente”.  

Neste mês de outubro a publicação ganha nova impressão, pela Editora Expressão Popular. “A gente republicar o livro tem também o sentido político de trazer toda a contribuição do professor Adilson para os debates que a gente faz hoje: da alimentação saudável, a luta contra os agrotóxicos e a própria construção agroecológica”, diz Miguel Yoshida, editor da Expressão Popular.  

“A reflexão que ele faz em torno do desequilíbrio da natureza com relação às monoculturas e o uso de agrotóxicos é um contraponto ao que vemos aí da proposta do agronegócio, com os grandes monocultivos de soja e milho”, aponta Yoshida. 

A agroecologia “assenta-se em princípios muito diferentes”, explicou Adilson em um e-mail para Virgínia Knabben, “onde a praga fica sob controle natural pelo uso de variedades resistentes e tolerantes, pelo consórcio de culturas e por rotações de culturas, que garantem diversidade e, conseguintemente, estabilidade; o solo é um meio biológico, e não apenas um meio de suporte”. 

É justamente o não uso de agrotóxicos, aponta o agrônomo, que “permite o trabalho regulador dos inimigos naturais”. O que significa, conclui Paschoal, que “para que a agricultura convencional deixasse de usar agrotóxicos, teria de mudar todas as técnicas que usa atualmente. Quando isso irá ocorrer não se sabe. O que se sabe é que este modelo suicida não pode durar para sempre. É só uma questão de tempo”. 

O encontro com Primavesi e as ameaças 

Era 1980 quando, numa visita a um colega de departamento, Adilson viu na mesa um livro grosso, Manejo ecológico do solo. Foi aí que se deparou, pela primeira vez, com o nome de Ana Primavesi. O colega, adepto da agricultura industrial, comentou que tinha encontrado muitos problemas no livro. “Então deve ser bom”, pensou Paschoal ao sair da sala. No mesmo dia, encomendou três exemplares para a biblioteca. O livro mudaria sua visão.  

“Apesar de eu já entender haver relação da praga com o solo, não sabia bem como essa relação se dava, mas ela existia, porque a praga ocorria quando o solo era tratado com adubo mineral, principalmente nitrogenado. Foi então, a partir da leitura do livro da Primavesi, que a relação solo/planta/praga começou a formar-se mais claramente em mim”, relata Adilson em entrevista para o livro Ana Maria Primavesi – histórias de vida e agroecologia, de Virgínia Knabben. 

O último encontro de Adilson Paschoal e Ana Primavesi foi uma surpresa para ele, durante o relançamento de seu livro.
Foto: Rafael Stedile

“Eles vão somando forças, começam a unir saberes, ampliar isso”, conta Virgínia. Quando Adilson conheceu Primavesi, a professora já estava aposentada e vivia com os filhos em São Paulo. Com ela, Adilson percorreria o mundo dando palestras. Muitas das quais eram confrontados e ameaçados por representantes das indústrias agroquímicas. “Enfrentava com argumentos científicos. Nunca usei de outra estratégia que não fosse essa”, disse Adilson, em entrevista ao Globo Rural

“A primeira tentativa foi essa, de desacreditar a ideia”, narra Paschoal na biografia de Primavesi, se referindo a companhias de agrotóxicos que os chamavam de “hippies” ou “malucos”. “Mas não conseguiram porque nossos argumentos eram lógicos, claros demais para serem contestados”.  

A segunda tentativa foi de suborno. Certo dia, Adilson recebeu uma carta sem remetente, o convidando a ser diretor do Centro de Defensivos Agrícolas da Embrapa, que se instalaria em Campinas. “Queriam comprar a minha honra; mais uma tentativa frustrada”, disse. Tempos depois, o professor receberia outra correspondência sem remetente, mas uma caixa. “Naquela época estavam na moda as cartas-bombas, achei que me haviam mandado uma na Esalq. Pensei: não vou abrir isto. Coloquei a caixa no armário”. 

Colocou. E esqueceu. Adilson se deparou com a caixa cerca de 20 anos depois, quando esvaziava a sala para se aposentar, em 1998. “Resolvi dar um fim nela. Eu tinha quase certeza de que era uma bomba, mas não tinha coragem de abrir”. Cogitou enterrar ou botar no lixo, mas teve medo que algum dia explodisse em alguém. E então, teve a ideia. Assim como todas as tentativas do agro de neutralizá-lo, a caixa naufragou, amarrada a um peso, no rio Piracicaba.  

“Eles não atacavam ninguém, simplesmente defendiam a terra, o não saqueio dela. Se você lida com o recurso que é cíclico, trabalha de maneira respeitosa, a terra vai sempre produzindo. Essa é a lógica deles, diferente da do combate, da morte, do veneno, do dinheiro, da ganância”, descreve Virgínia, a respeito desta geração de cientistas. “As pragas somos nós neste planeta, que consumimos tudo sem nos preocupar em dar tempo do planeta se regenerar, se refazer”, resume. 

Aos 99 anos de idade e já sem participar de nenhum evento, Primavesi abriu uma exceção em 2018 quando foi convidada a aparecer de surpresa no relançamento do livro de Adilson, no parque da Água Branca. Os instantes antes do abraço do reencontro dos gigantes da agroecologia, que estavam há anos sem se ver, foi fotografado. 

Em um texto escrito um mês depois da morte de sua amiga em 2020, Adilson conta que, neste momento, sob aplausos acalorados, ele sussurrou no seu ouvido: “Veja Ana, quantos seguidores nós deixamos!”.