Questão agrária

São Paulo recebe lançamento de publicação sobre reforma agrária

Evento ocorre em São Paulo, na quinta-feira (30), às 19 horas, no Espaço Alameda Nothmann 806
Foto: Gustavo Marinho

Da Página do MST

Uma análise sobre os rumos da reforma agrária no Brasil será apresentada em São Paulo durante o lançamento da publicação “Titulação dos assentamentos rurais: o que está em jogo quando a mercantilização da terra é priorizada em detrimento da reforma agrária?”, que ocorre na quinta-feira (30), às 19 horas, no Espaço Alameda Nothmann 806. Atividade é organizada pela ONG FASE.

O evento discute o processo de entrega e mercantilização de terras públicas e de bens e serviços públicos que vêm ocorrendo por meio da legalização da grilagem, da titulação dos assentamentos rurais e da privatização. O evento conta com a presença de representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Superintendente Regional do INCRA/RJ e da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).

A publicação analisa as mudanças normativas e ações estatais que conduziram a política de reforma agrária à priorização da titulação dos assentamentos e traz recomendações para uma política voltada à democratização do acesso à terra e ao território.

O texto de Paula Máximo, professora da PUC-Rio e pesquisadora do grupo de pesquisa e extensão Terras e Lutas (NEC/PUC-Rio), já disponível no site da FASE, aborda detalhadamente, com números e infográficos, as mudanças normativas e as políticas e programas governamentais que têm resultado na substituição de políticas de distribuição de terras e de reconhecimento de direitos territoriais por políticas de mercantilização de terras públicas, por meio da entrega massiva de títulos de domínio em assentamentos.

Política desarticulada

A análise revela que as iniciativas que visam impulsionar a entrega de títulos a assentados da reforma agrária não estão articuladas a políticas de desenvolvimento dos assentamentos, de acesso a crédito e à extensão rural, de ordenamento territorial, capazes de manter o propósito de redistribuição do acesso à terra, que impulsionou a criação desses assentamentos. Na verdade, elas se tornaram, especialmente após 2016, a principal, senão a única, política destinada aos assentamentos de reforma agrária.

O esvaziamento das demais políticas de reforma agrária e a ênfase na titulação deixam claro que o objetivo dessa mudança de rumo na política agrária se inscreve em um claro processo de privatização de terras públicas, cuja consequência mais imediata é a perda do controle público de um enorme patrimônio fundiário da União. Um patrimônio que, se destinado a atender, de fato, aos preceitos constitucionais que determinam as prioridades de destinação de terras públicas, deveria estar protegido da mercantilização a fim de garantir a democratização do acesso a quem não tem terra e a proteção à posse exercida de milhares de famílias que sem acesso estável à terra se veem submetidas à violência e ao conflito.

De fato, nos últimos 15 anos, a terra foi o ativo que apresentou maior valorização: entre 2009 e 2014, os preços médios da terra no Brasil cresceram 95%, com destaque para o Centro-Oeste, onde esse índice chegou a 130%, coincidindo com a expansão da fronteira agrícola que avança em direção a Amazônia e ao Cerrado Nordestino. Dados mais recentes revelam que entre 2019 e 2022, os preços das áreas de soja e milho subiram 127%. Um cenário que explica as alterações legais que mencionamos e a mudança de rumo na política de titulação que o estudo que será lançado analisa. Essas sucessivas tentativas de liberar terras públicas ao mercado a fim de atender às exigências de um mercado, cada vez mais ávido, por um acesso estável e legal à terra e bens naturais podem levar, a médio prazo, à ampliação dos índices já bastante altos de concentração de terras no país.

Captura e mercantilização de bens públicos

Durante o debate também será discutido o processo de entrega e mercantilização de terras públicas e de bens e serviços públicos que vêm ocorrendo em São Paulo por meio da legalização de terras griladas e da privatização do serviço de saneamento.

Em junho de 2022 foi aprovada, em regime de urgência na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a lei 17.577 que possibilita a venda de terras devolutas ocupadas de forma irregular. Seu objetivo é regularizar áreas invadidas por fazendeiros do oeste de São Paulo, especialmente na região do Pontal do Paranapanema. Além de ir contra os preceitos constitucionais, que estabelecem que terras públicas e devolutas devem ser prioritariamente destinadas à reforma agrária, à proteção ambiental e à regularização de territórios indígenas e quilombolas, a lei ainda concede aos invasores descontos que significarão uma perda de, pelo menos, R$ 50 milhões de reais aos cofres públicos.

Embora questionada judicialmente, a lei segue em vigor. Ela se inscreve em um contexto de intensa pressão pela captura e mercantilização de bens públicos no país e no estado de São Paulo, especialmente. Meses antes, a Alesp aprovou o PL 410/2021 que impôs a Titulação de Domínio (TD) aos lotes em assentamentos rurais, retirando dos assentados o direito de livre escolha entre o TD e a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

A CDRU mantém a terra sob domínio do Estado, mas as famílias assentadas e seus sucessores têm garantidos seus direitos de uso sobre ela. Diferente do TD, que é oneroso e permite que a terra seja vendida, a CDRU é gratuita e torna a área inalienável, garantindo maior segurança fundiária aos assentados. A obrigatoriedade do processo de titulação, além de impor ao assentado uma dívida compulsória com o Estado, termina por vulnerabilizar as famílias frente ao mercado de terras, que tem crescido exponencialmente nos últimos anos.

O Projeto de privatização da Sabesp, que tramita na Alesp, também será debatido. A entrega de um serviço público e de uma empresa lucrativa nas mãos do interesse privado representa outra face de um processo mais amplo de mercantilização de bens comuns, que coloca em risco a garantia de direitos fundamentais à qualidade de vida e ao enfrentamento da desigualdade no país. A perda de controle acionário do estado sobre uma empresa responsável por prover um serviço de interesse público pode aprofundar desigualdades quanto ao acesso, à cobertura e à qualidade do serviço de provisão de água potável e tratamento de esgoto oferecidos à população, especialmente às parcelas que vivem nas áreas periféricas.

Para baixar a publicação completa acesse: https://fase.org.br/pt/biblioteca/titulacao-dos-assentamentos-rurais-o-que-esta-em-jogo-quando-a-mercantilizacao-da-terra-e-priorizada-em-detrimento-da-reforma-agraria/

Serviço

Lançamento: Livro Titulação dos assentamentos rurais… e debate
Data e horário: 30/11, quinta-feira, às 19 horas
Debate com:
Paula Máximo (PUCRio e CPDA/UFRRJ)
Sabrina Diniz Bittencourt (INCRA/SP)
Delwek Matheus (MST)
Oswaldo Aly (ABRA)
Mediação: Julianna Malerba (FASE)
Local: Espaço Alameda Nothmann, 806, Campos Eliseos, São Paulo.