Internacionalismo
Mais de 1.500 agricultores se reúnem em Njombe, na Tanzânia, para a reunião anual do MVIWATA
Por Jonis Ghedi Alasow*
Da People Dispatch
1.500 delegados, representando os mais de 300.000 membros da Mtandao wa Vikundi vya Wakulima [Rede Nacional de Grupos de Agricultores da Tanzânia], comumente conhecida como MVIWATA, reuniram-se em Njombe, na Tanzânia, na terça-feira, 12 a 15 de dezembro para a 28ª Reunião Geral Anual (AGM) da organização e para a comemoração do 30º aniversário.
Essa organização de agricultores, formada em 1993, deu início ao seu programa com saudações de organizações fraternas de todo o mundo que viajaram a Njombe para participar da reunião. O Diretor Executivo da MVIWATA, Stephen Ruvuga, também fez o discurso de abertura e as reflexões de alguns dos membros que participaram da fundação do movimento há 30 anos.
A sessão do primeiro dia também contou com a participação da Dra. Tulia Ackson, presidente do parlamento da Tanzânia e presidente da união interparlamentar, que fez o discurso principal. Inspirada pela tenacidade com que o MVIWATA tem defendido os camponeses da Tanzânia nos últimos 30 anos, a Dra. Ackson celebrou o movimento em particular e o campesinato em geral como contribuintes essenciais para a construção da Tanzânia. Ela lembrou aos delegados que, desde a luta pela independência até hoje, os camponeses têm estado no centro de qualquer progresso que o país tenha conseguido fazer.
Ela também defendeu a agroecologia como um instrumento fundamental para o combate às mudanças climáticas e celebrou as sementes indígenas como estratégicas para o país. Seu discurso comprometeu o Estado tanzaniano a defender proativamente os camponeses da apropriação de terras.
Em seu discurso de abertura, Stephen Ruvuga lembrou aos delegados que a MVIWATA foi formada para trazer dignidade aos agricultores – algo que a virada para o neoliberalismo no início da década de 1990 parecia contrariar. Trinta anos depois, a luta pela dignidade dos agricultores continua.
Os debates entre os representantes sênior do governo, incluindo o comissário regional de Mbeya e os delegados da AGM continuaram a girar em torno dessa questão central da dignidade. Veronica Sopu, por exemplo, lamentou o fato de o presidente do parlamento ter arranjado tempo para participar dessa reunião, mas o Departamento de Agricultura não ter enviado ninguém para ouvir as ideias, as queixas e as perspectivas dos agricultores.
30 anos de lições
No segundo e terceiro dias da reunião, os membros participaram de um workshop destinado a refletir sobre as lições que o movimento pode aprender com os últimos 30 anos e as melhores maneiras de garantir que ele continue sua luta pelos interesses dos camponeses no futuro. O presidente do MVIWATA, Apolo Chamwela, abriu a sessão e insistiu que o maior inimigo em potencial do movimento é a desunião. Seu discurso de abertura foi inequívoco: a construção da unidade entre os agricultores da Tanzânia e do mundo é fundamental para todos os membros.
A representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), Iris, transmitiu uma importante mensagem de saudação à reunião. Ela incentivou o MVIWATA a continuar a luta pelo avanço econômico, político e social dos camponeses. Ela também convidou o movimento a participar do Congresso Nacional do MST em julho de 2024. Representantes da Tanzanian Biotech Products Limited, uma empresa de fabricação de biotecnologia que tem parcerias significativas com Cuba, também cumprimentaram os delegados. Eles os lembraram de que são o produto da solidariedade internacional do governo cubano que, durante a época de Mwalimu Julius Nyerere, ajudou o governo da Tanzânia a estabelecer esse patrimônio estatal para combater mosquitos sem usar agrotóxicos.
Isso foi seguido por uma reflexão detalhada sobre a trajetória do MVIWATA nos últimos 30 anos. Essa discussão foi iniciada por uma visão geral de Stephen Ruvuga, que lembrou aos delegados que o Presidente Mwalimu Julius Nyerere, especialmente após a Declaração de Arusha de 1976, tomou o partido da maioria na luta de classes. Portanto, o Estado estava assumindo a responsabilidade de apoiar os camponeses para que melhorassem suas vidas por meio do acesso à saúde e à educação para todos, além de fornecer mercados e apoio agrícola aos camponeses.
Infelizmente, esse projeto centrado nas pessoas para o socialismo e a autossuficiência (também conhecido como ujamaa) foi abandonado no início da década de 1990 em favor de um caminho neoliberal. A infraestrutura de apoio ao campesinato definhou com as medidas de austeridade e o Estado conscientemente deixou de apoiar a produção dos agricultores, o que antes era feito por meio de mercados específicos, financiamentos e empréstimos e outros meios. Em vez disso, havia uma crença não científica no “mercado livre” como a solução para todos os problemas.
O MVIWATA como alicerce da solidariedade dos agricultores
O abandono dos camponeses sob o neoliberalismo levou à formação do MVIWATA em 1993. O objetivo do movimento era facilitar a solidariedade entre os agricultores que não tinham ninguém em quem confiar, exceto eles mesmos. Por meio de treinamento, intercâmbios e compartilhamento de recursos, infraestrutura e conhecimento, o movimento cresceu e se tornou uma força a ser reconhecida na sociedade tanzaniana. É importante ressaltar que os delegados foram lembrados de que a constituição do MVIWATA define os camponeses com base em sua posição de classe na sociedade, e não na quantidade de terra que cultivam. Isso é significativo, pois sugere uma lente sociopolítica por meio da qual a situação dos camponeses da Tanzânia é compreendida.
Os desafios que foram enfrentados ao longo do caminho também foram destacados, como a superação das tendências ao individualismo e ao interesse próprio. Da mesma forma, a defesa inequívoca dos camponeses levou o movimento a ser caracterizado como “desordeiros” pelo governo e pelos capitalistas. Também houve muita animosidade por parte das ONGs que não gostam da autonomia com que o MVIWATA opera. Em alguns casos, parece que as ONGs abandonaram seu mandato original para se concentrar na luta contra o MVIWATA.
Os problemas enfrentados pelos agricultores em 1993 não desapareceram. Em muitos aspectos, os problemas pioraram e a necessidade de um MVIWATA forte e vibrante é mais urgente do que nunca.
Desafios contínuos enfrentados pelos camponeses
Os delegados levantaram um problema importante: o fato de os mercados criados pelos camponeses estarem sendo confiscados pelo governo. Da mesma forma, há cada vez mais incidentes de apropriação de terras pelos chamados “investidores” privados e também pelo próprio Estado, que busca expandir as reservas naturais para o turismo às custas dos camponeses.
Esses desafios, no entanto, não detiveram Brian da região de Dodoma, que insistiu que “nossa capacidade de prestar serviços nesses últimos 30 anos se deve à nossa capacidade de enfrentar os desafios de frente”. Isso foi reafirmado no final do dia, quando Faria, de Kigoma, insistiu que “nós, como camponeses, temos que nos unir e não devemos nos abalar facilmente”.
Esse apelo à resiliência do movimento parecia reconhecer que tempos difíceis poderiam estar por vir. Apesar dos vários estudos que enfatizam a centralidade dos pequenos agricultores e da agroecologia na subsistência de todos os tanzanianos, parece que a agenda neoliberal continua arraigada na atual administração.
Um agricultor elogiou o movimento pelos benefícios materiais que obteve com suas intervenções. Ele relatou corajosamente que conseguiu aumentar significativamente a produtividade de suas colheitas aplicando o que aprendeu com o treinamento do MIWATA.
*Coordenador do Pan Africanism Today.
Confira o texto original em Inglês AQUI.