Jornada de Agroecologia
“Nossa função principal como seres humanos é defender a natureza”, diz João Pedro Stedile
Por Ednubia Ghisi
Da Página do MST
Fotos: Juliana Barbosa
O economista e integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, foi o convidado para a “Casa comum: as tarefas políticas deste tempo histórico”, na manhã do ultimo sábado (25), durante a 20ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba. A fala ocorreu na tenda principal do evento, no pátio do campus Rebouças da Universidade Federal do Paraná.
Ao apresentar as condições atuais da “casa comum”, Stedile elencou as inúmeras catástrofes e crimes ambientais. “Nunca antes na história do nosso planeta nós tivemos tantas mudanças climáticas, e nunca antes nós tínhamos assistido tantos impactos na vida normal. Sejam pelas ondas intensas de calor, pelas enchentes, os temporais, os ciclones, os maremotos, o nosso planeta, todo santo dia evidencia situações anormais do que é a vida”, destacou.
Stedile aponta o próprio sistema capitalista como causador deste cenário de crise estrutural, que afeta diretamente as 4 bilhões de pessoas mais pobres do mundo. “As 40 maiores empresas do mundo controlam 50% do PIB, entre eles mais de 100 bancos, e continuam acumulando cada vez mais”.
Segundo o economista, a crise é estrutural porque o controle do capital está cada vez mais concentrado e porque o capitalismo é um sistema econômico que não consegue resolver as necessidades da população. Moradia, terra, alimento, acesso à água, educação, transporte, saúde são direitos básicos que tem se tornado mais distantes da massa empobrecida em todo o mundo.
Outro agravante é a privatização de bens naturais, com a água. “Pelo menos 50% de todo o reservatório de água potável do Brasil pertence hoje a 50 empresas privadas”, como Coca-cola, Ambev e Nestlé. “Nós entregamos um bem da natureza, que não é fruto do trabalho humano, nas mãos de empresas privadas […]. Esse capital que se apropria dos bens da natureza comete ainda mais crimes”, denuncia.
Em tempos de crise, a guerra se torna alternativa lucrativa para o capital, frisa Stédile. “40% da economia americana é movimentada pela guerra. Os EUA tem 800 bases militares no mundo. Alguém já explicou na TV qual o efeito de cada bomba que é usada nas guerras?”, questiona, incluindo a luta pelo fim das guerras como uma das pautas centrais da humanidade atualmente.
A mística de abertura da conferência, apresentada pelo Coletivo Marmitas da Terra e pelo MST.
Se o capital é o principal responsável pelas crises, a liderança do MST aponta também a parcela de responsabilidade do poder público. “Os governos do mundo inteiro são responsáveis pelos crimes ambientais”. E provoca o governo brasileiro: “O sujeito, quando vira governo cresce a língua, mas tampa os ouvidos. O atual governo está iludido com o crédito de carbono, quem vai comprar esses títulos são os capitalistas […]. Não podemos ficar calados. No Cerrado e no Pantanal, que são fronteira agrícola para soja e milho, o desmatamento aumentou”.
A mídia comercial também é responsável pela crise ambiental: “Quando a Globo faz a propaganda de que o Agro é Pop […], está ajudando a criar uma retórica de proteção ao crime”, afirma.
Tarefas centrais para enfrentar a crise estrutural
O quadro de crise ambiental coloca o planeta em alerta, por uma ameaça real à vida humana. Stedile elenca uma série de fenômenos recentes que resultaram em centenas de mortes, em enchentes ou calor extremo, por exemplo. “A nossa função principal como seres humanos é defender a natureza, porque isso é defender a vida”, sinalizou.
Somado à luta contra os agrotóxicos e sementes transgênicas, e em defesa dos territórios indígenas e quilombolas, João Pedro deu ênfase ao combate ao desmatamento. “Nada justifica derrubar nenhuma árvore mais. Salvar uma árvore é salvar vidas, é salvar água. E não basta abraçar o desmatamento zero, temos que fazer campanha de reflorestamento”. Em 2019, o MST iniciou uma campanha nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, com a meta de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos.
Stedile arrancou aplausos da plateia quando sugeriu uma mudança no estacionamento da universidade, localizado ao lado da tenda onde a conferência ocorria. “Arranque esse asfalto e encha de árvore em toda a universidade”.
Somada a essa proposta inusitada, o militante defendeu a urgência de mudanças no sistema de transporte, que atualmente privilegiam alternativas privadas e individuais.
“O futuro da cidade é com transporte público e gratuito. Já existem 15 cidades do Brasil que não cobram a tarifa de ônibus. É viável o poder público custear o transporte […]. É um direito do povo ir trabalhar com transporte gratuito”. Não basta ser coletivo e público. O modelo de transporte sustentável precisa “migrar do petróleo para energia elétrica e solar”, completa.
Em diálogo com esta pauta, o coletivo Pedal UFPR organizou uma bicicletada saindo do pátio da reitoria da UFPR, no centro da cidade, até a Jornada, também na manhã deste sábado. “Por uma cidade menos centrada no carro, mais plural, acessível e sustentável, somando em causas populares e sustentáveis”, dizia o convite para a atividade.
Para completar a lista de prioridade de luta, Stedile propõe que a população se insurja contra todas as guerras. Uma performace do artista Arauto Dalma, ao final da mesa, trouxe a importância da solidariedade internacionalista ao povo palestino.
O líder concluiu a conferência propondo que movimentos sociais e populares dediquem “mais tempo nas nossas escolas para a disciplina de defesa da natureza”, como forma de enraizar este debate entre a militância.
*Editado por Gustavo Marinho