Questão agrária
São Paulo recebe lançamento de publicação sobre reforma agrária
Da Página do MST
Uma análise sobre os rumos da reforma agrária no Brasil será apresentada em São Paulo durante o lançamento da publicação “Titulação dos assentamentos rurais: o que está em jogo quando a mercantilização da terra é priorizada em detrimento da reforma agrária?”, que ocorre na quinta-feira (30), às 19 horas, no Espaço Alameda Nothmann 806. Atividade é organizada pela ONG FASE.
O evento discute o processo de entrega e mercantilização de terras públicas e de bens e serviços públicos que vêm ocorrendo por meio da legalização da grilagem, da titulação dos assentamentos rurais e da privatização. O evento conta com a presença de representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Superintendente Regional do INCRA/RJ e da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).
A publicação analisa as mudanças normativas e ações estatais que conduziram a política de reforma agrária à priorização da titulação dos assentamentos e traz recomendações para uma política voltada à democratização do acesso à terra e ao território.
O texto de Paula Máximo, professora da PUC-Rio e pesquisadora do grupo de pesquisa e extensão Terras e Lutas (NEC/PUC-Rio), já disponível no site da FASE, aborda detalhadamente, com números e infográficos, as mudanças normativas e as políticas e programas governamentais que têm resultado na substituição de políticas de distribuição de terras e de reconhecimento de direitos territoriais por políticas de mercantilização de terras públicas, por meio da entrega massiva de títulos de domínio em assentamentos.
Política desarticulada
A análise revela que as iniciativas que visam impulsionar a entrega de títulos a assentados da reforma agrária não estão articuladas a políticas de desenvolvimento dos assentamentos, de acesso a crédito e à extensão rural, de ordenamento territorial, capazes de manter o propósito de redistribuição do acesso à terra, que impulsionou a criação desses assentamentos. Na verdade, elas se tornaram, especialmente após 2016, a principal, senão a única, política destinada aos assentamentos de reforma agrária.
O esvaziamento das demais políticas de reforma agrária e a ênfase na titulação deixam claro que o objetivo dessa mudança de rumo na política agrária se inscreve em um claro processo de privatização de terras públicas, cuja consequência mais imediata é a perda do controle público de um enorme patrimônio fundiário da União. Um patrimônio que, se destinado a atender, de fato, aos preceitos constitucionais que determinam as prioridades de destinação de terras públicas, deveria estar protegido da mercantilização a fim de garantir a democratização do acesso a quem não tem terra e a proteção à posse exercida de milhares de famílias que sem acesso estável à terra se veem submetidas à violência e ao conflito.
De fato, nos últimos 15 anos, a terra foi o ativo que apresentou maior valorização: entre 2009 e 2014, os preços médios da terra no Brasil cresceram 95%, com destaque para o Centro-Oeste, onde esse índice chegou a 130%, coincidindo com a expansão da fronteira agrícola que avança em direção a Amazônia e ao Cerrado Nordestino. Dados mais recentes revelam que entre 2019 e 2022, os preços das áreas de soja e milho subiram 127%. Um cenário que explica as alterações legais que mencionamos e a mudança de rumo na política de titulação que o estudo que será lançado analisa. Essas sucessivas tentativas de liberar terras públicas ao mercado a fim de atender às exigências de um mercado, cada vez mais ávido, por um acesso estável e legal à terra e bens naturais podem levar, a médio prazo, à ampliação dos índices já bastante altos de concentração de terras no país.
Captura e mercantilização de bens públicos
Durante o debate também será discutido o processo de entrega e mercantilização de terras públicas e de bens e serviços públicos que vêm ocorrendo em São Paulo por meio da legalização de terras griladas e da privatização do serviço de saneamento.
Em junho de 2022 foi aprovada, em regime de urgência na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a lei 17.577 que possibilita a venda de terras devolutas ocupadas de forma irregular. Seu objetivo é regularizar áreas invadidas por fazendeiros do oeste de São Paulo, especialmente na região do Pontal do Paranapanema. Além de ir contra os preceitos constitucionais, que estabelecem que terras públicas e devolutas devem ser prioritariamente destinadas à reforma agrária, à proteção ambiental e à regularização de territórios indígenas e quilombolas, a lei ainda concede aos invasores descontos que significarão uma perda de, pelo menos, R$ 50 milhões de reais aos cofres públicos.
Embora questionada judicialmente, a lei segue em vigor. Ela se inscreve em um contexto de intensa pressão pela captura e mercantilização de bens públicos no país e no estado de São Paulo, especialmente. Meses antes, a Alesp aprovou o PL 410/2021 que impôs a Titulação de Domínio (TD) aos lotes em assentamentos rurais, retirando dos assentados o direito de livre escolha entre o TD e a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
A CDRU mantém a terra sob domínio do Estado, mas as famílias assentadas e seus sucessores têm garantidos seus direitos de uso sobre ela. Diferente do TD, que é oneroso e permite que a terra seja vendida, a CDRU é gratuita e torna a área inalienável, garantindo maior segurança fundiária aos assentados. A obrigatoriedade do processo de titulação, além de impor ao assentado uma dívida compulsória com o Estado, termina por vulnerabilizar as famílias frente ao mercado de terras, que tem crescido exponencialmente nos últimos anos.
O Projeto de privatização da Sabesp, que tramita na Alesp, também será debatido. A entrega de um serviço público e de uma empresa lucrativa nas mãos do interesse privado representa outra face de um processo mais amplo de mercantilização de bens comuns, que coloca em risco a garantia de direitos fundamentais à qualidade de vida e ao enfrentamento da desigualdade no país. A perda de controle acionário do estado sobre uma empresa responsável por prover um serviço de interesse público pode aprofundar desigualdades quanto ao acesso, à cobertura e à qualidade do serviço de provisão de água potável e tratamento de esgoto oferecidos à população, especialmente às parcelas que vivem nas áreas periféricas.
Para baixar a publicação completa acesse: https://fase.org.br/pt/biblioteca/titulacao-dos-assentamentos-rurais-o-que-esta-em-jogo-quando-a-mercantilizacao-da-terra-e-priorizada-em-detrimento-da-reforma-agraria/
Serviço
Lançamento: Livro Titulação dos assentamentos rurais… e debate
Data e horário: 30/11, quinta-feira, às 19 horas
Debate com:
Paula Máximo (PUCRio e CPDA/UFRRJ)
Sabrina Diniz Bittencourt (INCRA/SP)
Delwek Matheus (MST)
Oswaldo Aly (ABRA)
Mediação: Julianna Malerba (FASE)
Local: Espaço Alameda Nothmann, 806, Campos Eliseos, São Paulo.