Diversidade
Via Campesina realiza encontro por diversidade sexual e de gênero: “Agro também é monocultor nos afetos”
Por Lucas Estanislau
Do Brasil de Fato
Combater estruturas patriarcais e discriminatórias que sustentam o modelo econômico dominante no campo. Foi com essa proposta que organizações camponesas de vários lugares do mundo realizaram neste sábado (02) em Bogotá, capital da Colômbia, um encontro sobre diversidade sexual e de gênero.
Essa foi a primeira vez que movimentos reunidos na Via Campesina, plataforma criada em 1993 que abarca as principais organizações de luta no campo de todos os continentes, decidiram debater o tema de forma pública.
“Nossos espaços de diversidade vêm de longe, porque sempre existimos nos movimentos, mas nunca tivemos um encontro a nível internacional desta forma”, diz Vinícius da Silva, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Membro do Instituto de Agroecologia Latino-americano e do Coletivo LGBTI+ do Movimento, ele explica que o espaço permite trocar reflexões a partir de diferentes realidades e que a discussão sexual e de gênero está inteiramente ligada à luta pela reforma agrária e por soberania alimentar.
“Não se pode separar quem somos, nossa orientação sexual, nossa identidade de gênero da luta sem-terra, da luta quilombola, da luta dos povos do campo porque estamos falamos de sujeitos”, disse.
Para Vinícius, “não se faz reforma agrária sem considerar todos os sujeitos, a diversidade dos corpos e sexualidades”, por isso é importante “pensar uma outra afetividade, refletir sobre a construção dos papeis de gênero e sobre o quanto negamos o afeto e liberdade aos nossos corpos”.
O ativista ainda falou sobre as particularidades presentes no campo, como as diferentes atribuições do homem e da mulher na relação com o trabalho na terra, “elas são muito marcadas e às vezes não se abre espaço para outras conformações”.
“Essas noções também são alimentadas pelo agronegócio, que vende um modelo não só de produção, mas também de família. Com suas estruturas, inclusive culturais, ele vai fazendo a manutenção e a promoção de uma sexualidade e de uma concepção de família hegemônicas, onde não cabe diversidade, e se estamos falando de agronegócio, estamos falando de monocultura e essa monocultura também existe nos afetos, nos corpos, na sexualidade e é isso que precisamos destruir”, afirma.
Ampliar conceito de “agricultura familiar”
Durante o encontro, os movimentos emitiram uma declaração conjunta propondo a ampliação do conceito de agricultura familiar, “repensando a agricultura camponesa familiar e incluindo nossas famílias escolhidas, uma diversidade de pessoas e formas de viver e trabalhar juntos”.
“Queremos permanecer no campo, construir organização como muitos estamos fazendo, enfrentando a aliança dos sistemas de opressão que existem entre o capitalismo, o patriarcado, o racismo e o colonialismo”, afirmam.
Para Cony González, ativista da Coordenadora Nacional de Organização de Mulheres Trabalhadoras, Rurais e Indígenas do Paraguai (CONAMURI), as pautas do campo e do feminismo camponês estão conectadas com as lutas LGBTQIAP+.
“Entendemos que a proposta do feminismo camponês está ligada à diversidade pela visão antipatriarcal e anticapitalista do movimento. Falamos em trabalhar revoluções e as revoluções da mulher estão de mãos dadas com a diversidade, por isso precisávamos colocar na agenda esse tema”, disse.
Segundo González, os coletivos não estão “separados da Via Campesina, estamos unidos e isso deve nos ajudar a articular um projeto político emancipador que denuncia as desigualdades com nossos povos e nossos corpos”.
Vinícius concorda que o evento deste sábado foi um passo para avançar e que “ainda há muito trabalho a ser feito”. Segundo o membro do MST, “esse é um debate que não é homogêneo nas organizações, nas regiões, pois cada um tem seus limites a depender da multiculturalidade e acúmulo sobre essa discussão”.
Editado por Rodrigo Chagas e Maria Silva